quinta-feira, 30 de maio de 2019

Brasil e Estados Unidos lideram retrocessos ambientais, aponta estudo que abrange mais de um século

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No mais completo estudo do tipo já realizado, um grupo de cientistas de diversas universidades estrangeiras, liderados pela ONG Conservação Internacional, analisou todos os atos governamentais que resultaram em redução de metragem, diminuição de restrições ou extinções de áreas de proteção ambiental em todo o mundo de 1892 a 2018.
O resultado do trabalho, que sai na edição desta sexta da revista científica Science, é preocupante: há uma tendência mundial de retrocessos ambientais, acentuada nas últimas duas décadas. E tal movimento é liderado por dois países de proporções continentais: Estados Unidos e Brasil.
"Antes campeões em conservação global, Estados Unidos e Brasil estão agora liderando uma tendência mundial preocupante de grandes retrocessos na política ambiental, colocando em risco centenas de áreas protegidas", resume comunicado divulgado pela Associação Americana Para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês. "As mudanças regressivas buscam alterar ou remover legalmente o status de proteção e diminuir o tamanho das áreas de conservação natural."
Nos 126 anos analisados, 73 países promulgaram 3.749 legislações do tipo, resultando na extinção de 519.857 quilômetros quadrados de áreas protegidas - uma área maior do que a Espanha - e no afrouxamento da proteção de outros 1.659.972 quilômetros quadrados - três vezes o tamanho da França.
 
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Reversão da proteção

De acordo com o biólogo e geocientista Bruno Coutinho, diretor de gestão do conhecimento da Conservação Internacional Brasil - e coautor do estudo -, é importante lembrar que a existência de áreas protegidas "não representa a garantia, para sempre, de proteção legal da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos nelas gerados".
"Dizendo de modo claro e simples: áreas protegidas não são para sempre", disse à BBC News Brasil a bióloga e cientista social Rachel Golden Kroner, responsável pela área de governança ambiental e impactos da ONG nos Estados Unidos e principal autora do estudo. "Elas podem ser e estão sendo revertidas por meio de afrouxamentos de restrições, limites de área reduzidas e extinções completas."
"A pesquisa mostrou que alterações na legislação ambiental dos países estudados podem comprometer a durabilidade e a eficácia das áreas protegidas, por recategorização, por redução de área ou por extinção completa", afirmou Coutinho à BBC News Brasil.
Na maioria dos casos (62% do total), o afrouxamento legislativo está relacionado a práticas de extração de recursos e desenvolvimento industrial em grande escala - aqui incluindo para obras de infraestrutura, mineração e agricultura de commodities.
A pesquisa sugere a necessidade de uma discussão estratégica envolvendo os diversos atores que são impactados e impactam as áreas protegidas e seus entornos, compreensão dos efeitos e tratamento dos atos promulgados, bem como a própria manutenção da efetividade das áreas protegidas.
O levantamento ainda mostra uma tendência preocupante: 78% dos atos legislativos do gênero no mundo foram promulgados do ano 2000 para cá. "As reversões legais para áreas protegidas parecem estar se acelerando", frisa Kroner.
"Respostas políticas são necessárias para salvaguardar os esforços de conservação", acrescenta ela, destacando que tais processos devem ser "transparentes, baseados em evidências, participativos e responsáveis". Kroner ainda recomenda que credores e doadores internacionais sempre considerem essa questão quando estiverem tomando decisões de financiamentos.

O caso brasileiro

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A pedido da reportagem, a Conservação Internacional destacou os dados brasileiros do levantamento. No total, foram 85 atos legislativos promulgados - todos entre 1900 e 2017 -, afetando uma área de 114.856 quilômetros quadrados, o que equivale a praticamente metade do tamanho do Estado de São Paulo.
"Destes, 60 ocorreram na Amazônia", pontua Coutinho. Em número, só a região Amazônia teve uma perda de pouco mais de 90 mil quilômetros quadrados de proteção apenas por culpa de mudanças da legislação brasileira.
"A maioria desses eventos, 42 deles, ocorreram após 2010 - grande parte em função de obras de infraestrutura", acrescenta o biólogo Coutinho. "A causa mais prevalente foram decorrentes de autorizações de barragens de energia elétrica na Amazônia", enfatiza Kroner.
Conforme dados compilados pela cientista, o Brasil é responsável por 87% dos retrocessos em áreas protegidas da Amazônia, em um levantamento que inclui os outros oito países amazônicos.
"Estamos assistindo a uma aceleração desses retrocessos no Brasil", comenta ela. "Oitenta e quatro por cento das reduções aprovadas ocorreram desde o ano 2000."

Ministros

A bióloga e ambientalista Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente entre 2010 e 2016, ressaltou que muitas vezes, para equilibrar interesses de diversas políticas públicas, sua gestão precisou alterar status de áreas protegidas - mas que o fez sob compensações considerando a mesma biodiversidade.
"Muitas vezes isso aconteceu", afirmou à BBC News Brasil. "Por interesses sociais, programas que precisavam ser implantados. Por outro lado, ampliamos ou compensamos a área, como aconteceu no Parque Nacional dos Campos Amazônicos." Em 2012, por medida provisória, a então presidente Dilma Rousseff alterou o limite de seis unidades de proteção para a construção de hidrelétricas na Amazônia.
Teixeira ressalta que, de modo geral, esse tipo de retrocesso em políticas de proteção pode ter diversas origens. "Precisaríamos identificar caso a caso para saber. Mas há natureza técnica, política e econômica", comenta. "Do ponto de vista político, isso remete a uma situação de fragilidade e de não priorização da política ambiental. É muito comum que interesses econômicos sejam preponderantes a interesses da biodiversidade, mas isso é só um contexto: vejo como algo muito grave."
Ministro do Meio Ambiente entre 2008 e 2010 e atualmente deputado estadual, o geógrafo Carlos Minc avaliou o cenário como "assustador". "Reflete a força da bancada ruralista e a cumplicidade de vários governos estaduais", disse ele, à BBC News Brasil.
"Entendo que as reduções têm sua principal origem no interesse econômico. Sobretudo da mineração e da pecuária. Também para obras e empreendimentos do agronegócio", enumera. "Ganhou força o grupo político mais conservador e reacionário que despreza e desqualifica os ganhos ambientais e prega abertamente a extinção de leis e parques que protegem a biodiversidade."
"Em nossa gestão no Ministério do Meio Ambiente, criamos ou ampliamos 54 mil quilômetros quadrados de parques e reservas extrativistas. Cada uma era uma guerra", argumenta. Ele diz que, na esfera pública, há um verdadeiro cabo de guerra entre os ministérios na hora de criar áreas protegidas. "Eu solicitei um estudo sobre os ganhos econômicos dos parques e reservas para o turismo, o extrativismo, a água e o clima. Mas os demais ministérios geralmente não consideram o ganho ambiental, social, de biodiversidade e até de água para a agricultura."
Confrontado com os dados, o jurista, historiador e diplomata Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente entre 1993 e 1994, afirmou à BBC News Brasil que "não chega a surpreender que tenha havido redução significativa das áreas protegidas". "Atribuo a tendência à pressão constante de interesses econômicos - madeireiros, de mineração, agropecuários, grileiros de terras públicas - e, em menor grau, à pressão social de trabalhadores sem-terra", avalia ele.
"Manter as áreas protegidas nunca foi fácil em razão da enorme desigualdade existente entre os recursos de fiscalização e o poder de grupos econômicos regionais", acrescenta Ricupero.
A BBC News Brasil questionou o atual ministro do Meio Ambiente, o advogado Ricardo Salles, sobre quais medidas ele julga pertinente serem adotadas frente aos dados apresentados pelo estudo. Até a publicação desta reportagem, entretanto, ele não havia respondido.

Futuro

Ricupero teme que a tendência de retrocessos ambientais que o Brasil vem atravessando siga de forma ainda mais crítica. "O atual governo vem contribuindo para agravar o quadro pela posição pessoal e o exemplo altamente negativo do próprio presidente da República", diz.
"O sistemático desmantelamento do sistema já precário do Ibama e do ICMBio estimula maiores violações dos espaços ainda protegidos e desencoraja a ação dos fiscais. Isso sem mencionar os numerosos projetos em tramitação no Congresso, que terão certamente impacto igualmente destruidor."
O levantamento da Conservação Internacional demonstra que é preciso ficar atento às propostas em tramitação. "O estudo encontrou 60 eventos propostos, sendo metade deles na Amazônia", pontuou Coutinho. No total, afetariam outros 200 mil quilômetros quadrados de bioma - uma área do tamanho do Paraná.
"A tendência é só piorar, acredita Minc. "A maior ameaça à biodiversidade é o projeto de lei que acabaria com a reserva legal, que pode ocasionar o maior desmatamento do planeta, da ordem de 1,3 milhão de quilômetros quadrados." A área corresponde a dez vezes o tamanho da Inglaterra.
"Outros projetos de lei negam ao governo a iniciativa de criar parques ou demarcar terras indígenas. Há ainda os que liberam a caça, a lei do abate, até para espécies ameaçadas - que, segundo os autores, estariam 'ameaçando os rebanhos nas fazendas'", analisa o ex-ministro e agora deputado. "Os projetos que esvaziam o licenciamento ambiental representam outra grave ameaça aos rios e florestas e à saúde da população."
O biólogo Coutinho afirma que "reversões na regulamentação devem ser amplamente discutidas". "Estamos sempre dispostos a estabelecer diálogos para o desenvolvimento sustentável com base em dados e boa informação científica", ressalta ele.
"O que os dados mostram é que a proteção do capital natural - entendido aqui como a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos - pode ser grande aliada do desenvolvimento econômico e social, respeitando-se direitos e interesses de diversos setores da sociedade uma vez que todos são beneficiários dos serviços ecossistêmicos", defende. "A velocidade em que a biodiversidade vem sendo perdida pode comprometer a funcionalidade do sistema e consequentemente a humanidade no planeta."
BBC

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Supernovas podem ter dado 'empurrão' para nossos ancestrais andarem sobre 2 pernas

Novo estudo sugere que nossos ancestrais começaram a andar sobre duas pernas devido a supernovas ou explosões de estrelas que atingiram fim de suas vidas.
A investigação foi realizada por uma equipe de pesquisadores liderada por Adrian Melott, professor emérito de física e astronomia da Universidade do Kansas, EUA.
 
