Um novo vírus que já infectou quase 18 mil pessoas em 25 países em 4 continentes é aparentemente menos letal do que aqueles por trás de outros surtos recentes.
Trata-se sem dúvida de uma boa notícia, mas isso representa um desafio maior para o controle do surto atual.
Isso porque um vírus "eficiente" não é aquele que mata seu hospedeiro rapidamente, mas um capaz de estabelecer uma relação de simbiose com o organismo infectado para continuar a se replicar e a ser transmitido.
"Quando um vírus é introduzido em uma espécie, ele costuma causar doenças mais graves no início, mas depois passa por um processo de adaptação e se torna mais brando. Do ponto de vista evolucionário, ele precisa transmitir seus genes adiante. Não adianta matar todos os hospedeiros", diz Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.
Vírus são organismos propensos a sofrer mutações, o que permite que eles saltem de uma espécie para a outra, como teria ocorrido com este coronavírus.
Esse tipo de micro-organismo é comumente encontrado em morcegos e costuma infectar outros animais antes de chegar às pessoas.
Mas essa característica também permite que se eles se tornem melhor adaptados ao organismo humano e menos agressivos, aumentando as chances de convivermos com eles.
Um exemplo é o vírus da herpes: estima-se que cerca de 90% da população mundial tenha ao menos uma de suas variantes.
Outro caso é o HTLV, um retrovírus, da mesma família do HIV. Mas, diferentemente do vírus causador da Aids, estima-se que entre 10 a 20 milhões de pessoas do mundo sejam portadoras, mas apenas 5% desenvolvam doenças.
Um vírus ser ou tornar-se menos agressivo não é necessariamente "uma boa notícia em termos epidêmicos", explica Eduardo Sprinz, chefe do serviço de infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, porque ele é mais facilmente transmitido.
"Em compensação, ele mata menos", afirma Sprinz.
Letalidade em queda
Na última quinta-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a epidemia do novo coronavírus como uma situação de emergência de saúde pública de interesse internacional, ao anunciar que se trata de um "surto sem precedentes".
Até agora, houve mais de 360 mortes causadas pelo 2019-nCov, como é chamado oficialmente o vírus descoberto em dezembro, quase todas na China — exceto uma nas Filipinas. Mas o registro de casos de transmissão entre pessoas em outros países acendeu um alerta para a OMS.
"Não sabemos o tipo de dano que esse vírus pode causar se ele se espalhar em um país com um sistema de saúde mais frágil", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da agência.
Calcula-se que sua taxa de letalidade seja de cerca de 2%, bem abaixo dos índices de outros coronavírus que causaram os surtos da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, na sigla em inglês), que matou 10% dos quase 8,1 mil infectados entre 2002 e 2003, e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers, na sigla em inglês), de 2012, em que 35% dos quase 2,5 mil pacientes morreram.
Segundo Spilki, esse surto "parece ter um perfil bastante diferente das de Sars e de Mers em termos de virulência, porque aquelas epidemias provocaram uma alta letalidade. Com a Sars, a letalidade era estimada em 50% no início, mas depois foram descobertos novos casos, e a taxa caiu. O mesmo está acontecendo agora com este coronavírus."
Como uma epidemia chega ao fim?
Então, como é que um surto provocado por um vírus que "mata menos" e tenta se adaptar para ser mais facilmente transmitido chega ao fim? Há basicamente três formas, segundo especialistas.
"A epidemia pode dizimar toda uma população, o que significaria um fracasso para um vírus, porque ele morre junto", afirma Sprinz.
Um surto também pode acabar se as autoridades de saúde tomarem as medidas necessárias para impedir que haja contato entre pacientes infectados e pessoas saudáveis, evitando novos contágios.
"Foi o que aconteceu com o vírus da Sars, que foi contido com medidas de bloqueio da transmissão e simplesmente desapareceu", afirma Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e diretor-médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, no Rio de Janeiro.
A terceira forma de conter o surto seria com um processo de imunização do hospedeiro. Chebabo diz que isso é uma questão de tempo.
Quanto maior a circulação do vírus, mais pessoas adquirem anticorpos contra ele e ficam imunes, fazendo com que o vírus perca força.
"Um exemplo foi a pandemia de H1N1. No início, ninguém tinha imunidade, e houve uma disseminação enorme, matando muita gente. Mas esse é um processo lento gradual, que pode levar meses ou menos anos", diz o infectologista.
A busca por uma vacina
Uma forma mais eficiente de gerar essa imunização e conseguir erradicar uma doença em seres humanos é ter uma vacina.
A dificuldade diante desta epidemia de coronavírus, em comparação com surtos de gripe, causados pela família de vírus influenza, é que já existiam vacinas para vírus influenza e bastava adaptá-las, mas ainda não há uma vacina para os coronavírus.
O desenvolvimento de uma vacina é um processo longo e demorado e que precisa passar por diferentes fases de estudos com animais e seres humanos para garantir que é segura e eficaz.
"Estão dizendo agora que podem ter uma vacina para o coronavírus daqui a um ano, mas isso não é verdade. Esse processo leva de cinco a dez anos. Olhe, por exemplo, para o caso da epidemia de zika de 2005; até hoje não temos uma vacina. A mesma coisa vai acontecer com este vírus", diz Chebabo.
Por isso, é esperado ao menos por enquanto que o número total de casos confirmados continue a subir, porque a exposição de pessoas ao vírus progride em escala geométrica.
O melhor a fazer no momento é ter ações coordenadas de vigilância epidemiológica e dos serviços de saúde para bloquear a disseminação do novo coronavírus, diz Spilki.
"Isso é fundamental, porque, com o tempo, surgem tratamentos mais eficazes, eliminando o vírus. No longo prazo, se necessário, podemos recorrer à vacinação, mas infelizmente temos que ser pessimistas quanto a essa possibilidade no momento."
BBC
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