quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Trabalhar os músculos é um seguro de vida (e os pesos não são necessários)

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Bip! A máquina toca e outro número aparece na tela, um novo turno, mas ninguém parece ter percebido na sala de espera do hospital. Até que um homem atarracado começa a se levantar de sua cadeira, bem devagar. Enquanto se ergue lentamente, como uma velha tartaruga que estica seu pescoço à procura do calor do sol, o médico já abriu seu histórico clínico. Homem, 75 anos. Olha seu relógio e anota o atraso: 15 segundos e nem sinal. Quase meio minuto depois o paciente por fim aparece na porta, apoiado em uma instável bengala. O médico se levanta para recebê-lo, estende a mão e registra mentalmente a frouxidão do aperto. Já tem seu primeiro diagnóstico: sarcopenia, é preciso fazer exercício físico.
Precisará confirmar sua conclusão com testes mais científicos do que o olho clínico, mas a intuição não costuma falhar nesses casos, em que a dificuldade para se movimentar é evidente, o equilíbrio está prejudicado e a falta de força é sentida no primeiro contato. São marcas inequívocas da degeneração da massa muscular que define a sarcopenia, e três problemas que fazem com que a vida dos idosos seja pontilhada por fêmures e quadris quebrados, além de levar sua existência à ameaça iminente da incapacidade. Mas a falta de massa e de força muscular não são características reservadas aos mais velhos. Também estão ligadas a diversas doenças, e aparecem até em pessoas de meia idade aparentemente saudáveis.
De fato, a origem do problema manifestado no inverno da vida começa muito antes de se chegar à velhice, como alerta uma análise da morfologia de mais de 13.000 pessoas realizada nos EUA entre 1999 e 2004, publicada na revista American Journal of Clinical Nutrition em 2014. De acordo com seus dados, obtidos na Pesquisa para o Exame Nacional de Saúde e Nutrição do país americano (Nhanes, na sigla em inglês), o déficit de massa muscular ocorre em todas as idades. E os estudos o relacionam com uma probabilidade maior de morrer por qualquer causa, assim como com doenças metabólicas e cardiovasculares. Essa é uma das razões pelas quais uma equipe de cientistas coloca agora que a massa muscular pode ser considerada um sinal vital, como a glicose no sangue, a pressão sanguínea e o ritmo do coração. A tese foi publicada nos Annals of Medicine em setembro.

A musculatura não serve somente para se movimentar

A figura do ancião que, como uma velha oliveira, se retorce no caminho à consulta do médico, ilustra a função mais conhecida do músculo: deixe que se enfraqueça e a gravidade empurrará o esqueleto ao chão. Mas isso não é o pior: a musculatura não mantém somente a postura, o equilíbrio e o movimento, “também tem funções metabólicas muito significativas”, frisa a endocrinologista e nutricionista do Hospital de La Princesa, em Madri, Begoña Molina. “O músculo é a principal reserva de proteínas do organismo, e é um regulador dos níveis de glicose sanguíneos, porque a consome quando nos movemos”, acrescenta. Ajuda a regular a temperatura corporal — acontece quando trememos —, e se comporta como um órgão endócrino muito interessante: “O faz através da mioquinase, que são mensageiros hormonais que estabelecem comunicação entre o músculo e os diferentes órgãos”, diz Molina. Esse mediador, por exemplo, participa na resposta inflamatória do organismo.
Com todas essas funções e responsabilidades, é compreensível que ter um volume de músculo em valores mínimos tenha graves consequências. Por exemplo, 63% dos pacientes que chegam à UTI têm pouca massa muscular, e a porcentagem é ainda maior nos com mais de 65 anos. Se é preciso entrar na sala de cirurgia, os que têm menos músculo sofrem mais complicações pós-operatórias, e suas estadias no hospital se prolongam. Visto com um enfoque positivo, a estatística indica que os pacientes que entram em traumatologia se recuperam antes se o corpo está bem servido desse tipo de tecido.
Uma nova pesquisa, realizada com a colaboração da empresa farmacêutica Abbott, a partir de 143 artigos publicados entre janeiro de 2016 e o mesmo mês de 2017, afirma que existem várias doenças relacionadas a uma massa muscular excessivamente baixa. Entre elas se destaca a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), que afeta 2,9 milhões de espanhóis. De acordo com o trabalho científico, essas pessoas têm três vezes mais probabilidades de ter obesidade sarcopênica, uma situação em que confluem a falta de músculo e o excesso de gordura. Não são uma exceção: o corpo de 10,3% das mulheres e de 15,2% dos homens nos EUA têm esse padrão, de acordo com dados da pesquisa Nhanes de 1999 a 2004. E também não é um assunto exclusivamente norte-americano e sim um problema insidioso que afeta muitos espanhóis.

Um custo oculto do efeito rebote

Molina afirma que a obesidade sarcopênica [algo como gordos magros: podem caber em tamanhos pequenos, mas onde deveria existir firmeza só se encontra dobrinhas] costuma afetar os que, após inúmeras dietas drásticas, perderam músculo e gordura. Quando o efeito rebote acaba com seu plano de emagrecer, só ganharam o segundo, e as proporções de seus tecidos ficaram cada vez mais descompensadas. “Na consulta sempre se lamentam que não comem muito para ter o excesso de peso que têm, e é verdade, porque comendo muito pouco não conseguem perdê-lo”, diz a endocrinologista. O motivo é que o músculo é o tecido que queima mais calorias, por volta de três quartos de todas as que o corpo consome em repouso. Isso significa que, quando a massa muscular é exígua, por menos que se coma a demanda energética do organismo já é satisfeita, e pode-se até mesmo armazenar gordura extra.
Enfileirar dietas malsucedidas é um erro nutricional comum bem grande, mas não é o único que nos leva a essa situação, da mesma forma que os que têm essa complexa e extrema morfologia não são os únicos que deveriam se preocupar por ter massa muscular baixa. Outro erro comum é dar às proteínas um papel excessivamente protagonista na dieta, com a ideia de que, como os músculos são feitos com essas moléculas, quanto maior o consumo, mais musculosa a pessoa ficará. De fato, o volume da musculatura se mantém graças a elas, por meio de um equilíbrio entre a síntese e a destruição — entre 1% e 3% são trocadas por dia. E sim, a manutenção da massa muscular é feita através de uma ingestão proteica adequada. “Mas não adianta nada ingerir quilos de proteínas se nossa contribuição de energia não estiver coberta”, afirma a endocrinologista.
Ou seja, as proteínas começam a somar somente quando a pessoa comeu nutrientes suficientes de outro tipo para satisfazer sua demanda energética, que depende de sua atividade física diária. Se a intenção é realizar uma dieta correta, “parece que um fator determinante é consumir uma quantidade adequada de proteínas e outra de hidratos de carbono”, diz o dietista-nutricionista da Academia Espanhola de Nutrição e Dietética Ramón de Cangas.
Enquanto a síntese de proteínas musculares dura por volta de 1,5 hora desde a digestão, o efeito do exercício pode chegar a 24 horas. Dessa forma, é conveniente encaixar os exercícios de força com a refeição para esculpir o quanto antes sua desejada musculatura? De Cangas responde que não vale a pena se esforçar, porque não é nada claro o benefício dessa decisão. Mas a seguinte ação é mais garantida: “Certos estudos em humanos indicam que cinco refeições por dia em vez de três podem favorecer a conservação da massa muscular, principalmente quando há fontes de proteínas, e, especialmente, quando vamos envelhecendo”.
As consequências não se fazem esperar. Com uma musculatura desenvolvida é mais simples emagrecer, pois garante que as calorias sejam queimadas com mais facilidade em vez de se acumular. Além disso, nos casos de obesidade sarcopênica, tonificar é a maneira de burlar um altíssimo risco cardiovascular, melhorar a sensibilidade à insulina (portanto, suavizar a diabetes e até mesmo corrigi-la) e evitar os níveis de colesterol prejudiciais sem a utilização de medicamentos.