Macaque in the trees
 
Segundo descreve o portal Phys.org, há cerca de oito milhões de anos, as supernovas bombardearam a Terra com energia cósmica, tendo o bombardeamento atingido apogeu há cerca de 2,6 milhões de anos. Na época, uma avalanche de elétrons começou a cair na baixa atmosfera de nosso planeta, provocando uma cadeia de eventos que levou ao bipedismo em nossos ancestrais, indicam cientistas.
Mas como um evento poderia ter provocado o segundo? Supõe-se que a ionização atmosférica poderia ter causado um enorme aumento no raio que, por sua vez, causou incêndios florestais. Isso poderia ser uma das razões pelas quais os hominídeos começaram a andar sobre duas pernas: tiveram que se adaptar às savanas que substituíram as florestas queimadas no nordeste da África.
"Acredita-se que já havia uma tendência para os hominídeos andarem sobre duas pernas mesmo antes deste evento", disse Adrian Melott.
"No entanto, eles se adaptaram principalmente para escalar árvores. Depois dessa adaptação à savana, os hominídeos tinham que caminhar muito mais frequentemente de uma árvore para outra através de prados, então era melhor andar erguidos: eles podiam ver acima da grama e detectar predadores", acrescentou.
 
Incêndios florestais que criaram savanas
Uma análise geológica nos fundos marinhos do mundo mostrou que a ionização da atmosfera por raios cósmicos viria de uma supernova que explodiu na vizinhança da Terra, a uns 163 anos-luz de distância, durante a transição do Plioceno à Idade do Gelo há 2,6 milhões de anos.
"Aparentemente, essa foi a mais próxima de uma série [de explosões de supernovas] muito mais extensa", disse autor do estudo, acrescentando que essa "teria aumentado 50 vezes a ionização da atmosfera inferior".
O pesquisador Brian Thomas disse que, como resultado da ionização, o número de relâmpagos aumentou, provocando também o aumento de incêndios florestais.
Segundo o autor do estudo, "esse aumento de incêndios estimulou a transição da floresta para a savana em muitos lugares […], o que se acredita estar relacionado à evolução humana no nordeste da África". "Especialmente, no Grande Vale do Rift, onde todos esses fósseis de hominídeos são encontrados", concluiu.
(Jornal do Brasil)

Nasa revela calendário da missão lunar Ártemis

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Nasa divulgou na quinta-feira, 23, o calendário do programa "Ártemis", que levará astronautas à Lua pela primeira vez em meio século, incluindo oito lançamentos programados e uma mini estação na órbita lunar até 2024.
O administrador Jim Bridenstine confirmou que a Ártemis 1 será uma missão não tripulada ao redor da Lua planejada para 2020.
Depois virá a Ártemis 2, que irá orbitar o satélite da Terra com uma tripulação por volta de 2022; e será seguida, finalmente, pela Ártemis 3, que colocará astronautas no solo lunar em 2024, incluindo a primeira mulher.
 
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As três serão lançadas ao espaço pelo maior foguete de todos os tempos, o Sistema de Lançamento Espacial (SLS), liderado pela Boeing, que está atualmente em desenvolvimento, mas sofreu vários atrasos e tem sido criticado em alguns setores como um programa de empregos insuflado.
Fixada em sua cúpula, estará a cápsula Orion, da qual a Lockheed Martin é a principal construtora.
Além dessas missões, que serão todas esforços da Nasa, haverá cinco lançamentos carregando os blocos de construção da mini estação lunar "Gateway", que servirá como um ponto de partida para o pouso na Lua.
Estes serão realizados entre 2022 e 2024 por empresas espaciais privadas, cujos serviços serão pagos pela Nasa.
A estação orbital consistirá inicialmente em um simples elemento de potência e propulsão e um pequeno módulo habitacional. Em 2024, os astronautas vão parar lá em sua rota para a Lua.
Eles então descerão para a superfície em um módulo.
Uma parte do módulo permanecerá na Lua enquanto a outra parte decolará e permitirá que os astronautas retornem à sua estação, onde embarcarão na cápsula Orion e retornarão à Terra.
Bridenstine disse que a Nasa escolheu a empresa privada Maxar para construir o primeiro módulo da estação, o elemento de potência e propulsão, que dependeria de enormes painéis solares.
Nos próximos meses, a Nasa terá que decidir quem construirá o módulo de pouso. Gigantes do setor aeroespacial, como a Boeing e a Lockheed Martin, estão disputando o contrato, assim como novos atores, como a Blue Origin, de Jeff Bezos.
"Nós não estamos possuindo o hardware, estamos comprando o serviço", disse Bridenstine sobre o módulo. "O objetivo aqui é a velocidade. 2024 está logo ali".
Ele acrescentou: "Nosso objetivo é, em última análise, passar para Marte e não ficar presos na superfície da Lua".
As missões lunares originais foram nomeadas em homenagem a Apolo; Ártemis era sua irmã gêmea na mitologia grega e a deusa da caça, do deserto e da Lua.
 

domingo, 26 de maio de 2019

O buraco mais profundo já cavado na Terra

Poço Superprofundo de Kola

A paisagem da península de Kola, nos confins do Círculo Polar Ártico, pode fazer com que esse canto da Rússia pareça uma cena de um conto de fadas. No entanto, em meio à beleza natural, estão as ruínas de uma estação de pesquisa científica soviética abandonada. Ali, há uma tampa de metal pesada e enferrujada sobre o piso de concreto, lacrada por um anel de ferrolhos grossos e também enferrujados.
Para muitos, esta é a entrada para o inferno.
Trata-se do Poço Superprofundo de Kola, o buraco mais profundo cavado pelo homem na Terra.
A estrutura de 12,2 km é tão profunda que os moradores locais juram que podem ouvir os gritos das almas torturadas no inferno. Os soviéticos levaram quase 20 anos para conclui-la. Apesar disso, não chegaram ao fundo da Terra. Na verdade, a broca ainda estava a apenas um terço do caminho entre a crosta e o manto da Terra quando o projeto foi interrompido, em meio ao caos da Rússia pós-soviética.
O Poço Superprofundo de Kola não é o único buraco desse tipo na Terra. Durante a Guerra Fria, houve uma corrida entre as superpotências para perfurar o mais fundo possível na crosta terrestre - e até para alcançar o manto do nosso planeta.

Corrida ao manto

Agora, são os japoneses que querem se lançar nesta empreitada.
"A perfuração começou na época da Cortina de Ferro", conta Uli Harms, do Programa Internacional de Perfuração Continental Científica (ICDP, na sigla em inglês). Na época um jovem cientista, ele trabalhou na "rival alemã" do Poço Superprofundo de Kola. "Havia certamente uma competição entre nós. Uma das principais motivações era que os russos simplesmente não revelavam nada sobre o que faziam."
"Quando eles começaram a perfurar, alegaram que haviam encontrado água livre - e a maioria cientistas não acreditava nisso. Havia um consenso entre nós de que a crosta era tão densa a 5 km abaixo da Terra que a água não poderia penetrar nela."
"O objetivo final do (novo) projeto é obter amostras reais do manto tal qual ele existe agora", diz Sean Toczko, gerente de programa da Agência Japonesa para Ciências da Terra Marinha. "Em lugares como Omã, podemos encontrar o manto perto da superfície, mas esse é o manto de milhões de anos atrás".
"É a diferença entre ter um dinossauro vivo e um osso de dinossauro fossilizado", compara.
Em outras palavras: se a Terra é como uma cebola, então a crosta é como a pele fina do planeta. Tem apenas 40 km de espessura. Para além dali, há um manto com 3.000 km de profundidade. Abaixo dele, o núcleo da Terra.
Tal como a corrida espacial, a disputa para explorar essa desconhecida "fronteira profunda" foi uma demonstração de proeza de engenharia, tecnologia de ponta e "coisas certas". Os cientistas queriam ir aonde nenhum humano havia ido. As amostras de rocha que esses furos profundos poderiam fornecer eram provavelmente tão importantes para a ciência quanto qualquer coisa que a Nasa, a agência espacial americana, trouxe da Lua. A única diferença foi que desta vez os americanos não venceram a corrida. Na verdade, ninguém venceu.

