Na vida cotidiana, há fatos que são indiscutíveis.
Se duas pessoas, por exemplo, observam uma bola de tênis, ambas aceitarão que ela é uma esfera. Se elas jogam uma pedra para cima, não poderão negar também que o objeto vai voar pelos ares e depois cairá no chão.
Esses são "fatos" e constituem o que chamamos de "realidade". São coisas que continuarão sendo verdadeiras, independentemente de quem as observa, ou mesmo se ninguém as observar.
A questão, no entanto, se complica quando mudamos nosso foco para escalas nanométricas em que, de acordo com a física quântica, as regras que regem nosso mundo parecem não se aplicar da mesma maneira.
Nesse nível, acontecem coisas estranhas que até agora só foram formuladas de maneira teórica, mas um grupo de pesquisadores afirma que, pela primeira vez, foi capaz de demonstrar em um experimento que no nível quântico não há "fatos objetivos" e que a realidade depende de quem a vê.
Pontos de vista
A teoria quântica afirma que o observador de um fato influencia em como esse fato é percebido.
É como dizer que uma mesma bola de tênis para uma pessoa pode representar uma esfera, mas para outra, um cubo.
Para provar isso, físicos da Universidade Heriot-Watt, na Escócia, criaram uma experimento que envolveu quatro observadores: Alice, Amy, Bob e Brian.
Esses personagens não são pessoas. Eles são, na verdade, quatro máquinas sofisticadas em um laboratório.
No teste realizado com eles, Alice e Bob recebiam uma mensagem, que nesse caso era um fóton, ou seja, uma partícula quântica da qual a luz é composta.
Depois, Alice e Bob enviavam esse fóton a Amy e Brian, ou seja, transmitiam a mensagem a eles.
Eis o que surpreendeu os pesquisadores: apesar de Alice e Bob terem enviado a mesma informação a Amy e Brian, os dois últimos a interpretaram de maneira diferente.
O processo é bastante complexo, mas poderia ser exemplificado como um telefone quebrado em que uma mesma mensagem se transforma à medida que passa de uma pessoa para outra.
Este resultado está relacionado a um conceito de mecânica quântica que diz que as partículas podem se entrelaçar e mudar dependendo de quem as observa.
Para entender melhor as implicações do experimento, a BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, conversou com o físico Alessandro Fedrizzi, líder da pesquisa, que trabalha como
professor no Instituto de Fotônica e Ciências Quânticas da Universidade Heriot-Watt.
Qual é a principal contribuição deste experimento?
Esta é a primeira vez que alguém realiza um experimento mostrando que os fatos não são universais no nível quântico.
A mensagem é que na teoria quântica não há fatos objetivos. Isso quer dizer que um mesmo fato não é visto da mesma forma por diferentes observadores.
Isso é algo que normalmente não esperamos na ciência, porque na ciência é muito importante que os fatos sejam iguais para todos que os observam.
Quando falamos de fatos na vida real, são coisas que podem ser verificadas muito rapidamente. O que estamos dizendo é que na teoria quântica, em um nível profundo, os fatos não são objetivos.
Isso quer dizer que os fatos não existem?
Os fatos existem, mas podem ser subjetivos. Na ciência, é muito importante que haja fatos sobre os quais todos possamos estar de acordo, que é o que permite o desenvolvimento científico.
Ocorre que, na teoria quântica, talvez esse não seja o caso, ou seja, diferentes observadores podem ter acesso a diferentes fatos que podem coexistir entre eles.
Na vida cotidiana, isso dificilmente nos afetará, mas significa que teremos de reescrever ou mudar nossa compreensão do que a mecânica quântica realmente significa no nível fundamental.
Este experimento pode ser visto como prova de que 'fatos alternativos' existem?
Eu vi gente tomando este experimento como uma forma de dizer que existem realmente "fatos alternativos". "Essas pessoas sempre vão dizer o que se encaixa em suas crenças, mas nada do que vimos em nossa pesquisa sustenta essas afirmações", disse Fedrizzi.
Existe a realidade em nível quântico?
Ainda há debate sobre se sistemas quânticos têm uma realidade. Esse experimento não redefine o que é a realidade, mas questiona como percebemos essa realidade e afirma que a realidade observada por um indivíduo pode não ser a mesma que outro observa.
Os cálculos usados na ciência não marcam uma linha entre o quântico e o que chamamos de clássico. As fórmulas não nos dão uma regra sobre em que ponto exatamente as coisas deixam de ser clássicas.
Em teoria, eu poderia descrever qualquer coisa, incluindo o universo inteiro, como um sistema quântico, no entanto, experimentalmente ainda estamos tentando descobrir se existe uma fronteira. Até agora, os sistemas que temos conseguido ver que são regidos pela mecânica quântica são muito pequenos, são sistemas de nanogramas ou microgramas.
Como assim?
Eu poderia descrever uma bola de tênis usando as regras da mecânica quântica, mas o que acontece é que as propriedades quânticas que ela possui são imperceptíveis em um objeto tão grande. As quantidades obtidas do tratamento quântico deste grande objeto tão grande nos dizem que os efeitos quânticos nessa escala simplesmente não podem ser observados no mundo real.
Isso não significa que não seja quântico, apenas significa que os efeitos não são visíveis nessa escala. Mas, atualmente, não podemos dizer se a bola de tênis é um sistema clássico ou um sistema quântico.
Qual é o próximo passo?
Gostaríamos de aplicar este experimento com observadores cada vez maiores, talvez um dia com observadores conscientes. Talvez falhe, nesse caso podemos concluir que na verdade existe uma escala acima da qual a mecânica quântica já não se aplica.
Mas se funcionar, uma conclusão pode ser que, mesmo para observadores humanos, as observações podem ser subjetivas.
Nesse ponto, possivelmente precisaremos questionar até mesmo a realidade dos fatos objetivos que percebemos em nossa vida cotidiana.
BBC
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