Existem duas maneiras de exercer seu direito eleitoral do espaço. Para quem não é americano, o jeito é autorizar um representante legal aqui na Terra - uma pessoa que vai votar por você. Mas no caso dos astronautas dos EUA e de alguns outros países, a coisa é mais fácil, porque o voto pode ser feito digitalmente: o Controle da Missão em Houston, na Terra, envia uma cédula digital em PDF com as opções dos candidatos. Como o voto é secreto, a cédula é protegida por todo o sistema de segurança da NASA (tá bom ou quer mais?) até ser entregue para as autoridades eleitorais.
O processo parece bem simples, e é mesmo. Mas tem um porém: há até pouco tempo, não existia no mundo uma lei que determinasse como os astronautas votariam do espaço, simplesmente porque esse problema não existia - porque as viagens eram curtas e acabavam sendo planejadas para não caírem nas datas de eleições e plebiscitos. Nos anos 1990, porém, tudo mudou: viagens espaciais se alongaram e, de fato, passaram a ameaçar o direito de voto de quem estivesse na missão.
Em 1996, um astronauta chamado John Blaha foi o primeiro a sentir na pele esse problema. Ele foi lançado para a estação espacial Mir (que operou até 2001), mas sua volta da missão foi atrasada e ele percebeu que não conseguiria votar em uma eleição municipal. Foi só aí que a ficha caiu para os outros astronautas, que começaram a se perguntar: e se a mesma coisa acontecer comigo?
Aí, um time liderado por uma astronauta chamada Susan Anderson passou a pressionar o governo do país para criar uma lei que pudesse ajudá-los a votar em órbita. Deu certo: em 1997, o estado do Texas aprovou uma lei que regulamenta o voto espacial. O americano David Wolf, que estava em uma missão russo-americana, foi o primeiro astronauta a votar - em uma eleição local, parecida com a nossa escolha de vereadores, mas ainda assim o pioneiro - e em 2004, Leroy Chiao inaugurou os votos para presidente dos EUA.
Embora esse processo seja específico dos EUA, outros países, como a França, o Reino Unido, a Suíça e a Estônia, também permitem os votos digitais - então, teoricamente, os astronautas dessas nações podem escolher seus representantes do mesmo jeito que os americanos, por uma cédula em PDF. Enquanto isso, os astronautas de outras nacionalidades precisam de uma mãozinha terráquea (ou justificar a ausência, se o voto for obrigatório no país e ninguém puder ajudar).
Um exemplo dessa ajuda da Terra foi o russo Mikhail Tyurin. Em 2007, ele participou das eleições para deputados da Rússia, direto da Estação Espacial Internacional, e precisou de um representante legal na Terra - o escolhido foi Alexandr Lazutkin, um de seus colegas astronautas. Mas foi complicado: Lazutkin teve que se comunicar com Tyurin por um link (um tipo de ligação), aqui da Terra, na qual o astronauta em órbita contou ao colega em quem votaria. Durante essa conversa, para garantir o voto secreto, só Lazutkin ficou na sala de comando, anotando as escolhas do amigo. Depois, no dia da eleição, ele assinalou a cédula de Tyurin e - finalmente - a depositou na urna.
Se dá tanto trabalho, como é que os governos do mundo ainda não regulamentaram o voto espacial? É que, na verdade, essa situação é rara: até agora, menos de dez pessoas votaram do espaço. Só para dar uma ideia, hoje, só três pessoas estão em órbita (a americana Kate Rubins, o russo Anatoli Ivanishin e o japonês Takuya Onishi). Então não é como se a demanda fosse gigantesca - fora que existem pautas mais urgentes em jogo em solo terrestre.
O legal é que a luta dos astronautas por um jeito de votar mostra que a gente, aqui da Terra, não precisa ter preguiça da democracia. "Parte de ser um astronauta é tentar servir de exemplo. Nossa ideia é encorajar as pessoas a pensar 'se esses caras podem votar do espaço, eu posso andar algumas quadras até meu local de voto'", disse Leroy Chiao para o The Atlantic.
Exame.com
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