Calma, não é preciso se matar na academia

O volume da musculatura chega a seu máximo por volta dos 25 anos, quando soma 30% da massa corporal de uma pessoa saudável. Esse pico é maior nos homens do que nas mulheres, já que a testosterona estimula a geração do tecido muscular. Atenção, isso não significa que é preciso se empanturrar desse hormônio para garantir sua saúde: um estudo publicado na revista Frontiers in Physiology, em outubro, concluiu que não são os homens com maiores níveis de testosterona que têm mais músculo, e sim os mais sensíveis a ela, ou seja, os que têm mais receptores. E isso é genético.
Depois, a massa muscular começa a diminuir a partir dos 50 anos. Algumas pessoas chegam aos 80 com somente 15%, ou seja, a metade do que tiveram em sua juventude. E aí começam os problemas. Mas a vida da musculatura muda muito com boa alimentação e a prática de exercícios de força, que não se limitam aos pesos. “Eu fui ginasta, fiz ginástica rítmica, e onde treinava também eram preparados atletas de ginástica artística”, diz Elena Sarabia, professora de Ciências da Atividade Física e Esporte da Universidade CEU Cardenal Spínola, em Sevilha: “Eu os vi começar a treinar e ao longo do ano ficar com a musculatura que todos sabemos que têm. E conseguiram isso com a única ferramenta de seu próprio corpo”.
A especialista desenvolveu uma rotina simples, apta para pessoas acima dos 60 anos (ainda está em tempo) e indivíduos que não gostem, por estética, do corpo especialmente musculoso (algo frequente entre as mulheres). Bastam duas sessões semanais de exercícios de força de 40 minutos, aquecimento e descanso incluídos. E mais, uma terceira sessão não se demonstrou eficaz, provavelmente porque isso tiraria dos músculos o tempo que precisam para se recuperar do esforço. “O treinamento esportivo produz microrupturas das fibras musculares (as que provocam dores musculares), e o corpo as repara com um tecido fabricado para suportar o estímulo que as produziu. Se a pessoa não dá tempo ao organismo para se recuperar de uma sessão de treinamento de força, talvez não consiga assimilar o estímulo enviado na próxima. Por isso, é bom esperar dois dias entre cada treinamento.
E os exercícios não são nada complexos. Os agachamentos são ideais para os quadríceps, e para exercitar as panturrilhas só é preciso ficar nas pontas dos pés e voltar à posição inicial, várias vezes. O glúteo maior merece grande atenção, já que é um músculo grande e localizado em um ponto estratégico para estabilizar o corpo: deitar de barriga pra cima, com as pernas flexionadas, e elevar e baixar o quadril sucessivamente, é esforço suficiente para tonificar essa parte do corpo. Em relação aos abdominais, nem sempre são feitos corretamente. Sarabia alerta que “há tempos os tradicionais são contraindicados porque podem causar problemas nas costas e cervicais”. Agora são feitos no estilo pilates, em que a pessoa se senta e deixa as costas caírem um pouco para trás, e os de tipo prancha, dentre os quais se destacam os que são feitos deitando-se de barriga para baixo, com o antebraço apoiado no solo e suportando o peso. A parte superior do corpo pode ser trabalhada com halteres, faixas elásticas e artefatos semelhantes, assim como flexões, que podem ser feitas nas paredes, com as mãos apoiadas em uma mesa e no solo, quando a pessoa já tem força suficiente.

E como sei quanto músculo tenho?

Não é fácil. De modo que a proposta de que a massa muscular seja usada como sinal vital só pode ser aplicada, com segurança, nos hospitais, onde a medição desse parâmetro é cada vez mais comum. A absorciometria por raios X é a técnica mais precisa, mas é muito cara e ninguém quer se expor a ela rotineiramente, já que expõe a baixas doses de radiação. A tomografia axial computadorizada é o método mais usado pelos médicos para realizar o acompanhamento dos pacientes de câncer, nos quais a falta de músculo foi relacionada a diversos problemas derivados do tratamento (também são utilizados escâneres de ressonância magnética). E no âmbito da pesquisa, começa a abrir caminho a ecografia muscular, que além da quantidade de músculo, mede sua qualidade, um valor relacionado à infiltração de gordura. Quanto mais gordura existir dentro do músculo, menos resistência à insulina e menor capacidade funcional o tecido terá, duas razões de peso para realçar a importância do músculo como referência de saúde. Outra opção passa pelo estudo antropométrico, em que são tiradas medidas do corpo e da gordura subcutânea para calcular a massa muscular.
Mas se há uma técnica que chamou a atenção é a bioimpedância, já que está presente nas balanças comerciais. Uma corrente elétrica passa através do corpo e detecta quanta gordura existe, para depois calcular o volume de músculo (ao entrar em jogo a eletricidade não pode ser usada com a bexiga cheia e em momentos pré-menstruais, em que se retém líquidos, já que prejudicariam as medições). Muitos profissionais usam essa técnica — com modelos de balança muito mais avançados do que os modelos comuns de banheiro. A maioria, entretanto, concorda que, apesar de sua versão doméstica não dar um valor preciso da massa muscular, não é ruim usá-la como uma referência que avisa que estamos perdendo músculo e devemos ir a um profissional. Ou, o que é a mesma coisa, se a saúde está minguando sob a pele sem que ninguém perceba.
El País

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Provas de aquecimento global causado pelo homem atingem 'padrão ouro', dizem cientistas

Tasiilaq, Greenland, 16/6/2018 REUTERS/Lucas Jackson
 
"A humanidade não poder ser dar ao luxo de ignorar sinais tão claros", escreveu a equipe liderada por norte-americanos no periódico científico Nature Climate Change com base em medições de satélite sobre aumentos das temperaturas nos últimos 40 anos.
    Eles disseram que a crença de que atividades humanas estão aumentando o calor na superfície da Terra chegou ao nível dos "5 sigma", uma medida estatística que significa só existir uma chance em um milhão de que o sinal apareceria se não houvesse aquecimento.
Tal "padrão ouro" foi aplicado em 2012, por exemplo, para confirmar a descoberta da partícula subatômica conhecida como bóson de Higgs, um dos principais componentes do universo.
    Benjamin Santer, principal autor do estudo que atua no Laboratório Nacional Lawrence Livermore da Califórnia, disse esperar que as descobertas convençam os céticos e deem ensejo a ações.
 "A narrativa lá fora de que os cientistas não sabem a causa da mudança climática está errada", disse ele à Reuters. "Nós sabemos."
    A maioria dos cientistas sustenta que a queima de combustíveis fósseis está causando mais enchentes, secas, ondas de calor e a elevação do nível dos mares.
 O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem frequentamente levantado dúvidas sobre o aquecimento global e planeja retirar seu país do acordo climático assinado por 197 nações em Paris que almeja acabar com a era dos combustíveis fósseis neste século adotando energias mais limpas, como eólica e solar.
    Em 2018, 62 por cento dos norte-americanos entrevistados acreditavam que a mudança climática tinha causa humana, um aumento em relação aos 47 por cento de 2013, segundo o Programa Yale de Comunicação sobre Mudança Climática.
As conclusões de pesquisadores dos EUA, Canadá e Escócia divulgadas nesta segunda-feira mostram que já em 2005 os indícios de que o aquecimento global atingiu os 5 sigma estavam presentes em dois de três conjuntos de dados de satélite usados amplamente por pesquisadores, e em 2016 no terceiro deles.
O professor John Christy, da Universidade do Alabama em Huntsville, que administra o terceiro conjunto de dados, disse que ainda há muitas lacunas na compreensão da mudança climática. Seus dados mostram um ritmo mais lento de aquecimento do que os outros dois conjuntos.
"Você pode ver uma certa impressão digital que indica influência humana, mas a intensidade real da influência é menor (como indicam nossos dados de satélite)", disse ele à Reuters.
Em 2013, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU concluiu que era "extremamente provável", ou pelo menos 95 por cento provável, que as atividades humanas tenham sido a principal causa da mudança climática desde os anos 1950.

Oscar 2019: O que era o 'Livro verde' para viagens de negros nos EUA, que inspirou vencedor de melhor filme

Mahershala Alí e Viggo Mortensen
 
Vencedor do Oscar de melhor filme neste ano, o longa Green Book: o Guia conta a história de Don Shirley (Mahershala Alí), um pianista negro de jazz que faz uma turnê pelo sul dos Estados Unidos em 1962 e de seu motorista e guarda-costas, Tony Lip (Viggo Mortensen).
Ao viajar pelo país em plena época de segregação racial, os dois usam o "livro verde" (green book, em inglês), um guia que trazia os poucos hotéis, restaurantes e bares que eram seguros para afroamericanos na época.
O filme é baseado na história real de Don Shirley e o livro que dá o nome ao longa existiu de verdade: se chamava The Negro Motorist Green Book ('O Livro Verde do Motorista Negro', em tradução livre) e circulou entre 1936 e 1967.
O autor, chamado Victor Hugo Green, era um carteiro do bairro do Harlem, em Nova York. Segundo a revista de história Smithsonian, para fazer o guia, Green reuniu informações de outros carteiros que trabalhavam com ele – primeiro de Nova York, depois de todo o país.
 
Portada del Libro Verde

Racismo e segregação

O guia feito por Green tentava dar aos viajantes negros informações para que evitassem se encontrar em dificuldade ou em situações embaraçosas, segundo o podcast The Green Book, da BBC Radio 4.
Na época, estavam em vigor no país as chamadas "leis Jim Crow", que desde o fim do século 19 até 1965 impuseram a segregação racial no sul.
Os negros não podiam compartilhar espaços públicos com os brancos e grande parte dos estabelecimentos de comércio e serviços não os recebiam.
 