Península de Kola, na Rússia

Os EUA foram os primeiros a tentar explorar essa fronteira profunda. A iniciativa partiu da famosa American Miscellaneous Society, no final dos anos 1950. O grupo informal era formado por expoentes das principais da comunidade científica dos EUA. A ideia de perfurar a crosta terrestre até o manto foi chamada de projeto Mohole, em homenagem à Descontinuidade de Mohorovičić (ou Descontinuidade M), que separa a crosta do manto.
Em vez de perfurar um buraco muito, muito profundo, a expedição dos EUA decidiu fazer um atalho pelo oceano Pacífico a partir de Guadalupe, no México.
A vantagem de perfurar o fundo do oceano é que ali a crosta terrestre é mais fina; a desvantagem é que as áreas mais finas da crosta geralmente são onde o oceano tem a maior profundidade.

Empreitada soviética

Os soviéticos começaram a perfurar o Círculo Polar Ártico em 1970. E, finalmente, em 1990, o Programa de Perfuração Profunda Continental Alemã (KTB) teve início na região da Bavária - e finalmente perfurou 9 km.
Mas, assim como na missão à Lua, havia um grande desafio. As tecnologias necessárias para o sucesso dessas expedições tinham que ser construídas quase do zero.
Quando, em 1961, o projeto Mohole começou a adentrar o fundo do mar, a perfuração em águas profundas para petróleo e gás ainda não existia. A exemplo do posicionamento dinâmico, que permite que um navio-sonda permaneça sobre o poço sem se movimentar. Em vez disso, os engenheiros tiveram que improvisar. Eles instalaram um sistema de hélices ao longo dos lados de seu navio de perfuração para mantê-lo estável sobre o buraco.
Um dos maiores desafios enfrentados pelos engenheiros alemães foi a necessidade de perfurar um buraco o mais vertical possível. A solução criada por eles se tornou atualmente a tecnologia padrão nos campos de petróleo e gás do mundo.
"O que ficou claro para os russos foi que você tem que perfurar o mais vertical possível. Caso contrário, você aumenta o torque nas brocas e torções no buraco", diz Uli Harms. "A solução foi desenvolver sistemas de perfuração verticais. Estes são agora um padrão da indústria, mas foram originalmente desenvolvidos para o KTB - e podiam perfurar até 7,5 km abaixo da Terra. Então, nos últimos 1,5 a 2 km (0,9 a 1,25 milhas), o buraco estava fora da linha vertical por quase 200 metros.
Mas todas essas expedições terminaram com certa frustração. Houve falsas partidas e bloqueios. Outro desafio foram as altas temperaturas que o maquinário encontrou no subterrâneo profundo, o custo e a política - tudo isso interrompeu os sonhos dos cientistas de perfurar mais fundo e quebrar o recorde de buraco mais profundo já cavado.
Dois anos antes de Neil Armstrong caminhar na Lua, o Congresso dos EUA cancelou o financiamento para o projeto Mohole quando os custos se afastaram do previsto. Os poucos metros de basalto que eles conseguiram trazer custaram aos cofres públicos cerca de US$ 40 milhões (R$ 160 milhões) em valores atuais.
Então foi a vez do Poço Superprofundo de Kola. A perfuração foi interrompida em 1992, quando a temperatura chegou a 180°C. Foi o dobro do esperado para aquela profundidade, e uma perfuração mais profunda não era mais possível. Após o colapso da União Soviética, não havia dinheiro para financiar esses projetos - e, três anos depois, a instalação inteira foi fechada. Agora, o local abandonado é um destino para turistas aventureiros.
O poço alemão foi poupado do mesmo destino. A enorme perfuratriz ainda está lá - uma atração turística hoje - mas o guindaste apenas serve a instrumentos de medição. O local se tornou um observatório do planeta - ou até mesmo uma galeria de arte.
Ali, em 2013, a artista holandesa Lotte Geevan decidiu fazer um experimento. Ela levou para baixo um microfone protegido por um escudo térmico, captando um som profundo e estrondoso que os cientistas não conseguiram explicar. Nas palavras dela, o som "me fez sentir muito pequena; foi a primeira vez na minha vida que essa grande bola em que vivemos veio à vida e parece assombrosa", diz. "Algumas pessoas achavam que soava como o inferno. Outras, que podiam ouvir o planeta respirar".
"O plano era para perfurar mais profundamente do que os soviéticos", diz Harms, "mas nem chegamos à nossa fase permitida de 10 km durante o tempo que tivemos. Então, onde estávamos perfurando era muito mais quente do que onde os russos estavam. Estava bem claro que seria muito mais difícil irmos mais fundo".

Viagem ao Centro da Terra

É difícil não ter a sensação de que a corrida para o manto da Terra é uma versão atualizada do famoso livro Viagem ao Centro da Terra, de Jules Verne. Embora não esperem encontrar uma caverna escondida cheia de dinossauros, os cientistas gostam de descrever seus projetos como "expedições".
"Pensamos nisso como uma expedição, porque realmente leva algum tempo em termos de preparação e execução", diz Harms, "e porque você está realmente entrando na terra de ninguém, onde ninguém esteve antes, e isso é realmente incomum nos dias de hoje".
"Essas missões são como uma exploração planetária", diz Damon Teagle, professor de geoquímica na Escola de Oceanos e Ciências da Terra do Centro Nacional de Oceanografia de Southampton, na Universidade de Southampton, no Reino Unido.
Teagle tem estado fortemente envolvido no novo projeto de perfuração liderado pelos japoneses. "O desafio é que nunca sabemos o que vamos encontrar."
"No buraco 1256, fomos os primeiros a ver a crosta oceânica intacta. Ninguém tinha conseguido isso antes. Foi realmente emocionante. Sempre há surpresas".
 
Alemães iniciaram seu próprio projeto de perfuração superprofunda em 1990
 
Hoje, "M2M-MoHole to Mantle" é um dos projetos mais importantes do Programa Internacional para a Descoberta dos Oceanos (IODP). Assim como o projeto Mohole original, os cientistas estão planejando perfurar o fundo do mar, onde a crosta tem 6 km de profundidade. O objetivo do projeto de perfuração ultraprofundo de US$ 1 bilhão (R$ 4 bilhões) é recuperar as rochas do manto in situ pela primeira vez na história da humanidade.
Apesar da importância do projeto, o enorme navio de perfuração Chikyū foi construído quase 20 anos atrás com este projeto em mente. A embarcação usa um sistema de GPS e seis jatos controlados por computador que podem alterar a posição do imenso navio em apenas 50cm.
"A ideia é que esse navio dê prosseguimento ao trabalho iniciado pelo projeto Mohole original há 50 anos", diz Sean Toczko, gerente de programa da Agência Japonesa para a Ciência e Tecnologia Marinha-Terrestre. "Esses poços superprofundos nos ensinaram sobre nossa densa crosta continental. O que estamos tentando fazer agora é descobrir mais sobre os limites da crosta-manto".
"O principal ponto de discórdia é que existem três localizações candidatas à essa perfuração: nos litorais da Costa Rica, de Baha e do Havaí."
A decisão virá da melhor combinação entre a profundidade do oceano, a distância do local de perfuração e a necessidade de uma base na costa que possa dar apoio a uma operação bilionária de 24 horas por dia no mar. "A infraestrutura pode ser construída, mas isso demanda tempo e dinheiro", acrescenta Toczko.
"No fim das contas, é realmente uma questão de custo", diz Harms. "Essas expedições são extremamente caras - e, portanto, são difíceis de serem replicadas. Podem custar centenas de milhões de dólares - e apenas uma pequena porcentagem será de fato para as ciências da terra; o restante será para o desenvolvimento tecnológico e, é claro, para as operações."
BBC

Teoria da relatividade: como eclipse solar no Ceará há 100 anos transformou Einstein em celebridade

"A população estacionou nas praças públicas, impressionada com o surpreendente espetáculo que a natureza lhe oferecia. Parecia que a aurora ia romper e, naquela escuridão, os galos cantavam e as avezinhas procuravam agasalho."

Placa do eclipse de Sobral
Assim o jornal Folha do Littoral descreveu o momento em que a população de Sobral, no interior do Ceará, presenciou um eclipse total do Sol em 1919. Mas aquele não era um eclipse qualquer.
O fenômeno permitiu que um grupo de cientistas comprovasse pela primeira vez a teoria da relatividade geral do físico alemão Albert Einstein, consolidando uma das maiores revoluções da história da ciência.
Meses depois do fim da Primeira Guerra Mundial, a façanha catapultou o físico, que até então era pouco conhecido, para a fama mundial.
"Alguns cientistas dizem que o anúncio dos resultados do experimento feito nesse eclipse foi um dos maiores momentos da ciência", disse à BBC News Brasil o físico Luis Carlos Bassalo Crispino, da Universidade Federal do Pará (UFPA), autor de artigos sobre o episódio.
Nos anos seguintes, a relatividade geral de Einstein permitiria a formulação da teoria do Big Bang, um modelo para explicar como começou o universo. Um ramo especial da astrofísica, a cosmologia física, foi criado só para estudar esse tema.
As ideias do alemão também permitiram que os cientistas desenvolvessem a ideia dos buracos negros e, muitos anos depois, o funcionamento do sistema de GPS - que usa a posição de satélites no espaço para localizar aparelhos na Terra.
Mas tudo começou com uma ideia pouco convencional.

