segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Um ciclo de transformações profundas na Arábia Saudita acaba de começar

O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman  (Foto: Chip Somodevilla/Getty Images)
 
O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman quer centralizar o poder para reformar o reino saudita. É um jogo arriscado, mas que, se der certo, poderá mudar todo o mapa geopolítico do Oriente Médio.
 A Primavera Árabe terminou, mas uma onda de mudanças revolucionárias no Oriente Médio continua moldando o mapa geopolítico da região. Na Arábia Saudita, a nova liderança do príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, provocou inquietação em toda a região em 4 de novembro, depois que ele liderou, com muito alarde, um expurgo inédito de 11 príncipes da família real. Esse movimento é um prelúdio de uma tentativa do príncipe herdeiro de consolidar o poder.  Carrega alguns riscos em curto prazo para a estabilidade política,  mas faz parte de uma história muito maior: que pretende introduzir mudanças estruturais nos sistemas político e econômico do reino saudita. A onda de reformas irá transformar.
 para sempre o país e a relação entre o Estado e seus cidadãos, com implicações não apenas para os mercados energéticos mundiais, mas também para o modo como as empresas, inclusive as brasileiras, operam na região.
O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman é agora o mais poderoso tomador de decisões no país. Isso é fácil de entender. Mais difícil é compreender quais são as razões que movem suas ações. Apoiado pelo rei Salman, seu pai, o jovem príncipe está comprometido com reformas econômicas e sociais que visam a tornar seu reino mais viável. Essas reformas são impulsionadas pelo reconhecimento de que o declínio estrutural no preço do petróleo e a importância dos hidrocarbonetos em longo prazo tornaram a dependência da Arábia Saudita de suas receitas de petróleo cada vez mais tóxica. O governo saudita já vem liquidando seus ativos soberanos e pedindo empréstimos nos mercados local e internacionais para superar seu déficit fiscal. No entanto, Mohamed bin Salman sabe que essa solução é apenas de curto prazo.
Por isso, adotou dois programas, batizados de Visão 2030 e de Plano de Transformação Nacional 2020, com projetos para acabar com a dependência saudita em relação ao petróleo e abraçar a diversificação. A jornada será longa, pois envolverá o fim do estado de bem-estar social. Mais importante, a liderança também está adotando reformas sociais para convencer a jovem população de que a modernização terminará por trazer benefícios concretos ao modo de vida saudita.
A decisão da liderança saudita de decretar as ordens de prisão de vários empresários e membros influentes da família Al Saud faz parte dessa iniciativa. A campanha anticorrupção lançada pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman  tem um componente político essencial. O chefe da Guarda Nacional, rival do príncipe herdeiro, foi destituído. Isso deixará todas os serviços de segurança (Forças Armadas, Ministério do Interior e Guarda Nacional) sob o controle do príncipe herdeiro. Opositores de sua ascensão e de seu esforço para se tornar o rei da Arábia Saudita terão em breve poder limitado para sabotar seus planos. O governo reforçará os mecanismos de repressão para controlar a população e sufocar a dissidência.
O expurgo feito pela campanha anticorrupção tem o objetivo, portanto, de centralizar todas as decisões no país. Essa é uma mudança significativa na maneira como a Arábia Saudita vem sendo governada por gerações. Não será mais um Estado governado por um consenso familiar – o modo tradicional de a realeza coordenar todas as principais decisões chegará ao fim. Em muitos aspectos, Mohammed bin Salman copiou o manual russo e chinês. O presidente da China, Xi Jinping está usando uma campanha anticorrupção para centralizar o poder e reformar o país. Ao longo da última década, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, também aumentou sua força eliminando rivais e centralizando o poder em seu gabinete.