Fonte de água separada para 'pessoas de cor' em 1938, na Carolina do Norte
 
Havia uma hostilidade aberta contra negros que viajavam, e eles corriam perigo físico.
O podcast da BBC Radio 4 detalha o tipo de tratamento brutal recebido pelas pessoas:
"Na melhor das hipóteses, as empresas de donos brancos se negavam a atender os motoristas negros, a consertar seus carros ou oferecer alojamento. Na pior das hipóteses, a pessoa poderia ser morta se entrasse no bar errado, na cidade errada."
Nesse cenário, o "Livro Verde" se tornou uma espécie de catálogo de refúgios em um mundo hostil e intolerante.
Era projetado para caber no porta-luvas do carro e ajudar principalmente motoristas negros que viajavam conduzindo clientes pelo país, segundo Alvin Hall, ex-apresentador da BBC Radio 4 que em 2018 viajou com as últimas edições do guia por vários Estados americanos.
Ele era publicado todos os anos entre abril e maio, e teve edições até 1967, três anos depois da aprovação da Lei de Direitos Civis, em 1965, que acabou com as leis de segregação racial no país.
 
Passageiros negros sendo expulso de uma sala de espera "para brancos" em uma rodoviária em Jackson, no Mississippi
 
Green morreu em 1962 e não chegou a ver a vitória do movimento de direitos civis no país.
Antes de morrer, no entanto, ele tinha esperanças na vitória do movimento. No guia de 1948, Green incluiu declarações otimistas: "Haverá um dia, no futuro próximo, em que este guia não terá mais que ser publicado. Em que nós, como raça, teremos igualdade de oportunidades e privilégios nos EUA."
BBC

Missão New Horizons trouxe as imagens mais nítidas já feitas do misterioso objeto espacial Ulti



Após termos nossa primeira imagem do 2014 MU69 em janeiro, a sonda New Horizons enviou suas fotos mais nítidas já feitas até agora do distante objeto espacial. As imagens têm uma resolução de cerca de 33,5 metros por pixel, cumprindo um dos objetivos desafiadores da missão de observar o objeto apelidado de Ultima Thule.
"Conseguir essas imagens exigiu que soubéssemos com precisão onde estavam tanto o minúsculo Ultima quanto a New Horizons — momento a momento — enquanto passavam uma pela outra a mais de 51,4 mil quilômetros por hora sob a fraca luz do Cinturão de Kuiper, 1,6 bilhão de quilômetros além de Plutão", disse Alan Stern, do Southwest Research Institute e investigador principal da New Horizons, em um comunicado. "Essa foi uma observação muito mais difícil do que qualquer coisa que tínhamos tentado em nosso sobrevoo de Plutão em 2015."
Quase um mês depois de seu voo histórico no Ano Novo, a espaçonave New Horizons, da NASA, enviou sua foto mais nítida do objeto localizado no Cinturão de Kuiper. Mas essas novas imagens, captadas com a ferramenta LORRI (Long Range Reconnaissance Imager), da nave espacial, fornecem ainda mais detalhes. Stern apontou que algumas dessas características observadas "que agora vemos na superfície do Ultima Thule são diferentes das de qualquer objeto já explorado antes". 
Como observado pela NASA, elas incluem tanto as regiões de "áreas circulares de terreno" quanto curiosos fossos, cuja causa parece ser motivo de debate entre a equipe da New Horizons. John Spencer, vice-cientista de projetos do Southwest Research Institute, disse que os cientistas de missão estão divididos sobre se elas são "crateras produzidas por impactores, fossos de sublimação, fossos de colapso ou algo completamente diferente".
Levará vários meses para que a New Horizons envie todos os dados coletados sobre esse objeto localizado a mais de 6,4 bilhões de quilômetros da Terra. E ainda há muito a se descobrir sobre esse mundo distante. No início deste mês, por exemplo, imagens empolgantes pareciam mostrar que os lóbulos do MU69 são muito mais planos do que os cientistas haviam previsto.
"Embora a própria natureza de um voo rápido, em alguns aspectos, limite o quão bem podemos determinar a verdadeira forma do Ultima Thule, os novos resultados mostram claramente que Ultima e Thule são muito mais planos do que se pensava inicialmente e muito mais planos do que o esperado", disse em um comunicado Hal Weaver, cientista de projeto da New Horizons e do Laboratório de Física Aplicada Johns Hopkins, na época. "Isso irá, sem dúvida, motivar novas teorias de formação planetesimal no início do Sistema Solar."

Estamos a apenas 140 anos do mesmo clima que causou uma extinção em massa mundial

 
Os humanos levaram o dióxido de carbono atmosférico a níveis nunca vistos em nossa curta existência (geologicamente falando). Mas nos dê mais algumas gerações, e nosso impacto geológico no planeta será cada vez mais claro.
Novas descobertas divulgadas recentemente mostram que, com os atuais índices de emissões, estamos a apenas cinco gerações de criar uma atmosfera que não é vista há 56 milhões de anos. Na última vez que os níveis de dióxido de carbono foram tão altos quanto estamos a caminho de atingir, isso ajudou a criar uma das maiores mortandades da história recente da Terra.
O Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno (MTPE) é um período da história planetária tão sinistro quanto o nome sugere. Os cientistas o estudam há anos, observando isótopos de carbono, fósseis e outras pistas enterradas na Terra. Suas descobertas mostram que o dióxido de carbono disparou rapidamente, fazendo com que a Terra aquecesse de 5 ºC a 8 ºC. O Atlântico Tropical tinha provavelmente 36 ºC, metade dos foraminíferos microscópicos que habitavam os mares morreram, animais em terra pereceram ou tiveram suas populações encolhidas, e levou 150 mil anos para a Terra se recuperar do choque .
Não é exatamente um clima dos sonhos. No entanto, ele parece oferecer o análogo mais próximo ao que os seres humanos estão fazendo com o clima hoje em dia.
A nova pesquisa, publicada na revista científica Geophysical Research Letters, mostra o quanto estamos perto de chegar aos extremos do MTPE e, de certa forma, como já o superamos. Com base em um conjunto de estudos sobre quando o MTPE começou e o quão rapidamente o dióxido de carbono se acumulou na atmosfera, Philip Gingerich, professor emérito do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Michigan, usou modelos para projetar as emissões humanas de carbono no futuro.
Embora o pulso de dióxido de carbono do MTPE tenha sido rápido em termos geológicos, ele mal se compara com o que os humanos estão fazendo com a atmosfera. As taxas atuais de emissão são até dez vezes mais rápidas do que eram durante o MTPE. Porém, enquanto as emissões do MTPE foram provavelmente o resultado de uma mistura de vulcanismo, incêndios e metano que saíram do permafrost e do fundo do mar, a situação atual acontece quase que inteiramente por causa das emissões de carbono da atividade humana. E essas emissões ainda estão aumentando, com o mundo estabelecendo novos recordes de poluição por carbono no ano passado. Com base nessa tendência sombria, Gingerich projetou emissões para o futuro e descobriu que, em apenas 140 anos, no ritmo atual, teremos criado o início da atmosfera do MTPE versão 2.0. Daqui a 259 anos, devemos atingir o pico do MTPE.
Esse é claramente o pior dos cenários, o que faz com que pareça improvável que cheguemos a esse ponto. No entanto, estamos vivendo esse quadro desde que os registros das emissões de dióxido de carbono começaram a sério, em 1959, data de partida que Gingerich usou para calcular as tendências futuras.
"É como se estivéssemos deliberada e eficientemente fabricando carbono para emissão para a atmosfera a uma taxa que, em breve, terá consequências comparáveis a grandes eventos de muito tempo atrás na história da Terra", disse Gingerich ao Earther.
Como o estudo aponta, o avô de Gingerich nasceu há 140 anos, enquanto que, 259 anos atrás, Ben Franklin estava inventando um relógio com ponteiros de horas, minutos e segundos, o que ajuda a dar uma perspectiva histórica sobre o tempo que temos. Embora o mundo tenha mostrado pouco apetite para reduzir as emissões, tem havido muita conversa sobre como devemos provavelmente fazer isso logo. Essas novas descobertas são um forte lembrete do que nossos netos terão pela frente se não mudarmos.
 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Brasileiros nascem mais entre março e maio, mas razão intriga cientistas

Há uma questão científica ainda sem resposta nas estatísticas de nascimento do Brasil. Os brasileiros nascem mais entre março e maio, nove meses após o inverno. E nascem menos em novembro e dezembro - os filhos dos meses de Carnaval. Por que isso acontece ainda não é sabido.
 