Quote

Uma revolução incomparável

No século 19, a física avançava a passos largos, com descobertas sobre a eletricidade, a energia cinética (movimento), a termodinâmica (energia em forma de calor) e a luz, finalmente entendida como uma onda eletromagnética.
Foi a partir destas ideias que o físico alemão Albert Einstein começou a pensar sobre o comportamento da luz e sua velocidade, usando uma série de "experimentos mentais" - problemas cujo resultado ele previa apenas em sua imaginação.
Em 1905, ele afirma que as medidas de espaço e tempo poderiam mudar de acordo com o ponto de referência. Até então, toda a física se amparava na ideia de que tempo e espaço eram absolutos.
A teoria da relatividade especial, como ficou conhecida, já causou espanto e interesse na comunidade científica, mas servia apenas para casos específicos da física.
Nos anos seguintes, enquanto as potências europeias, entre elas a Alemanha e o Reino Unido, caminhavam para a Primeira Guerra Mundial, o jovem alemão daria um passo ainda mais ousado: questionar a Lei da Gravitação Universal do inglês Isaac Newton.
Sua teoria da relatividade geral, publicada em 1915, confrontava um dos fundamentos da física clássica.
Nesta teoria, Einstein afirma que o espaço e o tempo, interligados, formam uma espécie de tecido que conforma tudo ao nosso redor e que pode se curvar, de acordo com a massa dos corpos.
Essas curvaturas explicam desde a gravidade, até o movimento dos planetas e estrelas no espaço, a existência dos buracos negros e a formação de todo o universo.
"Filosoficamente, a relatividade geral foi quase tão importante quanto a ideia de Copérnico de que a Sol, e não o Terra, estava no centro do universo. Ela revolucionou completamente a maneira como os cientistas deveriam pensar sobre o funcionamento do mundo ao seu redor. As coisas ficaram mais complexas", disse à BBC News Brasil Teresa Wilson, física do Observatório Naval dos Estados Unidos.
O fato de um alemão, naquele momento, propor uma mudança tão fundamental na física também causou polêmica. Alguns pesquisadores simplesmente não acreditaram nele, e outros ignoraram suas ideias.
"Por causa da guerra, os cientistas alemães e austríacos eram ignorados e excluídos dos órgãos internacionais. Havia muito ressentimento com relação a eles. Também deixaram de ser convidados a conferências e associações", disse à BBC News Brasil o astrofísico e historiador Daniel Kennefick, autor do livro No Shadow of a Doubt (Sem Sombra de Dúvida, em tradução livre), sobre eclipse de 1919.
Mas alguns acadêmicos se consideravam "internacionalistas" - acreditavam que a ciência deveria reunir esforços de pessoas de qualquer nacionalidade. Entre eles estava o próprio Einstein, que havia renunciado a sua cidadania alemã e adotado a suíça em protesto contra o militarismo do regime germânico.
Para vencer a resistência da comunidade científica à teoria de Einstein, no entanto, seria preciso confirmar suas previsões. Isso só aconteceria quatro anos após a formulação da teoria - e após o término da Primeira Guerra (em 1918) -, quando pesquisadores ingleses puderam viajar até o interior do Brasil para ver um eclipse.

Por que um eclipse?

Segundo a relatividade geral, a força de gravidade é um efeito causado pela curvatura do espaço-tempo.
Um corpo massivo como o Sol, por exemplo, distorce o espaço-tempo a seu redor, e faz com que outros objetos menores tenham que seguir essa distorção.

Representação da curvatura que o Sol causa no espaço-tempo

Até mesmo a luz de outras estrelas, em seu caminho até nós na Terra, tem sua trajetória alterada quando passa perto do Sol.
Por isso, se pudessem ser vistas durante o dia, as estrelas se pareceriam um pouco mais afastadas do Sol do que realmente estão.
Cálculos de Einstein previam um desvio da luz duas vezes maior do que o que era previsto de acordo com a teoria de Newton.
Para testar a teoria, seria necessário fotografar estrelas próximas ao Sol e depois fotografá-las no mesmo lugar à noite. Em seguida, medir a posição delas no céu a cada momento, e encontrar a diferença entre estas medidas.
O cenário ideal para isso seria um eclipse total, um alinhamento que faz com que a Lua esconda o Sol, projetando sua sombra sobre a Terra.
A escuridão permite que os astrônomos observem as estrelas, os planetas e a atmosfera solar durante o dia, com mais facilidade.
"Para comprovar que o campo gravitacional do Sol desvia a luz de uma estrela, ela precisa estar próxima do Sol, senão você não consegue perceber esse efeito. Mas o Sol é tão brilhante que normalmente não se consegue ver as estrelas durante o dia. Por isso era necessário fazer o experimento durante um eclipse total", explica Daniel Kennefick.
 
Gráfico

Einstein sabia que organizar esse experimento era complicado. Ele chegou a investir suas próprias economias na expedição do astrônomo alemão Erwin Finlay-Freundlich para observar um eclipse na Crimeia, na Rússia, em 1914, um ano antes de publicar a teoria da relatividade geral.
Mas, quando Freundlich chegou à Rússia, explodiu a Primeira Guerra. Seus instrumentos foram confiscados e ele não conseguiu realizar o experimento.

A busca pelo 'eclipse perfeito'

Em 1917, os astrônomos ingleses Frank Watson Dyson, diretor do Observatório Real de Greenwich, o mais importante do Reino Unido, e Arthur Stanley Eddington, um conhecido astrofísico, queriam comprovar - ou não - a teoria de Einstein, por motivos diferentes.
"Como muitos astrônomos, Frank Dyson era cético em relação à relatividade geral. E, naquele momento, os alemães eram percebidos como o inimigo. Ele também tinha um certo sentimento patriótico de que a teoria de Isaac Newton (que era inglês)deveria ser tratada com mais respeito do que a de um jovem da Alemanha", disse à BBC News Brasil o astrônomo Tom Kerss, do Real Observatório de Greenwich.
Eddington, por sua vez, era um entusiasta das teorias de Einstein e um internacionalista, que acreditava no ideal de juntar as melhores mentes de todas as nacionalidades em busca da verdade científica.
Segundo o historiador Daniel Kennefick, o entusiasmo de Eddington ajudou a convencer Dyson sobre a importância de organizar uma expedição para testar as ideias de Einstein sobre a luz.
"Dyson já havia observado muitos eclipses e sabia que aquele experimento era importante e possível. Era um momento em que os instrumentos já tinham evoluído o suficiente pra medir com confiança os resultados que Einstein previa", disse Tom Kerss.
Cálculos indicavam que em 1919 um eclipse seria visível na América do Sul e na África. Nesse momento, o Sol estaria perto de um aglomerado de estrelas especialmente brilhantes, as Híades.
Parecia a oportunidade perfeita para a ciência e para os dois astrônomos ingleses. O primeiro passo era escolher o local onde eles iriam observar o fenômeno.
"Durante um eclipse solar, a sombra da Lua viaja pela Terra de oeste para leste. Então eles desenhavam seu trajeto precisamente em um mapa e começavam a pesquisar", explica Kennefick.

Mapa da trajetória do eclipse

Nesse caso, a faixa de totalidade do eclipse - ou seja, o trecho em que o Sol estaria completamente encoberto - cruzaria toda a América do Sul, começando na Bolívia, passaria pelo Oceano Atlântico e terminaria no continente africano, na Tanzânia.
"Na Bolívia e no leste da África não funcionaria, porque o Sol estaria ainda nascendo ou já começando a se pôr, e isso causaria distorções atmosféricas que prejudicariam a medição. A maior parte do trajeto também seria em áreas de floresta tropical de um lado ou de outro. No oceano Atlântico também não era bom, porque um navio não teria estabilidade suficiente para os instrumentos", diz o historiador.
A decisão de ir ao Brasil foi tomada depois que Dyson recebeu uma carta do engenheiro Henri Charles Morize, diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro e um dos fundadores da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Na carta, Morize dizia que Sobral - a segunda maior cidade do Ceará, bem conectada por trens e por um porto relativamente próximo - seria o melhor lugar para acompanhar o fenômeno.
No entanto, Dyson e Eddington decidiram que ter apenas um ponto de observação não seria suficiente. Era comum que os resultados de expedições como essa fossem prejudicados por más condições de tempo. Em geral, nuvens acabavam impedindo que as estrelas fossem fotografadas.
"Apesar do risco, eles estavam determinados a aproveitar essa oportunidade, porque sabiam que aquele eclipse, com uma duração longa e estrelas tão brilhantes, seria especial", disse Kennefick.
Por isso, eles decidiram mandar duas equipes de astrônomos a lugares diferentes: a Sobral, no Brasil, e à Ilha de Príncipe, parte do arquipélago de São Tomé e Príncipe, na costa africana.

Como fazer ciência em meio à guerra?

Depois de decidir seu destino, os cientistas tiveram que solucionar outro problema: a Europa ainda estava em guerra.
Dyson usou sua influência para conseguir financiamento e convencer o governo britânico a manter seu colega Eddington fora da frente de batalha. Mesmo assim, era muito difícil encontrar astrônomos com experiência e navios para levá-los ao Brasil e a África.
"Eddington queria ir para Príncipe, mas precisou levar com ele um relojoeiro do interior da Inglaterra, porque todos os seus assistentes haviam morrido na guerra", afirma Kennefick.
Dyson teve que ficar na Inglaterra e, após uma série de contratempos, encontrou dois candidatos para mandar a Sobral. Os escolhidos foram Charles Davidson, um calculista sem formação acadêmica, mas com muita experiência em telescópios, e o astrônomo irlandês Andrew Crommelin, que operaria um segundo telescópio levado por segurança.