Cenário e Aposta - Arábia Saudita (Foto: Época)
Há nitidamente alguns riscos em curto prazo para os mercados globais de energia decorrentes desse processso. Essa centralização de poder é inerentemente desestabilizadora, pois altera as bases do Estado formado pelo rei Abdulaziz al Saud. Membros da família Al Saud que se opõem a Mohammed bin Salman estão provavelmente pensando que, se pretendem se organizar, devem fazê-lo rapidamente, antes de serem presos ou de o príncipe herdeiro assumir o controle total. Tensões familiares já surgiram, com membros da casa real tentando convencer o rei a moderar os impulsos de seu filho. Uma aliança entre clérigos conservadores  e membros da família dirigente para semear agitação e prejudicar o príncipe herdeiro não pode ser descartada. Além disso, uma política externa linha-dura também está aumentando os riscos de um conflito direto entre o Irã e a Arábia Saudita, que poderia criar caos no Oriente Médio. Ou aumentar o preço do petróleo internacionalmente.
Apesar dos riscos envolvidos, o príncipe herdeiro está perseverando em seus planos. Mais importante, ele provavelmente será bem-sucedido. Ele é um jovem líder ambicioso e interessado em recriar o sistema político saudita. Ele enxerga legitimamente a antiga estrutura de divisão de poder como paralisante. Por décadas, o reino saudita fracassou em introduzir reformas, principalmente porque qualquer mudança exige um acordo entre os diferentes centros de poder. A Arábia Saudita não conseguiu adotar nenhuma reforma significativa para melhorar sua economia e a legitimidade do sistema político.
O aspecto mais popular da campanha anticorrupção é o esforço para acabar com a imunidade de membros da família real e das elites empresariais ligadas a ela. O ressentimento popular com a corrupção da família Al Saud  ao longo dos anos é imenso. A maioria dos cidadãos sauditas desencantou-se com seu governo e com os privilégios concedidos aos membros da família real. Pela primeira vez na história da Arábia Saudita, o Estado está responsabilizando integrantes da realeza. O impulso anticorrupção deverá certamente reforçar a popularidade do príncipe herdeiro.
A longo prazo, tal esforço será uma boa notícia para os investidores estrangeiros, inclusive para as empresas brasileiras. As regras de como operar na Arábia Saudita, e as decisões sobre com quem se associar – ou mesmo se associar a uma companhia local –, vão mudar de maneira significativa. A família Al Saud usava integrantes da comunidade empresarial para obter contratos e monopolizar o controle da economia saudita. Investidores estrangeiros na Arábia Saudita precisavam de um parceiro local, mas em muitos casos essas parcerias representavam simples extorsões. Com a campanha anticorrupção a longo prazo, a Arábia Saudita poderá estabelecer uma estrutura reguladora que dará mais transparência aos negócios e será mais propícia aos interesses dos investidores estrangeiros Uma onda de prisões vai representar um desafio para muitos negócios no reino – encontrar um parceiro saudita adequado ficará difícil. O risco de reputação envolvido em tais parcerias aumentou bastante. No entanto, a longo prazo, a Arábia Saudita poderá estabelecer uma estrutura reguladora que dará mais transparência aos negócios e será mais propícia aos interesses dos investidores estrangeiros.
É preciso fazer nesse ponto algumas ressalvas. Em primeiro lugar, as reformas que Mohammed bin Salman está tentando fazer levarão anos para ser implementadas. Até lá, a tarefa de escolher um parceiro para fazer investimentos na Arábia Saudita ficará inerentemente mais difícil. A onda de prisões vai representar, portanto, um desafio para muitos negócios no reino. Em segundo lugar, a transição para uma estrutura de tomada de decisão política altamente centralizada também implica mais riscos. O antigo sistema político orientado para o consenso era mais corrupto e esclerótico. Impedia reformas modernizadoras. Mas era previsível e estável. Com as decisões centralizadas em um grupo bem menor, as regras do jogo podem mudar mais rapidamente e se tornar um pouco imprevisíveis.
Para o Brasil, isso apenas reforça um cenário geopolítico global mais arriscado exatamente quando a economia começa a dar sinais de uma virada. Há uma retomada do crescimento econômico não apenas no Brasil, mas também na Europa, nos Estados Unidos e em muitos mercados emergentes. O problema é que isso está acontecendo em um contexto de realinhamento geopolítico global significativo – depois da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. As mudanças na Arábia Saudita são um reflexo desse realinhamento geopolítico, que aumenta os riscos operacionais das empresas que operam no Oriente Médio assim como os riscos da economia mundial.

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