Barrigas de três mulheres grávidas
A diferença é significativa. Entre 1997 a 2017, houve 17% mais nascimentos em março do que em dezembro - os meses com os maiores e menores números de bebês nascidos nesse período. Em números absolutos, são 840 mil brasileiros a mais.
A diferença também é consistente ao longo dos anos. Desde o início da série histórica de nascimentos no Brasil, nos anos 90, há uma alta a partir de março, e uma queda a partir de novembro. Assim, o gráfico de nascidos mês a mês lembra uma frequência cardíaca, com um padrão que se repete.
Os dados foram levantados pela BBC News Brasil com base no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Ministério da Saúde, que é notificado sobre todos os nascimentos no país. Outras fontes de dados, como as estatísticas do Registro Civil do IBGE e do Seade, mostram o mesmo padrão ao longo do ano.
Quando a bióloga e matemática americana Micaela Elvira Martinez, professora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia, olhou os dados brasileiros pela primeira vez, ficou perplexa: "Eu fiquei extremamente surpresa: 'uau, eles (brasileiros) têm uma sazonalidade de nascimentos muito forte".
 
Gráfico de barras mostra o número médio de nascimentos diário em cada mês, no acumulado de 1997 a 2017
com os cerca de 20% que vocês têm", diz a professora de Columbia, que já analisou dados de mais de uma centena de países.
Mas a ciência ainda não sabe por que isso acontece - nem no Brasil, nem nos outros países. "Até hoje a gente não tem muita certeza, não podemos afirmar com segurança qual é a causa", diz Moreira.
"Essa é uma grande pergunta em aberto", acrescenta Martinez, PhD em Biologia Evolutiva e Ecologia. "(A sazonalidade dos nascimentos) é um fenômeno conhecido há muito tempo, há relatos com mais de um século. Então, é surpreendente que nós ainda não tenhamos a resposta definitiva para uma pergunta tão fundamental para nossa espécie."
Uma das hipóteses é que o ciclo de nascimentos é provocado por mudanças no comportamento sexual ao longo do ano. Entram aí, por exemplo, um possível aumento da frequência de relações sexuais no inverno ou a abstinência por motivos religiosos no período da quaresma.
Outra hipótese é que a fertilidade humana pode aumentar ou diminuir de acordo com as mudanças nas condições ambientais ao longo do ano - principalmente, a quantidade de luz natural e a temperatura.
Porém, ressalta Martinez, é preciso muito mais estudos para testar essas e outras hipóteses. "Essa é realmente uma questão em aberto".

Gráfico de linhas mostra a evolução mês a mês, desde 1997 até 2017, do número total de nascimentos

Região Norte é exceção

A alta de nascimentos em março e queda em novembro ocorre em todo o Brasil, exceto na região Norte.
Nos Estados da Amazônia, os nascimentos são mais distribuídos ao longo do ano, com dois picos pouco acentuados: o principal em setembro e outro mais leve em março. Dessa forma, nas últimas duas décadas, a diferença entre o número de nascidos em março e dezembro foi de apenas 5% na região - bem abaixo da média nacional, de 17%.
No outro extremo, estão Nordeste e Sudeste, com as maiores sazonalidades do país. Nessas regiões, a diferença entre o número de nascimentos em março e dezembro alcançou 20%, no mesmo período.
"Eu nunca tinha ouvido falar disso, mas faz sentido. No começo do ano, tem muita gente grávida. Só no meu trabalho e na igreja tem umas quatro meninas para ganhar neném", diz Karine Fernanda de Almeida, de Brasilândia, zona norte de São Paulo, grávida de sete meses de Pedro. O parto está previsto para abril - o meio do período de pico.
"Tem lógica (que nasçam mais pessoas nessa época), porque no inverno rola mais clima (de namoro). No verão, com esse calor, ninguém quer ficar junto", brinca Karine.
O Estado onde a sazonalidade é mais forte é a Bahia, com 26% mais nascimentos em março que em dezembro.
Na principal maternidade de Salvador, a Maternidade de Referência Professor José Maria de Magalhães Netto, a alta de partos entre março e maio chamou tanto a atenção dos profissionais de saúde da instituição que chegou-se a considerar que esse quadro poderia ser fruto de um aumento nas concepções durante as festas juninas - associação posteriormente descartada por falta de evidências científicas.
Em alguns pontos do Brasil, o fenômeno é ainda mais forte, como na pequena Feira da Mata, cidade baiana de 6 mil habitantes, a cerca de 800 quilômetros de Salvador. Nos últimos anos, Feira da Mata teve mais que o dobro de nascimentos em março em relação a dezembro.
A diferença fica visível no negócio de Madson Ravany, sócio da Mundo Encantado Festas, que aluga materiais para festas de aniversário na cidade. Segundo ele, o movimento entre os meses de março a maio é três vezes maior que o visto no final do ano.
Outro reflexo se dá na única escola estadual da cidade, o Colégio Filomena Pereira Rodrigues. Entre os alunos, há um número muito maior de aniversários de março a maio do que de outubro a dezembro.
"Talvez seja porque aqui é muito calor e o pessoal espera ficar mais fresco para namorar. E no Carnaval o pessoal usa muito preservativo", aposta, em tom de brincadeira, Davi Dias Rocha, vice-diretor do colégio. Ele levantou os dados dos aniversários na escola a pedido da BBC. "Eu nunca tinha imaginado que era assim".

Hipóteses ainda não confirmadas

Mudanças na atividade sexual ao longo do ano são, de fato, uma das hipóteses para explicar a sazonalidade dos nascimentos, diz Martinez, da Universidade de Columbia. Outra hipótese importante são mudanças na fertilidade.
"Esses são os dois principais fatores. É possível que, ao longo do ano, a quantidade de atos sexuais desprotegidos varie. E também é possível que homens e mulheres apresentem mudanças sazonais na fertilidade, que nós não percebemos", explica.
A combinação desses dois fatores explica por que a sazonalidade de nascimentos é bastante comum entre espécies de animais, segundo Martinez. "Muitos animais só se reproduzem e são férteis ao longo de uma pequena janela de tempo no ano."
Dessa forma, os filhotes acabam nascendo em períodos específicos - que podem ser estações com mais comida, clima mais favorável à sobrevivência, menor incidência de doenças ou de predadores.
Assim, é possível que, há milhares ou milhões de anos, questões como essas também tenham sido importantes para a espécie humana. O resultado pode ter sido alteração na fertilidade e nos hábitos sexuais nas diferentes estações do ano.
"Então, a ideia é que, talvez, os humanos não sejam tão diferentes dos animais. Apesar das mulheres ovularem todos os meses e serem capazes de engravidar em qualquer momento do ano, e os homens produzirem espermatozoides continuamente, pode haver diferenças na fertilidade ao longo do ano. E isso é algo que nós ainda não sabemos", completa a bióloga e matemática.
Gráfico de linhas mostra a curva de nascimentos mês a mês em cada região do país; região Norte é a única com curva diferente

Relação entre latitude e mês com mais nascimentos

Em um estudo publicado em 2014 no periódico científico Proceedings of the Royal Society, Martinez e outros pesquisadores organizaram uma base de dados com milhões de nascimentos ocorridos no hemisfério Norte nas últimas décadas.
Ao analisar essas informações, os cientistas identificaram uma correlação entre latitude e mês do ano em que nascem mais pessoas. Quanto mais ao norte, mais os picos de nascimentos tendiam a ocorrer no começo do ano.
A maioria dos países europeus, por exemplo, têm um maior número de nascimentos em maio. Já nos Estados Unidos, localizado em uma latitude ao sul da Europa, o pico de nascimentos é um pouco mais tarde, entre julho e setembro - um estudo de um professor de Harvard identificou que 16 de setembro era o dia de aniversário mais comum entre os americanos.
Mas como a mudança de latitude poderia interferir nos nascimentos?
duração do dia e da noite varia de acordo com a latitude. Regiões em latitudes distantes do Equador têm noites mais longas e dias mais curtos - e vice-versa, dependendo da estação do ano. Já em locais próximos do Equador, a duração do dia e da noite muda muito pouco ao longo do ano.
Dessa forma, a latitude interfere na quantidade de luz natural disponível. Além disso, a latitude também influencia na temperatura. A hipótese, então, é que mudanças nessas condições poderiam alterar a fertilidade humana - mas, novamente, nada disso foi provado.
O estudo da equipe de Martinez não analisou dados do hemisfério Sul. Mas, desde o ano passado, a pesquisadora passou a trabalhar com dados brasileiros, em colaboração com a Universidade de São Paulo. Assim, espera entender se a correlação entre latitude e mês de pico de nascimento também se repete por aqui.
"Esse é um dos motivos que me fizeram ficar surpresa com os dados sobre os Estados da Amazônia no Brasil. Nessa região, os dias são muito constantes, cerca de 12 horas de dia e 12 horas de noite, ao longo de todo ano. E nessa região os nascimentos são menos sazonais", diz a pesquisadora.