Equipes britânica, americana e brasileira em Sobral

"Outro problema da guerra era que os britânicos tinham poucos instrumentos disponíveis, alguns haviam sido confiscados pelos russos em 1914. Eles tiveram que pedir um telescópio emprestado aos irlandeses", disse à BBC News Brasil o astrofísico Tom Ray, do Instituto de Estudos Avançados de Dublin, que encontrou e restaurou o equipamento original que foi a Sobral.
Apesar de ser menor e mais velho, o telescópio irlandês foi o autor dos resultados que fizeram história.
"Naquele momento, era preciso ter telescópios que fossem estáveis e precisos para conseguir fazer imagens do Sol de longa exposição. O telescópio irlandês tinha sido criado especialmente para eclipses em 1900 e tinha um campo visual maior, que permitia ver mais estrelas", explica Ray.
Em novembro de 1918, o Armistício de Compiègne anunciou o fim da guerra e abriu caminho para a expedição.
Eddington foi para Príncipe com seu assistente e Davidson e Crommelin saíram de Liverpool, na Inglaterra, para Belém, no Pará, à bordo do Anselm, o primeiro navio inglês a retomar a rota para o Brasil - que tinha sido paralisada por conta da guerra.


Os 'sábios ingleses' em Sobral

Em Belém, Davidson e Crommelin foram recebidos com festa no porto, e ainda tiveram tempo de fazer uma viagem de barco pelo rio Amazonas até Manaus.
Em seguida, os britânicos foram de navio para Camocim, já no Ceará, e de trem para Sobral. No Ceará, a imprensa também se animava com a chegada dos estrangeiros, que eram chamados de "sábios ingleses".
Em 26 de abril, o jornal O Malho dizia que "por amor à ciência", eles iriam "afrontar a seca, a febre amarela e a falta de conforto".
Na época, de acordo com a pesquisa de Luis Crispino, da UFPA, o governo brasileiro enviou uma equipe de médicos especialmente para conter a febre amarela no Ceará, preocupado com os visitantes.
"Precisamos defendê-los, por todos os modos, para que não se arrependam da sua viagem ao Ceará. É o ministério da Agricultura quem os vai hospedar em Sobral, e esse, de acordo comigo, fará proteger as casas que lhes forem destinadas com telas de arame, a fim de evitar a entrada do mosquito que serve de veículo à febre", escreveu o médico paraense Emygdio de Matos, que era parte da comissão de combate ao vírus no país.
O Observatório Nacional organizou a logística da expedição britânica e também de uma americana, que foi fazer medições sobre o campo magnético terrestre e da eletricidade atmosférica.
Mas a "falta de conforto" anunciada pelo jornal não atingiu os pesquisadores. Eles se hospedaram na casa do deputado e coronel Vicente Saboya, dono de um poço artesiano próprio. Água ali, tanto para as atividades diárias quanto para revelar as imagens do eclipse, não seria um problema.
A pista de corrida do Jockey Club da cidade, que costumava atrair curiosos, também foi reservada para o acampamento de observação dos britânicos e americanos.
"Pelos registros que temos, dá pra perceber que eles ficaram impressionados com a boa recepção das pessoas de lá. Havia muito interesse na chegada deles e todo mundo queria ajudar", diz Daniel Kennefick.
"Mas eles também perceberam que Sobral passava por um período ruim. Estava muito seco e as condições de vida eram difíceis. Crommelin escreveu que a cidade tinha um aspecto deprimente, porque era muito seca e empoeirada. Ele também mostrou compaixão pelas pessoas que viu desesperadas cavando buracos em um rio seco, buscando água."

Enfim, o eclipse

A excitação em Sobral era tamanha que, segundo os jornais da época, o dia do eclipse foi um feriado informal na cidade. Todo o comércio foi fechado e a população encheu as praças públicas desde o início da manhã.
As igrejas também ficaram repletas de fiéis com medo de que o escurecimento do céu fosse o anúncio de um mau agouro.
"A Prefeitura Municipal instalou dois pequenos telescópios, cobrando pequenas quantias aos que desejavam observar o eclipse. Esse dinheiro reverterá a favor da construção do jardim da cidade. Aqueles aparelhos foram disputadíssimos", dizia o jornal O Malho.
No entanto, o dia 29 de maio de 1919 amanheceu nublado. Por sorte, cerca de um minuto antes que o Sol fosse completamente coberto pela sombra da Lua, um vento afastou as nuvens. Os astrônomos tiveram cerca de quatro minutos para fazer 27 fotos do céu, mostrando as 12 estrelas que queriam observar.
"Na fase aguda do eclipse, o 'stock' esgotou-se e o recurso que se apresentou foi o assalto às vidraças. A casa de um nosso vizinho, na sua ausência, pois andava também vendo o eclipse, sofreu um terrível ataque, e uma das portas de sua linda habitação ficou sem duas lâminas das maiores e mais preciosas", escreveu o correspondente do jornal Folha do Littoral.
Os britânicos tiveram um problema. O calor intenso em Sobral, segundo o físico Luis Crispino, pode ter causado uma dilatação incomum no espelho do seu principal telescópio. Por isso, algumas imagens ficaram distorcidas e, portanto, menos confiáveis.
O pequeno telescópio irlandês, no entanto, produziu oito imagens nítidas e impressionantes do Sol escurecido e da luz das estrelas.
Um mês mais tarde, Davidson e Crommelin fotografaram as mesmas estrelas, exatamente no mesmo lugar do céu, só que à noite. Agora já tinham o que precisavam para testar a teoria de Einstein.
Em agosto de 1919, os britânicos começaram o caminho de volta à Inglaterra.
Em Príncipe, Eddington teve menos sorte. O tempo fechado permitiu poucas imagens aproveitáveis, nas quais aparecia um número menor de estrelas.
Seus resultados já pareciam favoráveis à teoria de Einstein, mas, sem base de comparação, crescia a ansiedade pela chegada da expedição de Sobral.

Capa do jornal A Ordem, de Sobral

O dia que mudou a física

Em novembro de 1919, foi publicado o estudo final sobre o eclipse, assinado por Dyson, Eddington e Davidson.
"Os resultados das observações aqui descritas parecem confirmar a teoria da relatividade geral de Einstein", diz o trabalho.
Nele, os pesquisadores também afirmam que as imagens do telescópio irlandês de Sobral eram as mais importantes e confiáveis. Era o primeiro experimento prático a confirmar a teoria do jovem físico alemão.
"Nem todos ficaram convencidos", disse à BBC News Brasil Virginia Trimble, professora de Física e Astronomia da Universidade de Califórnia Irvine, nos EUA. "Os cientistas continuaram fazendo medições em eclipses para comparar seus resultados. E, nos anos 1970, as imagens de 1919 foram examinadas outra vez, com instrumentos mais avançados, para garantir que os números estavam corretos",
"Na verdade, a teoria da relatividade geral foi testada muitas vezes e passou perfeitamente em todos os testes que fizemos. É impressionante."

Como Einstein reagiu?

Em setembro, Albert Einstein tinha recebido um telegrama de um amigo holandês dizendo que os resultados da expedição de Eddington a Príncipe, ainda que inconclusivos, apontavam para a confirmação da sua teoria.
Eddington já falava disso em conferências internacionais, mas não escreveu pessoalmente a Einstein por causa do clima tenso que ainda existia entre acadêmicos da Inglaterra e da Alemanha após a guerra, terminada em novembro de 1918.
"Einstein estava muito ansioso pelo experimento, mas quando o resultado finalmente chegou, ele já estava tão convencido da beleza e da coerência de sua teoria, que parecia nem precisar da comprovação", disse Daniel Kennefick.
Anos depois, a filósofa alemã Ilse Rosenthal-Schneider contou em um de seus livros que estava com Einstein no momento em que ele recebeu o telegrama.
Ela perguntou o que ele faria se o resultado final fosse desfavorável a suas ideias, e ele, calmamente, respondeu: "Eu teria pena de Deus, porque a teoria está correta".
Mas, logo em seguida, o físico escreveu a sua mãe contando que recebeu a "notícia feliz" de que sua teoria havia sido confirmada.
No dia 6 de novembro, o resultado final foi anunciado com pompa na União Astronômica Internacional. O filósofo e matemático Alfred North Whitehead, que estava na cerimônia, descreveu a cena como "de intensa emoção".
"Havia um elemento dramático naquele cerimonial tão cênico e tão tradicional, que ocorria tendo como pano de fundo um retrato de Newton e nos lembrava que a maior das generalizações científicas acabava - depois de mais de dois séculos - de receber a sua primeira modificação", escreveu.
No entanto, o próprio Einstein se manteve humilde em relação a sua descoberta. Em um artigo publicado dias depois da cerimônia no jornal Times of London, ele afirmou que "ninguém deve pensar que a grande criação de Newton pode ser derrubada por esta ou qualquer outra teoria".
"Suas ideias claras e amplas sempre terão a importância de serem a base sobre a qual nossa concepção moderna da física foi construída."
No mesmo artigo, Einstein reconhece a "alegria e gratidão" que sentia pela oportunidade de se comunicar com cientistas ingleses "depois do lamentável rompimento das relações internacionais entre homens da ciência" que aconteceu na Primeira Guerra.
O ressentimento com relação a alemães e austríacos permaneceu por muito tempo depois da guerra, segundo Daniel Kennefick, mas Einstein passou a ser uma exceção. "Em muitos encontros científicos ele era o único alemão convidado", diz.
A atenção que a relatividade geral recebeu da imprensa também fez com que Einstein se tornasse uma celebridade mundial. Ele chegava a ser parado nas ruas por admiradores.
"Disso ele não gostou muito. Não suportava ter que falar com repórteres o tempo inteiro e chegou a dizer que: 'esse tormento é culpa daquela expedição inglesa'", conta Kennefick.

