segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Sonda Cassini: Chove em Saturno

 
Saturno visto por Cassini
 
Ninguém que ler estas linhas presenciará o que viu a sonda Cassini antes de queimar. Encélado ocultando-se detrás da atmosfera dourada de Saturno. As ondas que Dafne – uma de suas mais de 60 luas – deixa nos anéis do planeta. A turva atmosfera onde a nave se desintegrou em 17 de setembro de 2017, para não poluir os satélites gelados, onde pode haver vida.
O artefato da NASA passou suas últimas horas enviando informação à Terra de forma constante. Fruto dessas transmissões, agora saem na Science seis estudos que explicam, entre outras coisas, o que está acontecendo entre as nuvens mais altas do gigante gasoso e no interior de seus anéis, uma zona até agora inexplorada.
Os dados mostram que essa região está açoitada pela chuva que cai do anel D – o mais próximo do planeta – como um “temporal”, nas palavras de Hunter Waite, autor principal de um dos estudos e líder do espectrômetro INMS que estava a bordo da sonda. “Se você estivesse lá, mal sentiria o impacto das pequenas partículas, mas poderia sentir o cheiro dos gases”, diz o físico do Instituto de Pesquisas do Sudoeste dos EUA.
A chuva sobre Saturno contém água – 95% dos anéis são compostos de gelo –, metano, amoníaco, monóxido de carbono, dióxido de carbono e nitrogênio, mais ou menos o que se esperava, mas também – e isto é uma surpresa – compostos orgânicos, entre eles butano e propano. "Os compostos orgânicos observados parecem similares aos dos cometas, e se postula que esses corpos trouxeram tais compostos à Terra em suas origens", aponta Waite.
Os investigadores estão surpreendidos com a quantidade de material que cai sobre a atmosfera saturnina, umas 10 toneladas por segundo. Mas o impacto dessas “chuvas” é relativo. “Saturno tem 63 vezes a superfície da Terra. O material fica distribuído por uma superfície tão ampla que, se tivesse chovido durante toda a história do Sistema Solar [4,5 bilhões de anos], a acumulação seria de apenas 2,5 milímetros”, detalha Waite.
No entanto, a chuva do anel D altera a composição química das camadas altas da atmosfera do planeta, e é possível que com o tempo mude também a proporção de carbono e oxigênio nas camadas inferiores, que estão em contato com a superfície. O espetacular sistema de anéis, que abrange 300.000 quilômetros, mas tem apenas 10 metros de espessura, se retroalimenta. O anel C descarrega sobre o D e este sobre o planeta, conforme mostra um dos estudos.
A Cassini debruçou-se sobre outra esquisitice de Saturno: seu campo magnético é algo nunca visto. Na Terra, os polos geográficos e os magnéticos estão separados por 11 graus, mas em Saturno estão alinhados com uma diferença de menos de um centésimo de grau. “Até agora acreditávamos que deveria haver certo desalinhamento [entre os polos] para que existisse um campo magnético, mas sua ausência em Saturno parece indicar que temos que repensar tudo o que sabíamos sobre como alguns planetas formam campos magnéticos”, explica Gregory Hunt, pesquisador do Imperial College de Londres e coautor de outro dos trabalhos publicados hoje. Estudar o campo magnético do planeta é crucial, porque pode revelar se Saturno esconde um núcleo sólido em seu interior, uma das maiores perguntas ainda por responder.
A sonda foi lançada em 1997 como parte de uma missão conjunta entre a NASA e a Agência Espacial Europeia, que se encarregou do módulo de aterrissagem Huygens. Desde que este pousou em Titã, seus dados permitiram confirmar a presença de uma atmosfera nessa lua, bem como de lagos e rios de metano que se evapora e forma nuvens que depois voltam a chover sobre a superfície.
A Cassini foi a primeira nave a orbitar Saturno. Desde sua chegada ao planeta, em 2004, fez coisas incríveis, como atravessar as fumarolas dos gêiseres de Encélado, que brotam de um desconhecido oceano sepultado sob o gelo, um dos lugares mais propícios à vida no Sistema Solar. Pouco antes de desaparecer, a missão também confirmou que nas zonas equatoriais de Titã há tempestades de pó como as vistas nos desertos da Terra e de Marte. “Com mais de 13 anos de dados reunidos pela Cassini, passaremos anos, ou mesmo décadas, analisando e fazendo descobertas”, afirma Hunt.
El País

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