Influência da escolaridade da mãe

Mas como explicar que a maior parte do Brasil tenha o mesmo calendário de nascimentos, sendo que as regiões são tão diferentes entre si? Para Moreira, da Fundação Joaquim Nabuco, isso é um enigma.
"O Brasil tem dimensões continentais, variabilidade de clima, uma população volumosa e muito diferenciada. As sociedades do Sul e do Centro-Oeste são muito diferentes. O clima das duas regiões também. Mesmo assim, elas guardam essa similaridade nos nascimentos. Não conseguimos ter uma explicação para isso", diz.
O pesquisador analisou os dados brasileiros em detalhes. Além da região Norte, encontrou apenas uma segunda variável que modifica significativamente o padrão dos nascimentos no Brasil: a escolaridade da mãe.
Entre 1997 e 2017, filhos de mães sem nenhuma instrução nasceram 30% mais em março do que em dezembro. Já no caso de mães com nível superior, a diferença no número de nascimentos nesses dois meses foi de apenas 10%.
Para Martinez, da Universidade de Columbia, isso pode estar relacionado ao planejamento familiar - mulheres com maior escolaridade usam mais métodos contraceptivos. Uma forma de testar essa hipótese seria verificar como eram os nascimentos no Brasil antes da existência de anticoncepcionais. Porém, faltam dados antigos - as primeiras informações são da década de 1990.
Em países que têm estatísticas anteriores, como os Estados Unidos, os pesquisadores verificaram que, no passado, a variação dos nascimentos ao longo do ano era ainda maior. "Nos anos mais recentes, a sazonalidade dos nascimentos está diminuindo e ficando cada vez mais fraca. E isso pode ser uma consequência de haver cada vez mais planejamento familiar", diz a bióloga americana.
Pela falta de estatísticas do século passado, não sabemos se isso também está ocorrendo no Brasil. Se estiver, então é possível que, um dia no futuro, os bebês concebidos no inverno brasileiro deixem de ser a maioria.
BBC

As novas armas que aumentam as chances de um conflito global

A ameaça de uma guerra nuclear gera grande temor ao redor do mundo. E, para piorar, os riscos de um conflito aumentam com as linhas cada vez mais tênues entre armas nucleares e convencionais.
 
 Mísseis chineses de longo alcance
O bombardeiro B-29, por exemplo, foi projetado e construído para atirar bombas convencionais, mas, em 6 de agosto de 1945, uma aeronave americana desse modelo - Enola Gay - lançou uma bomba nuclear na cidade japonesa de Hiroshima. Cerca de 135 mil pessoas morreram em decorrência desse ataque.
Hoje, 74 anos depois, nove países possuem milhares de armas nucleares, que estão se tornando cada vez mais parecidas com o arsenal não nuclear.
Mesmo que o estoque global de armas nucleares esteja em seu menor nível - o ápice foi em 1986 com 64 mil unidades -, alguns dos armamentos contemporâneos são cerca de 300 vezes mais poderosos que a bomba jogada em Hiroshima.

Mapa mundi com dados do número de armas nucleares por país em 2018 - os maiores são Rússia e Estados Unidos, com mais de 6 mil armas cada

Exceto pelo Reino Unido, todos os países com armas nucleares têm equipamentos que podem ser usados para lançar ogivas nucleares ou convencionais. Esses equipamentos incluem mísseis de alcance cada vez maior.
A Rússia, por exemplo, recentemente apresentou um novo lança-mísseis de longo alcance, o 9M729.
Os EUA avaliam que esse míssil seja de uso duplo (nuclear e não nuclear) e tenha ultrapassado distâncias de 500 km nos testes.
O míssil fez com que os americanos acusassem os russos de violarem um tratado que bane o uso de mísseis de alcance médio e intermediário. Os EUA decidiram deixar o pacto, gerando novas preocupações acerca de uma corrida armamentista.
Enquanto isso, a China tem exibido seu míssil mais novo, o DF-26. Capaz de viajar mais de 2.500 km, ele parece ser o míssil de uso duplo com maior alcance do mundo.
 
Míssil norte-coreano decolando
 
Há vários cenários em que esses mísseis poderiam aumentar exponencialmente a chance de uma guerra nuclear. O mais óbvio é que, em um conflito, eles sejam lançados com armas convencionais, mas confundidos com armas nucleares.
Essa ambiguidade pode levar o adversário a lançar uma resposta nuclear imediata. É difícil saber se o país atacado aguardaria a detonação da arma para avaliar o que ela continha.
Na prática, o maior perigo de mísseis de uso duplo é outro: a dificuldade de identificá-los antes mesmo que sejam lançados.
Num cenário hipotético, China pode espalhar seus mísseis DF-26 carregados com armamentos nucleares por todo seu território. Um eventual inimigo, caso pense erroneamente que os mísseis tenham armamentos convencionais, pode decidir destruí-los. Com o ataque, a China poderia ser provocada a lançar essas armas nucleares antes mesmo que sejam destruídas.

Míssil russo de última geração

Em um conflito entre a Rússia e países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), esses satélites poderiam ser usados para detectar mísseis balísticos de curto alcance lançados pelos russos - e permitir que sejam abatidos no caminho.
Se a estratégia for bem sucedida, a Rússia pode decidir atacar os satélites americanos em resposta. Especialistas em defesa nos EUA têm, inclusive, alertado que os russos estão desenvolvendo armas de laser com esse objetivo.
Neutralizar satélites impediria o país de identificar tanto mísseis com armas convencionais quanto nucleares.
A última US Nuclear Posture Review - documento oficial sobre a política nuclear dos EUA - explicitamente ameaça usar armas nucleares contra qualquer Estado que ataque seus sistemas de controle e comando. A estratégia poderia ser adotada mesmo que o inimigo não tenha usado inicialmente armas nucleares.

Armas controladas

As potências nucleares estão conscientes da relação cada vez mais intrincada entre armas nucleares e convencionais e estão a par dos riscos envolvidos. Mas a mitigação dessas ameaças não parece ser uma prioridade. O foco continua sendo a ampliação da capacidade militar que visa dissuadir uns aos outros.
Uma opção no sentido oposto seria os países fazerem um acordo para banir armas que podem ameaçar satélites de comando e controle, mas as potências nucleares relutam em se sentar à mesma mesa.
Como resultado, a perspectiva de acordo permanece bem distante, e a tensão sobre um conflito global está longe de cessar.
* Esta análise foi encomendada pela BBC a um especialista que trabalha para uma organização externa. James Acton é codiretor do Nuclear Policy Program na Carnegie Endowment for International Peace. Este artigo se baseia no texto Escalation through Entanglement: How the Vulnerability of Command-and-Control Systems Raises the Risks of an Inadvertent Nuclear War.
BBC

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Origem da vida: o que é LUCA, o antepassado comum dos seres vivos que habitam a Terra

E se pudéssemos fazer a árvore genealógica de toda a vida na Terra?
Imagine que essa árvore seja grande o suficiente para que consigamos identificar o momento em que todas as espécies que hoje habitam o planeta - animais, plantas, bactérias - se originaram.
Essa viagem de retrospectiva teria quase 4 bilhões de anos.
Na primeira linha, ela mostraria LUCA, o "parente" mais distante de todos os seres que hoje encontramos na Terra.

Evolução
 
Quando a Terra se formou, há cerca de 4,6 bilhões, de anos não havia vida - ela apareceu alguns milhões de anos depois, na água.
LUCA não foi a primeira forma de vida que surgiu no planeta, mas aquela a partir da qual se desenvolveram os organismos que hoje conhecemos.
O nome vem da sigla em inglês Last Universal Common Ancestor, que se traduz como Último Ancestral Comum Universal e vem de um conceito que aparecia já na teoria da evolução de Darwin.

Água quente

LUCA não faz referência a um exemplar específico, mas a um tipo de organismo unicelular que evoluiu por milhões de anos.
Todos os seres vivos compartilham um código que traduz a informação contida no material genético - no DNA e no RNA - para viabilizar a produção dos aminoácidos que vão dar origem às proteínas - e, em última instância, à vida.
O mesmo aminoácido será formado pela mesma sequência de bases nitrogenadas, ainda que ele esteja presente em animais diferentes.

Bactérias
 
É assim que, de alguma forma, todos compartilhamos um pouco de LUCA.
origem às proteínas - e, em última instância, à vida.
O mesmo aminoácido será formado pela mesma sequência de bases nitrogenadas, ainda que ele esteja presente em animais diferentes.