Artigo no New York Times em 1919

Ele não esqueceu, no entanto, da alegria de ver comprovada a teoria que chamava de "seu pensamento mais feliz".
Em 1925, quando fez uma visita ao Rio de Janeiro, o físico alemão escreveu em dedicatória ao empresário Assis Chateaubriand: "O problema concebido pela minha mente foi respondido pelo luminoso céu do Brasil".

Um ilustre desconhecido

Em Sobral, o tempo diminuiu o alvoroço causado pelo eclipse. Só em 1999 a cidade ganhou um pequeno museu dedicado ao episódio e, em 2015, um planetário.
 
Estátua de Albert Einstein em Sobral
 
O físico Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), disse à BBC News Brasil acreditar que "a vinda dos britânicos em 1919 tenha contribuído para que Sobral desse mais atenção à educação".
"Mas um motorista de táxi me disse que a maioria das pessoas hoje não sabe nada sobre a expedição."
Segundo Moreira, é preciso retomar a importância da cidade na história da ciência não só para os próprios moradores, mas também para a comunidade internacional, que atribuiu a confirmação da relatividade geral mais a Eddington, o mais famoso dos cientistas envolvidos, do que à expedição que foi ao Brasil.
Em comemoração aos 100 anos do eclipse, a SBPC está realizando uma exposição no Congresso Nacional, em Brasília, e uma série de eventos gratuitos em Sobral, que terá debates com pesquisadores e astrônomos, o lançamento de um selo especial dos Correios e até uma transmissão simultânea das comemorações na Ilha do Príncipe.
No último mês de março, em preparação para o centenário, a prefeitura de Sobral inaugurou uma estátua de Albert Einstein feita de argila e bronze. Nela, o cientista aparece descontraído, de bermuda, camisa aberta, chinelos de couro e cabelos ao vento.
"Quando colocamos a estátua na praça, alguns jovens encostaram e perguntaram: 'Quem é esse?'. Disseram que deveríamos ter colocado uma placa com o nome dele, mas achamos que é mais interessante deixar as pessoas pesquisarem", diz Moreira.
BBC

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Por que o Japão quer que o mundo inverta os nomes dos japoneses

O Japão quer assemelhar-se às demais potências asiáticas e fazer com que nomes japoneses sejam escritos com o sobrenome à frente do nome de batismo - e não depois, como nos países ocidentais, afirmou o chanceler do país, Taro Kono.
 
Taro Kono, chanceler japonês, quer que seu nome seja grafado Kono Taro por veículos estrangeiros 
Na língua japonesa, assim como em outros idiomas orientais, é comum que o sobrenome seja dito antes do nome de batismo. No entanto, segundo o jornal Japan News, no século 19, em meio à crescente influência da cultura ocidental no país, essa ordem foi mudada na escrita de nomes japoneses em línguas estrangeiras.
O debate de voltar à ordem sobrenome-nome existe há décadas e agora é revivido por Taro Kono (ou melhor, Kono Taro?).
"Planejo pedir às organizações de imprensa estrangeira que façam isso (escrevam sobrenomes antes dos nomes)", afirmou o chanceler a jornalistas. "Veículos nacionais de imprensa que tenham serviços em inglês também devem considerar a questão."
Com a mudança, o premiê japonês Shinzo Abe passaria a ser chamado de Abe Shinzo. É a mesma lógica de nomes de outros líderes asiáticos, como Xi Jinping (presidente da China) e Kim Jong-il (líder norte-coreano), em que o sobrenome é dito e escrito antes.

Japão sob holofotes

Kono afirmou que seu ministério pretende considerar a mudança também em documentos oficiais, como passaportes. Agregou ainda que, com ascensão, em 1º de maio, do imperador Naruhito e a aproximação de elementos internacionais agendados no Japão - em junho, o país sediará a cúpula do G20 e, no ano que vem, a Olimpíada de Tóquio, tornam o momento adequado para pleitear a mudança na ordem dos nomes.
Análise feita pelo jornal britânico The Guardian aponta que a medida parece ser uma tentativa de o governo demonstrar mais confiança na cultura e na história do país, no momento em que ele estará sob os holofotes globais.
Kono também declarou que tem o apoio de outros órgãos do governo, já que o ministro da Educação, Masahiko Shibayama, também pediu que agências oficiais retomem a prática de colocar o sobrenome na frente do nome.
Já o porta-voz do governo, Yoshihide Suga, foi mais cauteloso, dizendo a repórteres que "vários fatores precisam ser levados em conta (para essa mudança), inclusive as convenções".
BBC

Como o sedentarismo mudou nossos pés

Durante quase dois milhões de anos, os seres humanos evoluíram em sincronia com o meio ambiente. Mas há 250 anos chegou a Revolução Industrial e mudou tudo.
 
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Embora a inovação e a tecnologia trazidas pelo fenômeno tenham gerado muitos benefícios para a humanidade, nossos corpos tiveram de pagar um alto custo físico nesse processo.
Os trabalhos que fazíamos, que antes envolviam tarefas manuais, realizadas ao ar livre, passaram a ser feitos a portas fechadas e a exigir que passássemos a maior parte do dia sentados e parados, fosse em uma fábrica, em um escritório ou dirigindo um veículo, por exemplo.
Isso teve um impacto enorme sobre nossos corpos, e um dos primeiros afetados foram nossos pés.
O professor na Universidade de Kent, Vybarr Cregan-Reid, autor dos livros Footnotes (Notas de Rodapé, em tradução livre) e Primate Change (Mudança Primata), levantou a questão na série "Changing World, Changing Bodies" (Mundo em Mudança, Corpos em Mudança), do Programa de rádio da BBC The Compass.
Segundo Cregan-Reid, há evidências científicas crescentes de que os pés são chave na evolução humana.
Mas há pouca informação sobre como nossos antepassados se desenvolveram, porque existem poucos fósseis de pés e mãos.
É por isso que encontrar pegadas antigas é tão importante para os paleontólogos

Perfeitos

Um das marcas mais antigas de pegada humana já identificadas data de um milhão e meio de anos atrás e foi encontrada no Quênia.
A marca ajudou a descobrir algo fascinante: que os pés de nossos antepassados permaneceram praticamente sem mudanças, enquanto o resto de seus corpos passava por grandes transformações.
Isto indica que durante muito tempo os nossos pés foram perfeitamente adequados ao nosso estilo de vida.
Enquanto nossos cérebros cresceram, nossos dentes diminuíram e nossos ossos aumentaram, o processo evolutivo não afetou demasiadamente os pés.
No entanto, isso mudou drasticamente nos últimos três séculos, quando nossos pés passaram por transformações sem precedentes: eles mudaram devido ao que fazemos – e deixamos de fazer - com eles.

Fracos, grandes e planos

Hoje, nossos pés são mais fracos, maiores e mais planos. E isso é uma má notícia não só para a saúde dos nossos pés, mas para o nosso corpo inteiro.
A perda de eficiência dos nossos pés se reflete em um fato surpreendente: quase 80% das pessoas que praticam corridas sofrem algum tipo de lesão todos os anos.
Foi essa estatística que primeiro levou Cregan-Reid a se interessar pelas extremidades inferiores do nosso corpo.
Ela decidiu consultar Hannah Rice, pesquisadora da área de esportes e saúde da Universidade de Exeter, no Reino Unido, especializada em entender como e por que machucamos tanto os nossos pés.
Segundo Rice, os machucados não se devem ao fato de os corredores forçarem demais os limites.
"Há dezenas de milhares de anos, as pessoas usavam (os pés) muito mais que agora, então não é um problema de uso excessivo. Talvez o problema seja que não os usamos o suficiente para acostumá-los a muito uso", explicou.
Rice deu como exemplo o corredor "clássico", que pratica o esporte três ou quatro vezes por semana e passa o restante do tempo sentado no escritório ou no sofá da casa.
Isso quer dizer: o que realmente nos machuca não é correr, mas o que fazemos quando não estamos correndo.
E os especialistas conseguiram estabelecer quando o problema começou: com a Revolução Industrial e o início de um estilo de vida mais sedentário.
A partir daí, os pés começaram a se adaptar a nossa nova realidade.

Superfícies duras e solas planas

Outras características da vida moderna pioraram ainda mais o quadro.
Por exemplo, as superfícies duras e planas sobre as quais costumamos caminhar diariamente. Ou o calçado de sola plana que costumamos usar para percorrer esses pisos.
Estes não permitem que os cerca de cem músculos e tendões que temos em cada pé se movam como costumavam fazer quando a vida era menos cômoda, os empregos exigiam movimento e as pessoas se deslocavam mais a pé.
O resultado é que a musculatura enfraqueceu, tornando nossos pés mais frágeis. Também perdemos a camada protetora de calos que nossos antepassados costumavam ter por passarem muito tempo descalços.
Mas foi somente a partir dos anos 70, quando correr virou moda, que a dimensão real do estado de nossos pés começou a se revelar, após cerca de duzentos anos de sedentarismo.
A loucura por corridas acrescentou um novo problema: a moda de usar tênis no dia a dia.
Talvez você ache que isso deveria ser uma boa notícia, já que muitos desses calçados, especialmente hoje em dia, são anunciados pelos supostos benefícios que oferecem aos pés.
 
