terça-feira, 2 de julho de 2019

O que é o Bule de Russel, o argumento mais usado nas discussões entre ateus e religiosos

Você está tomando um chá tranquilamente, quando um amigo aparece e diz: "Sabia que no espaço há um bule que gira em torno do Sol?"
 
 
O que você faria?
Provavelmente, sua reação imediata seria pedir uma prova a ele. Onde está o tal bule?
Mas seu amigo lhe diz que não pode mostrá-lo porque ele é tão pequeno que nem o telescópio mais poderoso do mundo consegue detectá-lo.
Embora a ideia pareça uma loucura, mas você acaba aceitando a situação, porque não há como demonstrar que não existe, de fato, um bule viajando pelo espaço.
Seu amigo também não tem provas, mas está convencido de que a teoria é real.
Se os dois estão no mesmo barco, a quem recai a responsabilidade de apresentar evidências sobre a veracidade ou inveracidade do bule?
 
Mãos se unem em fundo cósmico
 
Aparentemente boba, essa discussão é a base de muitos dos mais acalorados debates entre ateus e fiéis.
A analogia descrita acima é conhecida como "Bule de Chá de Russell", porque foi exposta pela primeira vez pelo filósofo e matemático britânico Bertrand Russell em 1952, em um artigo intitulado "Is there God?" ("Deus existe?").
O biólogo evolucionista Richard Dawkins, por exemplo, uma das figuras mais reconhecidas do ateísmo contemporâneo, refere-se ao bule de chá em várias entrevistas e eventos dos quais participa pelo mundo.
Mas o que Russell estava buscando com seu exemplo do bule de chá e que papel essa ideia desempenha nas discussões sobre a existência de Deus?

O bule sagrado

Em sua analogia, Russell reconhece que a ideia do bule espacial é absurda, mas em seguida desenha um cenário com o qual chega ao ponto que lhe interessa.
"Se a existência do bule fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todos os domingos e incutida nas mentes das crianças nas escolas, duvidar de sua existência seria visto como uma excentricidade e o cético mereceria a atenção de um psiquiatra... Ou de um inquisidor", escreveu Russell.
 
Bertrand Russell

Russell, que era ateu, queria mostrar que o fato de muitas pessoas acreditarem em Deus não significava, segundo ele, que tal força realmente existisse.
Ou, em outras palavras, embora seja impossível provar que algo não exista, isso não pode ser tomado como prova de que essa coisa de fato existe.
Seguindo a analogia de Russell, muitos ateus concluem sua argumentação afirmando que quem deve apresentar as evidências são aqueles que acreditam na existência de Deus.
Até agora, dizem, não há provas de que tal ser sagrado seja real, então não veem razão para acreditar nele.
"As alegações que não podem ser provadas, as afirmações imunes à réplica, são realmente inúteis. Não importa o valor que elas possam ter para nos inspirar", escreveu o famoso cosmólogo Carl Sagan em seu livro "O mundo assombrado pelos demônios", no qual, a exemplo de Russell, brincou com a ideia de que em sua garagem havia um dragão invisível.

O ônus da prova

Os fiéis, por outro lado, não sentem que o argumento do bule espacial os force a buscar mais provas da existência de Deus.
"O bule de Russell é pura fantasia", disse o sacerdote, teólogo e doutor em filosofia Gerardo Remolina, ex-diretor da Universidade Javeriana, na Colômbia, durante um debate com Richard Dawkins, em 2017.
"A comparação da realidade de Deus é completamente diferente; [como prova] de Deus estamos vendo a natureza, nossa vida", disse.
 
Balões de fala
 
Outros, como o filósofo Alvin Plantinga, professor da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, sustentam que o argumento do bule não funciona porque parte de uma premissa errada.
Russell afirma que não há como provar que o bule não exista, mas, segundo Plantinga, "temos muitas evidências contra o 'bulismo'", isto é, vestígios indicando que o bule não está no espaço, disse em uma entrevista ao jornal The New York Times em 2014.
Se alguém tivesse conseguido colocar um bule no espaço, continuou o professor, teria sido uma história sobre a qual todos nós já teríamos ouvido falar.
Portanto, em sua opinião, o mesmo raciocínio pode ser aplicado à existência de Deus: se Russell acreditava que Deus não era real, ele deveria ter mostrado provas para apoiar sua teoria.
Nas palavras de Plantinga: "Se, como Russell diz, o teísmo é como o 'bulismo', para justificar-se, o ateu deveria ter uma evidência poderosa contra o teísmo".
Em suma, de acordo com o professor, cabe ao ateu provar que Deus não existe.
Como podemos perceber, a discussão está longe de ser resolvida e pode ser estendida a muitos de nossos dilemas existenciais.
BBC

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