DNA
 
É assim que, de alguma forma, todos compartilhamos um pouco de LUCA.
Um grupo do Instituto Pasteur, na França, realizou análises genéticas e evolutivas que os levaram a concluir que nosso antepassado possivelmente não vivia em águas tão quentes.
Os pesquisadores avaliaram sequências de uma proteína chamada girase reversa, que está presente nos organismos capazes de suportar altas temperaturas.
As análises dos cientistas apontam que essa proteína não estava presente no LUCA e, por isso, dificilmente ele seria capaz de viver em ambientes extremamente quentes.
"A mera ausência (desta proteína) nos permite deduzir informações acerca da temperatura ótima para o crescimento de organismos extintos há muito tempo, tão antigos quanto o LUCA", diz um dos pesquisadores no estudo.
A Ciência continua buscando evidências concretas do LUCA no planeta - mas, se essa pesquisa estiver correta, há décadas estivemos procurando no lugar errado.
BBC

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Fim do horário de verão: como se adaptar à mudança para não ficar 'morrendo de sono' na segunda-feira

Homem mexe em relógio
 
O horário de verão chega ao fim neste sábado. Quem vive nos dez Estados e no Distrito Federal onde os relógios tiveram de ser adiantados há pouco mais de três meses, deve agora fazer o contrário e atrasar os ponteiros em uma hora à 0h de domingo.
Pode parecer uma mudança pequena, mas ela pode afetar o funcionamento do organismo e ter impactos sobre o nosso bem-estar e saúde, explica o médico John Araujo, professor titular de Cronobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
"As pessoas pensam que vão ganhar uma hora, acabam ficando acordadas uma hora a mais e perdem o controle do horário de ir dormir. Acabam dormindo menos de sábado para domingo e de domingo para segunda-feira", diz Araujo.
Araujo explica que o sono tem um "efeito reparador" para o nosso corpo, principalmente para o cérebro e que o acúmulo de deficit de sono tem "os mesmos efeitos de estar embriagado".
"Afeta nossa capacidade de atenção e concentração, reflexos e destreza motora e aumenta a chance de haver acidentes", afirma o médico.
Mas como minimizar esses efeitos e "atrasar" também o ritmo do corpo, acostumado desde 4 de novembro do ano passado com dias que amanhecem e anoitecem mais tarde?

O que fazer para se acostumar à mudança de horário?

A boa notícia é que é mais fácil se adaptar ao fim do horário de verão do que ao começo, explica a neurologista Andrea Barcelar, presidente da Associação Brasileira do Sono.
"Também é assim quando viajamos. É mais simples se acostumar com um novo fuso horário e dormir mais tarde quando vamos para oeste, rumo aos Estados Unidos, por exemplo, do que dormir mais cedo quando vamos para o leste, na direção da Europa", diz Barcelar.

Horário de verão foi mais curto neste ano

Este período de horário de verão foi menor do que o anterior, porque seu início se deu mais tarde do que ocorria normalmente.
Antes, costumava começar no terceiro domingo de outubro. Mas, em dezembro de 2017, o então presidente Michel Temer assinou um decreto que reduziu sua duração, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral. Assim, seu início não mais ocorreria entre o primeiro e o segundo turno da eleição.
O Planalto chegou a cogitar que a data fosse mais uma vez adiada, para 18 de novembro, desta vez para atender um pedido do Ministério da Educação, para não interferir com a realização do Enem. Mas acabou sendo mantido seu começo em 4 de novembro.
O horário de verão foi criado no Brasil em 1931 durante o governo de Getúlio Vargas (1882-1954), mas suspenso por decreto várias vezes - os mais longos períodos sem horário de verão foram de 1933 a 1949, e de 1968 a 1985.
O governo Temer chegou cogitar acabar por completo com essa medida, após um estudo do Ministério de Minas e Energia apontar queda na efetividade da iniciativa na economia de energia.
O ministério explicou que o perfil do consumo de eletricidade não estava mais ligado diretamente ao horário e sim à temperatura, com os picos de uso de energia passando do início da noite para o começo da tarde, período mais quente do dia.

Onde tem horário de verão?

. Distrito Federal
. Espírito Santo
. Goiás
. Mato Grosso do Sul
. Minas Gerais
. Paraná
. Rio de Janeiro
. Rio Grande do Sul
. Santa Catarina
. São Paulo
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A melhor forma de atenuar as consequências do fim do horário de verão, explica a neurologista, é adaptar o corpo aos poucos à mudança de horário, antecipando o momento de ir dormir dia a dia. "Nosso corpo leva cerca de dois dias para se ajustar a uma mudança de 15 minutos, então, para 1 hora, seria necessária uma semana", diz Barcelar.
Mas quem não se antecipou ainda pode seguir outras recomendações:
* Desacelere: não programe muitas coisas à noite no fim de semana e, se possível, escureça a casa. "A claridade inibe o sono. Se você estimular um sono precoce, vai estar mais desperto na segunda-feira", diz Araujo.
* Desligue as telas: a televisão, o computador e o celular devem ser evitados. "A luz azul na retina atrasa a produção de melatonina (o hormônio do sono)", explica Barcelar. Uma alternativa é instalar aplicativos no celular e no computador para filtrar e diminuir a luz azul durante o período noturno.
* Evite atividade física à noite: fazer exercícios ativa o sistema nervoso central, o que nos deixa excitados e dificulta dormir mais cedo.
*Jante leve e mais cedo: adiante também em uma hora a última refeição, que não deve ser pesada e feita no máximo duas horas antes de deitar para não ir dormir com o estômago cheio demais.
Seguir esses passos é uma forma de fazer um "ajuste manual" em nosso relógio biológico, nome dado aos mecanismos usados por nosso organismo para ditar o ritmo do corpo em compasso com ciclos de 24 horas. "Isso é fruto da evolução, uma reação aos eventos geofísicos da rotação da Terra", diz Araujo.

Mulher dorme sobre computador

Como funciona o relógio biológico

Estudos já mostraram que quase todos os seres vivos do planeta têm um relógio biológico, que antecipa os momentos do dia e prepara o organismo para eles, alterando níveis hormonais, funções vitais, temperatura corporal e metabolismo, o que nos deixa mais ou menos alertas em diferentes fases do dia.
"É como um maestro que rege a orquestra de órgãos do nosso corpo, criando uma lógica temporal para seu funcionamento e a sequência de eventos mais eficiente", diz Araujo.
A partir da metade do século 20, cientistas fizeram descobertas que lançaram uma luz sobre o funcionamento e complexidades deste mecanismo. Pesquisas sobre a cronobiologia, que estuda os ciclos temporais dos organismos, inclusive renderam a um trio de cientistas americanos o Prêmio Nobel de Medicina no ano passado.
 
Homem mexe no celular
 
Jeffrey C. Hall, Michael Rosbach e Michael W. Young anunciaram em 1971 a descoberta de um gene que regula o relógio biológico na mosca-da-fruta e mostraram como ele rege a fabricação de uma proteína que se acumula nas células durante noite e se degrada durante dia, regulando o chamado ritmo circadiano de organismos multicelulares, incluindo o ser humano.
Duas décadas depois, os cientistas descobriram outro gene que leva à produção de uma segunda proteína que regula o ciclo de acúmulo e degradação da proteína identificada anos antes.
Desde então, cientistas apontaram outros genes que têm um papel nesse mecanismo, influenciados tanto por fatores internos quanto externos, que vão além da luz, como nossa alimentação e nível de atividade física. Um descompasso nesse mecanismo gerado por eventos como o fim do horário de verão tem impactos sobre nosso organismo.
"É importante que as pessoas estejam conscientes desses efeitos e tenham muita atenção com qualquer atividade que gere riscos no domingo e na segunda-feira, como dirigir e operar máquinas pesadas", diz Araujo.
Por sua vez, Barcelar recomenda: "Para minimizar os impactos, é hora de aproveitar que estamos voltando do carnaval e segurar um pouco a vontade de sair à noite e aproveitar para dormir mais cedo."
BBC

Ondas gravitacionais: Qual a importância de detector de buracos negros que ganhará "upgrade" milionário

LIGO Louisiana
 
Os governos do Reino Unido e dos Estados Unidos investirão 25 milhões de libras (aproximadamente R$ 120 milhões) para dar um 'upgrade' nas máquinas que, em 2015, fizeram a primeira detecção de ondas gravitacionais da história.
A atualização dos aparelhos permitirá que eles detectem colisões de buracos negros quase duas vezes mais distantes.
Até 2024, eles devem ser capazes de observar em detalhes como nunca antes mais de três eventos cataclísmicos do tipo todos os dias.
Os detalhes foram anunciados em reunião da Associação Americana para o Avanço da Ciência, em Washington.
Parte da equipe à frente do projeto, a professora Sheila Rowan, da Universidade de Glasgow, disse que esse upgrade ajudará a entender mais sobre gravidade, buracos negros e estrelas de nêutrons.
"Temos aprendido bastante com as 10 colisões de buracos negros e de estrelas de nêutrons que já observamos", disse ela à BBC News. "Ainda estamos bem no começo do que [o aparelho] pode nos oferecer em várias áreas da ciência."
 