No entanto, desde que começamos nosso caso de amor com os tênis, a incidência de pés chatos tem aumentado em muitas partes do mundo, especialmente no Ocidente.
Ter pés chatos é um problema porque a curvatura dá estabilidade ao pé. Também é essencial para poder caminhar, mas, sobretudo, para correr.
"Quando você corre, a curvatura do pé funciona como uma mola e, de fato, é uma das molas mais poderosas do corpo", explica o paleontólogo Dan Lieberman, da Universidade de Harvard.
Ter pés chatos também pode afetar os joelhos e os quadris.
Como se todos esses desafios não fossem suficientes para nossos pobres pés, nos últimos anos a epidemia global de obesidade se somou a eles, uma vez que o sobrepeso aumenta a pressão sobre essa parte do corpo.

O que podemos fazer

Uma das coisas mais simples (e baratas) que podemos fazer para melhorar a saúde dos nossos pés é caminhar. Idealmente, descalços.
Segundo Rice, um estudo realizado em crianças na Índia comprovou que aqueles que não usavam sapatos ou sandálias tinham menos pés chatos.
Vybarr Cregan-Reid acredita que devemos "redescobrir nossos pés para aprender a usá-los novamente".
Pequenos hábitos como tirar os sapatos dentro de casa e tentar se mover mais podem ajudar.
O especialista diz, entretanto, que, o que quer que você faça, deve ser feito com calma.
"Descobrir os músculos esquecidos dos pés pode ser doloroso no começo, mas depois vai ser gratificante", afirma ele.
BBC

Quantos dias sobrevivemos sem água? E sem comida

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Na década de 1940, em um dos maiores atos do mundo da desobediência civil, Mahatma Gandhi passou 21 dias sem comer, sobrevivendo apenas com alguns goles de água.
Gandhi estava na metade dos seus 70 anos na época e sobreviveu a esta greve de fome sem qualquer dano óbvio. De fato, ele viveria mais quatro anos antes que sua vida fosse interrompida por um fanático religioso.
O acontecimento que levanta a questão: Por quanto tempo uma pessoa pode viver sem comida ou água? É um assunto que mentes inquietas vêm estudando há mil anos ou mais, quase desde que as greves de fome foram inventadas.
Não há respostas precisas
Aminatou Haidar, às vezes chamado de Gandhi do Saara Ocidental, entrou em greve de fome de 32 dias em 2009 para protestar contra sua expulsão de sua terra natal devido ao seu ativismo.
Em termos gerais, o corpo humano pode passar dois ou três dias sem água e, segundo guias de sobrevivência, 30 a 40 dias sem comida de qualquer espécie. Muitos desses guias também desencorajam as pessoas a procurar comida em plantas ou arbustos selvagens, devido aos efeitos adversos que podem causar.
 
 

Água é prioridade

A água é certamente o requisito mais importante. Precisamos de cerca de 8 a 10 copos de água para reabastecer o que nossos corpos perdem a cada dia. A falta de líquidos causa problemas com a função renal em poucos dias, especialmente se a pessoa estiver ativa.
As três prioridades principais seriam a sede, o frio e depois a comida, disse Gordon Giesbrecht, professor de termodiologia da Universidade de Manitoba, conhecido por seus longos experimentos em ambientes frios.

Mulheres estão em vantagem

Quando se trata de comida, a maioria dos médicos acredita agora que as mulheres podem sobreviver mais do que os homens sem comida, porque tendem a ter mais gordura corporal e menos massa muscular, o que requer mais calorias para manter.
Mesmo assim, a fome cobra sua parte no corpo e em seus órgãos internos, como os sobreviventes dos campos de concentração mostraram claramente.
Em termos puramente científicos, a greve de fome de 1981 dos presos políticos do IRA na Irlanda do Norte provavelmente produziu a mais útil evidência do que o corpo humano moderno pode suportar. No final, 10 presos morreram depois de passarem entre 46 e 73 dias sem comida. A maioria estava em um estado razoável de saúde.
Mas, como o Dr. Alan Lieberson relatou na Scientific American há alguns anos, "a duração da sobrevivência sem comida é fortemente influenciada por fatores como peso corporal, variação genética, outras considerações de saúde e, acima de tudo, presença ou ausência de desidratação. "
Assim, na dúvida de quanto tempo podemos sobreviver sem água ou comida, é melhor seguir o conselho dos guias de sobrevivência e nunca arriscar passar mais do que dois ou três dias sem água e 30 ou 40 dias sem comida.
 

Mayaro: o que se sabe (e o que falta saber) sobre o novo vírus transmitidos por mosquitos que pode estar circulando no Rio

Além dos nomes dengue, zika e chikungunya, os moradores e o poder público do Rio de Janeiro poderão ser apresentados a outro vírus, também transmitido por mosquitos e que dá indícios de ter adoecido pessoas do Estado nos últimos anos: o mayaro.
 
O Aedes pode estar transmitindo também o mayaro? Cientistas brasileiros estão atrás desta resposta
Na semana passada, o Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) divulgou que seus pesquisadores, liderados por Amilcar Tanuri e Rodrigo Brindeiro, confirmaram casos de infecção pelo mayaro em três pacientes adoecidos em 2016, todos da cidade de Niterói.
O mayaro é endêmico (tem presença contínua) na Amazônia e é normalmente transmitido pelos mosquitos do gênero Haemagogus, que vive nas matas e também é conhecido por propagar a febre amarela silvestre. É um perfil diferente do Aedes aegypti, vetor da dengue, zika, chikungunya e da febre amarela urbana - já que este vive nas cidades. 
Em entrevista à BBC News Brasil por telefone, Tanuri explicou que sua equipe ainda busca detalhes sobre os deslocamentos destes pacientes para, por exemplo, regiões de mata no próprio Estado fluminense - mas suas fichas indicam que eles não viajaram para regiões endêmicas no período em que foram infectados.
A notícia da chegada do mayaro ao Estado prenuncia desafios: a infecção por ele causada gera sintomas semelhantes à causada por chikungunya, como febre alta e dores articulares, o que dificulta o diagnóstico. Por isso, ele é chamado de "primo" da chikungunya.
A gravidade da infecção pelo mayaro é considerada moderada, mas já houve casos com complicações sérias como hemorragia, problemas neurológicos e até morte. Não há imunização ou tratamento específico para a doença, mas sim o controle de seus sintomas, como por exemplo o uso de remédios para controlar a febre.
A confirmação da presença do mayaro no Rio também é um passo inicial diante de muitas incógnitas ainda a serem descobertas pelos cientistas; entenda.

O que se sabe sobre a doença

O vírus foi isolado pela primeira vez na década de 50 a partir de amostras de sangue de pacientes infectados em Trinidad e Tobago, na América Central.
Casos no Brasil já foram registrados ainda em 1955 em um surto em Belém do Pará, e posteriormente em outras partes da Amazônia e do Centro-Oeste, como em Goiás há quatro anos.
 
Em outros países, a proximidade com a floresta também é decisiva na manifestação da doença, como em regiões do Peru, Bolívia e Venezuela.
"Os principais celeiros das arboviroses (vírus transmitidos por artrópodes, como os mosquitos) estão na floresta amazônica, com 192 tipos de vírus (já descritos), mas nem todos em humanos; e a costa oeste da África, com mais 600 tipos", explica o epidemiologista.
No caso do mayaro, mamíferos - incluindo os humanos - e até aves já foram descritos como hospedeiros para o vírus, ou seja, são "reservatórios" cujo material infectado é transmitido pelos mosquitos.
Os insetos do gênero Haemagogus são o principal vetor, mas pesquisadores acreditam que o Aedes aegypti pode ser um transmissor "competente" do vírus - e isto traz implicações sérias para o desenvolvimento da doença nas cidades.

O que falta entender

Os pesquisadores da UFRJ identificaram o mayaro a partir da análise a nível molecular de 279 amostras que, pelos sintomas, indicavam infecção por chikungunya.
Mas 57 destas amostras não puderam confirmar a presença da chikungunya, e então os cientistas fizeram uma reanálise delas. Com uma técnica chamada PCR em Tempo Real, a equipe conseguiu finalmente identificar um gene específico do mayaro em três amostras. Os resultados devem ser consolidados e publicados nos próximos meses em um artigo.
"Nosso interesse agora é descobrir se em 2019 o vírus continua circulando. Se está circulando, onde? E ele já pôde infectar mosquitos urbanizados?", indica Amilcar Tanuri.
Para buscar estas respostas, a equipe está correndo atrás de amostras de pacientes infectados neste ano, inclusive em outras partes do Estado como cidades que já tiveram casos de febre amarela silvestre - portanto, envolvendo o Haemagogus ou ainda o mosquito Sabethes.
E, como indicou Tanuri, os cientistas procuram também indícios se o Aedes já possa ter picado um hospedeiro do mayaro e estar transmitindo o vírus, ampliando em muito a possibilidade de expansão da doença nas cidades.
Neste cenário, uma das medidas mais importantes a ser tomada já é conhecida - mas ainda deficiente: o combate ao mosquito, com a promoção do saneamento e da limpeza, impedindo a proliferação de ovos e larvas do vetor na água parada, por exemplo.
"(Este tipo de arbovirose) É um subproduto da expansão das fronteiras agrícolas, da entrada da zona urbana dentro da mata, do movimento de pessoas", explica Tanuri.

Desafios para levar pesquisa adiante

Segundo o cientista, dos mais de 6 mil casos relatados pelo Estado do Rio de Janeiro como indicativos de chikungunya neste ano, cerca de 20% não foram conclusivos para confirmação desta doença - o que abre margem para que possam na verdade incluir casos de mayaro.
Mas estudar milhares de amostras implica em custos e demanda investimentos, o que joga luz sobre obstáculos sérios a serem enfrentados na investigação. Segundo Tanuri, "desde 2014" o investimento em pesquisa através de órgãos de fomento federais e estaduais vem caindo, e agora neste ano o cenário deve ser agravado pelo contigenciamento de verbas
BBC

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Quantos países existem - e por que é tão difícil responder a essa pergunta?

Se você sabe dizer sem sombra de dúvida quantos países há no mundo hoje, parabéns. Mas saiba que será fácil contestar esse número.

Ilustração
Dependendo dos critérios utilizados, ou de que instituição usar como fonte da informação, o número pode variar entre 193 e 206.
Na verdade, a resposta depende de como exatamente se define um "país".
"Para que se possa considerar um país, uma região precisa ter um território definido, ser habitado com algum grau de permanência, ter instituições políticas e governo próprio, ter a independência reconhecida por outros Estados soberanos e interagir diplomaticamente com outros países", disse à BBC News Brasil Martin Purvis, especialista em geografia história e política da Universidade de Leeds, na Inglaterra.
Mas é nos últimos dois critérios que as coisas se complicam. Há territórios que declararam sua independência e até funcionam, em grande parte, como países, mas não tiveram sua soberania reconhecida por toda a comunidade internacional.
"Assim como a beleza, o 'status de país' está nos olhos de quem vê", brinca Purvis. Ou seja, a existência de um país depende muito do contexto político.
"O reconhecimento de um país por outro é sempre uma negociação de interesses. Por exemplo, após a revolução comunista na China, dissidentes capitalistas fundaram Taiwan, e o país chegou a ser membro da ONU. Mas a China é um país de muito peso na comunidade internacional. Em 1971, a República Popular da China entrou na ONU e Taiwan foi retirado. Vários países deixaram de reconhecê-lo", explica.

A contagem da ONU

As Nações Unidas são a principal referência no número de países conhecido pela maioria das pessoas, mas a organização não está livre de polêmicas.
Mapa ONU
Desde 2011, com a entrada o Sudão do Sul, o órgão tem 193 países-membros, considerados Estados soberanos, com suas próprias fronteiras e governos independentes. E também conta com dois Estados observadores, o Vaticano e a Palestina, o que dá um total de 195 países.
A ONU reconhece que o governo palestino existe e que é um legítimo representante daquele povo, mas a Palestina não é reconhecida como Estado soberano por alguns dos países da própria ONU. Por isso, algumas listas mostram apenas 194 países na organização.
"Entrar na ONU é considerado o fiel da balança para que um território seja considerado um país. O Kosovo, por exemplo, é reconhecido por 112 países da ONU, é membro do Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas, por ainda não estar na ONU, ainda é considerado um país de reconhecimento parcial", explica Alex Jeffrey, professor de geografia humana da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Mas o que é preciso para que um país entre na ONU? Depende especialmente de negociações políticas, diz Jeffrey.
Em sua carta de fundação, a ONU diz que podem ser membros quaisquer "Estados amantes da paz que aceitem as obrigações desta Carta e, no julgamento da Organização, consigam realizar estas obrigações".
Na prática, o documento também estabelece que um Estado só se torna membro quando o Conselho de Segurança recomenda sua entrada na Assembleia Geral.
No Conselho, a adição de um novo país tem de ser aprovada por ao menos nove dos 15 membros, sem que um dos cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, Reino Unido, França e Rússia) use seu poder de veto.
Mas, além dos interesses da comunidade internacional, a política interna de cada país também define quem será reconhecido e quem não será.
"A Espanha, por exemplo, não vai reconhecer Kosovo tão cedo, porque isso pode fortalecer os movimentos separatistas em seu próprio país, como na Catalunha. Países como Rússia, China, Irã e Paquistão também resistem a reconhecer novos Estados por receio de fortalecer grupos separatistas dentro deles. Então, Kosovo dificilmente vai virar membro da ONU", disse à BBC News Brasil Fiona McConnell, doutora em geografia humana e professora na Universidade Oxford.

Países com reconhecimento parcial

Além de Taiwan, há outros cinco países que ainda não fazem parte da ONU, mas são reconhecidos diplomaticamente como Estados soberanos por ao menos um país-membro.
São países que se declararam independentes e, em geral, funcionam dessa forma.
No entanto, seu reconhecimento oficial ainda é alvo de disputa. Muitas vezes, eles nem aparecem nos mapas-mundi oficiais.
 
Mapa países com reconhecimento parcial
 
Kosovo, que era parte da Sérvia e foi criado em 2008, é reconhecido por mais de cem países. A Ossétia do Sul e a Abecásia, na região do Cáucaso, se declararam independentes da Geórgia em 1991, mas são reconhecidas apenas por cinco países.
A República Árabe Saaraui Democrática foi declarada independente em 1976, no território do Saara Ocidental, disputado com o Marrocos. Atualmente, 46 países-membros da ONU a reconhecem.
Já a República Turca de Chipre do Norte, que declarou independência do Chipre em 1983, só é reconhecida pela Turquia. Bangladesh e Paquistão chegaram a reconhecer o território como país, mas voltaram atrás por pressão dos Estados Unidos na ONU.

As nações olímpicas

É comum ouvir comentários de "não sabia que existiam tantos países!" na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. Atualmente, 206 nações desfilam apresentando suas delegações, às vezes compostas por um só atleta.
"O reconhecimento de um país em eventos culturais ou esportivos, como a Olimpíada, é visto como um símbolo da existência de uma nação. Aparecer com sua bandeira, seus atletas e seus torcedores dá uma visibilidade importante", afirma Alex Jeffrey.
Mas como o Comitê Olímpico Internacional (COI) chegou a 206 membros? Se contássemos todos os países mencionados neste texto até aqui, seriam 204. E o Vaticano não tem uma delegação olímpica.
A questão é que, durante a maior parte da existência dos Jogos Olímpicos, não era necessário ser um país independente para participar.
Atualmente, participam do COI os 193 membros efetivos da ONU, um dos seus membros observadores, a Palestina, e dois países que têm apenas reconhecimento parcial, Taiwan (chamado de Taipei Chinês) e Kosovo.
Mapa olímpico 1
BBC
Além deles, há dez territórios que, na verdade, são territórios dependentes de outros países: Porto Rico, Ilhas Virgens Americanas, Samoa Americana e Guam (EUA); Ilhas Cayman, Bermudas e Ilhas Virgens Britânicas (parte do Reino Unido); Ilhas Cook (Nova Zelândia); Aruba (Holanda) e Hong Kong (China).
Mapa olímpico 2
Mapa olímpico 3
Desde 1996, o comitê deixou de admitir territórios como este. Os que já estão no grupo permaneceram, mas só novos Estados independentes poderão entrar, como aconteceu com o Sudão do Sul em 2011.
"Não há dúvida de que essas decisões do COI também são políticas. Elas dependem de negociações profundas, porque ser reconhecido nos Jogos Olímpicos é algo usado por muitos territórios e nações para fortalecer o argumento de que são países independentes", diz o geógrafo.
E se falarmos apenas de futebol, há ainda mais nações - mais precisamente, 211. Isso porque no passado, além de admitir alguns territórios dependentes diferentes do COI, a FIFA também deixou que Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte entrassem com seleções separadas.
"Acho que isso acontece porque nós, britânicos, inventamos o jogo e estávamos lá primeiro. Criamos as regras e, durante algum tempo, fazíamos o que queríamos. Agora, não é mais assim", brinca o geógrafo britânico Martin Purvis.

Podemos ter novos países em breve?

Os inícios das décadas de 1960 e 1990 foram os períodos em que mais países entraram, em curto espaço de tempo, na ONU. Entre 1958 e 1960 foram 16, quase todos africanos. Entre 1991 e 1992 foram 13, a maioria do leste europeu.
"Tivemos picos de criação de países por causa da descolonização de países africanos e também na era pós-União Soviética. É difícil imaginar algo assim no futuro próximo", afirma Purvis.
"Mas ainda há Estados que são produto da colonização europeia e, até hoje, não são completamente coerentes. O Sudão, que agora se dividiu, era um deles. Então, é possível que vejamos mais divisões."
Para Alex Jeffrey, as mudanças na geopolítica mundial ainda podem provocar surpresas, mesmo de onde não se esperava.
"É só olhar para o que está acontecendo no Reino Unido. Agora temos a saída da União Europeia e a possibilidade de um novo referendo sobre a independência da Escócia. Se isso acontecer, uma região que pensávamos estar bem definida vai mudar", afirma.
Da próxima vez que lhe perguntarem quantos países há no mundo, talvez seja mais correto responder com outra pergunta: "segundo quem?".
"Nós sempre tivemos essa situação confusa, uma mistura de Estados e não-Estados. Na verdade, o mapa político do mundo é uma ficção. Ele nunca foi organizado, e continua não sendo", diz a geógrafa Fiona McConnel.