Dois homens observam funcionamento das máquinas Advanced LIGO que detectaram ondas gravitacionais pela primeira vez na história

O que são ondas gravitacionais?

Ondas gravitacionais são ondas enviadas através do Universo quando a gravidade em um certo ponto no espaço muda repentinamente, motivada pela colisão de dois buracos negros, por exemplo. O processo é parecido com as ondulações causadas quando uma pedra é arremessada num lago, mas no caso das ondas gravitacionais, o espaço e tudo o que existe nele é o lago.
Como aquelas ondulações na água, tudo no caminho das ondas - as estrelas, os planetas, as casas e até as pessoas - fica ligeiramente maior e mais fino e depois menor e mais grosso, à medida que a agitação passa. Mas as distorções são ínfimas - muito menores que a largura de um átomo.
Einstein estimou a existência dessas ondas em 1916, mas teria dito que elas eram pequenas demais para serem detectadas. Ele se mostrou certo e errado 100 anos depois, quando uma equipe internacional de pesquisadores as identificou pela primeira vez usando um par de máquinas de 4 km de comprimento, chamado Advanced LIGO.

Como o Advanced LIGO funciona?

Extremamente bem, dizem os pesquisadores envolvidos. De fato, as máquinas detectaram ondas gravitacionais logo depois de serem ligadas.
A equipe do LIGO passou a detectar mais nove colisões de buracos negros e uma colisão de duas estrelas mortas, chamadas de estrelas de nêutrons, nos dois anos seguintes à descoberta inicial.
Isso sugere que vivemos em um universo violento, onde tais eventos cataclísmicos são a regra.
Os instrumentos em forma de L são essencialmente compostos por duas réguas altamente precisas a 90 graus umas das outras. Cada braço tem um raio laser que reflete em um espelho na outra extremidade. O tempo que leva para voltar é uma medida do comprimento de cada braço.
Quando as ondas gravitacionais chegam do espaço, a forma em L é esticada pela primeira vez e, então, tem uma ínfima parte amassada por uma fração de segundo, mas o suficiente para uma mudança a ser detectada.
 
Ilustração de ondas gravitacionais

Qual será a atualização?

A atualização será chamada de Advanced Ligo Plus, ou simplesmente A+.
Grande parte da melhoria será conduzida por uma equipe britânica que tem à frente pesquisadores do Instituto de Pesquisa Gravitacional da Universidade de Glasgow, com a especialização necessária para construir os instrumentos de alta precisão que irão medir as minúsculas distorções criadas pelas ondas gravitacionais.
Os pesquisadores vão aumentar a sensibilidade dos aparelhos de quatro maneiras.
Primeiro, eles terão espelhos melhores e mais reluzentes; segundo, os espelhos terão o revestimento aprimorado, o que reduz a oscilação de moléculas na superfície; terceiro, o sistema de suspensão no qual os espelhos são pendurados ficará ainda mais estável, e, por fim, a luz - que é conhecida como difusa no nível quântico - está sendo ajustada com a ajuda de uma equipe australiana. A ideia é aumentar sua precisão.
 
Espelho usado por pesquisadores

O que o A+ vai estudar?

Ao serem capazes de detectar mais colisões de buracos negros, os pesquisadores poderão aprender mais sobre eles, especialmente em suas bordas, onde as leis conhecidas da física começam a falhar.
Assim como um aumento na quantidade, os cientistas poderão observar colisões com uma resolução muito maior - em altíssima definição, em comparação com o que podem detectar atualmente. Mais difíceis de detectar são as colisões de estrelas de nêutrons.
Elas são fascinantes porque todo o gás em combustão que continham se comprimiu em si mesmo para formar um material super denso. Uma colher de chá do material pesa 10 milhões de toneladas.
Os físicos querem saber como é esse material.
Estima-se que as estrelas de nêutrons produzem ouro, platina e outros metais quando colidem.
Até agora, os aparelhos existentes detectaram somente uma. O A+ deve ser capaz de detectar 13 por mês.
E, talvez o mais intrigante, o A+ pode ser capaz de resolver um mistério sobre a velocidade em que o Universo está se expandindo.
O A + vai medir a expansão observando o comportamento das ondas gravitacionais.
BBC

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Ártico derrete e abre novas rotas de exploração

O degelo no extremo norte da Terra representa ganhos substanciais para setores econômicos como as indústrias de navegação e de combustíveis fósseis – e ameaça a sobrevivência de espécies como os ursos-polares.



O nome Eduard Toll entrou em janeiro para a história da navegação mundial. Esse navio-tanque que transporta gás natural liquefeito (GNL) foi a primeira embarcação comercial a usar no inverno a Rota Marítima do Norte, que costeia o litoral ártico russo. De propriedade da Teekay – uma das maiores empresas de navegação do mundo, especializada em petróleo e gás –, o Eduard Toll saiu em dezembro de 2017 da Coreia do Sul para receber uma carga no terminal de Sabetta, na Península de Yamal (Sibéria), cortando gelo com 1,8 metro de espessura sem ajuda de navios específicos para isso. O GNL foi entregue em fevereiro em Montoir, na França.
O feito do Eduard Toll deverá se tornar cada vez mais rotineiro – a própria Teekay está preparando seis novos navios para servir na mesma rota. E sinaliza um fenômeno irreversível: o gelo marinho do Ártico já não é um obstáculo intransponível no inverno em tempos de aquecimento global. Ele está gradualmente diminuindo e recuando, com a flu­tuação sazonal, à medida que as temperaturas globais sobem, impulsionadas pela ação humana. A navegação polar é apenas um dos ingredientes da enorme transformação que toma conta do Ártico. As novidades trazidas pelo aquecimento global estão mudando esse extremo da Terra, trazendo benefícios e malefícios substanciais.
Todo o planeta sente os reflexos desse aquecimento – no século passado, a temperatura média subiu cerca de 1oC. Mas o Ártico está-se aquecendo a uma taxa praticamente duas vezes maior que a do resto do mundo. Os novembros na cidade de Utqiaġvik (ex-Barrow), no Alasca, estão agora 5,5oC mais quentes do que em 1979. No inverno ártico de 2017, o mais calorento já observado, alguns locais registraram temperaturas 20oC acima da média.

Efeito ampliado

O que chamamos de Ártico é, em sua maior parte, um oceano de pouco mais de 14 milhões de quilômetros quadrados, em geral cobertos por gelo. Enquanto o oceano e a atmosfera se aquecem, o gelo marinho ártico encolhe – cerca de 13% por década desde 1979, segundo a Nasa, a agência espacial americana. O albedo – a superfície branca e brilhante do gelo – está dando lugar ao oceano escuro, o que significa que a luz solar está sendo absorvida, e não refletida, e isso amplifica o efeito do aquecimento.
Segundo um relatório divulgado em 2017 por cientistas do governo dos EUA, essas “mudanças rápidas e dramáticas” estão introduzindo um “novo normal” no Ártico. As tempestades estão erodindo as costas livres de gelo, os incêndios de verão estão mais intensos. Enquanto isso, animais lutam cada vez mais para encontrar comida.
As condições de navegação polar ainda são difíceis, mas a rota pelo norte da Sibéria tem apelo econômico, por ser mais curta do que as opções via Canal de Suez para muitas transações entre Europa e Ásia. O presidente russo, Vladimir Putin (que cuida pessoalmente de um plano de exploração econômica do Ártico), espera que a Rota Marítima do Norte movimente 80 milhões de toneladas até 2024, oito vezes mais do que no ano passado. “Minha sensação é que em 20 anos, se tanto, veremos muito mais comércio transitando por essa rota”, afirma Joseph Francois, professor de economia internacional da Universidade de Berna (Suíça). E outra possibilidade começa a se abrir a oeste: o verão de 2017 foi o primeiro em que a Passagem Noroeste, que liga os ocea­nos Atlântico e Pacífico, ficou totalmente livre de gelo. Segundo previsões científicas, o Ártico será plenamente navegável entre 2030 e 2040.
O degelo é particularmente festejado por petroleiras e mineradoras. Reservas de carvão, diamantes, urânio, fosfato, níquel, platina e outros minerais de valor jazem sob as águas geladas do oceano e em terras ainda inexploradas dos países que o margeiam. Além disso, segundo estimativas americanas, as reservas de petróleo e gás na região representam cerca de 22% do total terrestre. “O Ártico está certamente entre as últimas fronteiras no que diz respeito a recursos minerais não descobertos, além das profundezas dos oceanos”, diz Morten Smelror, diretor do Serviço Geológico da Noruega.


Preço em conta

A argumentação ambientalista contrária à exploração dessas matérias-primas em um ecossistema frágil não tem se sustentado em tribunais. A Noruega, grande produtora de petróleo europeia, venceu nos últimos meses várias batalhas jurídicas contra organizações conservacionistas. O governo local pretende pôr em operação um de seus novos campos, dentro do Círculo Ártico, já em 2020, a um custo por barril – US$ 31 – desanimador para quem alega que a exploração ártica significa extrair um produto caro a um enorme custo ambiental.
Grande defensor dos combustíveis fósseis, o presidente americano, Donald Trump, autorizou em abril a abertura de um refúgio natural de vida selvagem no Alasca, protegido há décadas, para a prospecção de petróleo e gás. Por seu lado, a Gazprom, gigante petrolífera russa, trabalha sem oposição na região ártica desde 2013 – de seu primeiro campo ali, Prirazlomnoye,­ já foram extraídos mais de 10 milhões de barris de petróleo.
Enquanto a indústria extrativa mineral e os setores de navegação, pesca e turismo (além das atividades de infraestrutura decorrentes deles) calculam quanto arrecadarão com o degelo ártico, outros personagens já sentem na pele os prejuízos decorrentes das mudanças. O principal perdedor é a fauna local, simbolizada sobretudo pelo urso-polar, cuja vida está intimamente ligada ao cada vez menos presente gelo marinho.
Um estudo americano publicado em fevereiro na revista “Science” reforça a pressão sobre os ursos-polares, ao revelar que eles precisam comer 60% mais do que se pensava antes. Segundo os pesquisadores, o metabolismo desses animais exige uma queima de mais de 12 mil calorias por dia. A forma tradicional pela qual eles solucionam essa necessidade é caçando focas – uma atividade feita basicamente sobre o gelo marinho. “Nosso estudo revela a total dependência dos ursos-polares em relação às focas”, afirma Anthony Pagano, biólogo de vida selvagem do Serviço Geológico dos EUA e líder dos pesquisadores. Para piorar a situação, algumas espécies de focas também dependem do gelo marinho, onde dão à luz, alimentam os filhotes e descansam. Sem essas plataformas, sua sobrevivência fica cada vez mais complicada.

Voos prolongados

Outros integrantes da fauna ártica em apuros são as aves marinhas. Uma pesquisa canadense divulgada em 2017 na revista “Polar Biology” revelou que a população de gaivotas-marfim caiu 80% nos últimos 30 anos. Esses pássaros, assim como outras espécies, se abrigam no litoral e voam até o gelo marinho, onde usam fendas para pescar. “Eles podem desaparecer”, lamenta o biólogo Olivier Gilg, da Universidade de Burgundy.
Um estudo publicado em julho na revista “PNAS” registrou o impacto da navegação nas águas árticas em mamíferos da região, em especial as baleias. A equipe liderada pela ecologista marinha Donna Hauser, da Universidade do Alasca em Fairbanks, descobriu que mais da metade dessas populações está mais vulnerável com o trânsito de embarcações, e espécies de baleias como narvais, belugas e baleias-da-groenlândia aparecem particularmente ameaçadas.
Baleias e golfinhos usam sons para comunicar-se e localizar presas sob a água, e a perturbação causada pelos navios pode dificultar seriamente suas atividades habituais. Além disso, colidir contra embarcações é uma das principais causas de morte e ferimentos traumáticos entre espécies mais lentas, como as baleias-da-groenlândia.
“Os narvais têm todos os traços que os tornam vulneráveis aos distúrbios causados por embarcações”, afirma Kristin Laidre, cientista polar da Universidade de Washington e coautora do estudo. “Eles aderem a áreas realmente específicas, são inflexíveis em relação a onde passam o verão, vivem em apenas cerca de um quarto do Ártico e estão concentrados no meio das rotas de navegação. Eles também confiam no som e são notoriamente nervosos e sensíveis a qualquer tipo de perturbação.”

Fôlego para a pesca

Percebem-se também mudanças na presença de plâncton e algas e nos padrões migratórios de peixes do Ártico, como bacalhau, halibute e hadoque, mas a maior ameaça a estes é mesmo a pesca. Embora um acordo tenha sido fechado em dezembro pela União Europeia e alguns dos mais importantes países do setor no mundo para banir a atividade da região pelos próximos 16 anos (veja texto “Ações de defesa” abaixo), a ação da indústria pesqueira será inevitável. A Rússia, por exemplo, dona do maior litoral entre os cinco países com presença no Ártico (os outros são Estados Unidos, Canadá, Noruega e Dinamarca), já tem estudos adiantados sobre o potencial de pesca da região.
Todas essas mudanças interferem, por sua vez, na vida dos cerca de 400 mil integrantes das populações indígenas do Ártico. Sua dieta está intimamente ligada aos animais disponíveis para caça, e o declínio destes ameaça a sobrevivência dos primeiros. “O aquecimento global amplia desafios sociais, políticos, econômicos, legais, institucionais e ambientais já existentes”, ressaltam os pesquisadores europeus Anne-Sophie Crépin, Michael Karcher e Jean-Claude Gascard em um estudo sobre o tema publicado em 2017 na revista “Ambio”.
Cientistas esperam que seus estudos mobilizem os formuladores de políticas a criar regras que minimizem os problemas causados pela expansão da presença humana na região ártica, mas essa expectativa não tem sido suficientemente acompanhada por ações em defesa das partes menos favorecidas. Por enquanto, ao que tudo indica, a estas caberá o esforço maior de adaptar-se – ou desaparecer.

Ações de defesa

Por Anna Araia
Não se pode negar que alguma coisa está sendo feita para proteger o ambiente ártico da exploração econômica (e a devastação econômica que ela acarretaria). Em dezembro, alguns dos mais importantes países em termos de indústria pesqueira (Canadá, Estados Unidos, Rússia, China, Japão, Islândia, Dinamarca e Coreia do Sul), além da União Europeia, anunciaram um acordo para banir a pesca numa área ártica de 2,8 milhões de quilômetros quadrados pelos próximos 16 anos, um tempo razoável para cientistas descobrirem como explorar esses recursos sem fragilizá-los.
Em 2017, o governo canadense baniu por cinco anos a prospecção e exploração de petróleo e gás em sua região ártica. A Organização Marítima Internacional quer vetar o transporte de óleo combustível (de limpeza mais complexa) em uma área protegida do Ártico. Mas as próprias rotas de navegação ártica têm sido vistas de modo negativo por grupos ambientais. O Greenpeace, por exemplo, observou que é irônico que se usem esses trajetos como vias expressas para transportar combustíveis fósseis de modo mais eficiente.

Mais um verão tórrido

Por Anna Araia
Nos últimos anos, o hemisfério norte tem acumulado verões mais quentes do que a média, e pelos primeiros sinais o de 2018 – que vem após meses de tempo em geral seco – vai figurar com destaque nessa lista. Até 25 de julho, mais de 50 incêndios florestais haviam sido registrados na Suécia, 12 deles dentro da região ártica. Ondas de calor devastavam regiões da América do Norte, da Europa, da Ásia e da África. Na Grécia, os piores incêndios florestais desde 2007 já haviam causado 80 mortes e ferimentos em centenas de pessoas, levando o país a pedir ajuda externa para lidar com o problema. Em Birmingham, na Inglaterra, os termômetros bateram em 38oC. No Japão, temperaturas acima de 40oC haviam causado a morte de 30 pessoas e levado milhares de outras a procurar atendimento hospitalar.
Aparelhos da estação climatológica de Ouargla, no Saara argelino, marcaram 51,3oC, a mais alta temperatura já registrada na África. Em Toronto, a maior cidade do Canadá, os termômetros já haviam superado 30oC em 18 dias – no verão de 2017 inteiro, foram apenas nove dias. Na segunda cidade canadense, Montreal, o necrotério local ficou pela primeira vez lotado com corpos de pessoas mortas pelo calor, e muitos cadáveres tiveram de ser armazenados em outros locais. Os cientistas alertam: esse cenário deverá ser bem mais frequente até o fim do século. O climatologista americano Michael Mann postou no Tweeter: “O que chamamos de ‘onda de calor extrema’ chamaremos simplesmente de ‘verão’ em questão de décadas se não reduzirmos fortemente as emissões de carbono”.