domingo, 29 de janeiro de 2017

Anúncio da fabricação de hidrogênio metálico atrai expectativa e ceticismo


Em vídeo da Universidade Harvard, o pós-doutorando Ranga Dias explica o experimento
Foto: Reprodução
 
Elemento mais simples e comum do Universo, o hidrogênio tem o potencial de revolucionar o futuro da Humanidade. Já usado sob diversas formas em tecnologias avançadas como células de combustível e como propelente de foguetes, por exemplo, acredita-se que submetido a condições extremas de temperatura e pressão ele, normalmente encontrado como um gás molecular (H2), assuma uma configuração sólida parecida com a de um metal, adquirindo com isso propriedades literalmente extraordinárias.

Chamado hidrogênio atômico metálico, a existência do elemento neste estado foi teorizada há quase cem anos, mas sua produção mostrou-se muito mais difícil do que se pensava inicialmente. Depois de décadas de tentativas, porém, agora uma dupla de físicos da Universidade de Harvard, EUA, anunciou ter conseguido fabricá-lo em laboratório pela primeira vez, atraindo ao mesmo tempo uma onda de expectativa quanto às suas possíveis aplicações e outra de ceticismo quanto a terem de fato realizado o feito.
- Este é o cálice sagrado da física de altas pressões – resume Isaac Silvera, professor de ciências naturais de Harvard e um dos autores da façanha, relatada em artigo publicado na edição desta semana da prestigiosa revista “Science”. - É a primeira amostra da História de hidrogênio metálico na Terra, então quando você olha para ele, vê algo que nunca existiu antes.
Para produzir o hidrogênio metálico, os cientistas usaram uma prensa de diamante para espremer uma pequena quantidade do elemento resfriado a cerca de -270 graus Celsius a um recorde de 495 bilhões de pascais, quase 5 milhões de vezes a pressão atmosférica a nível do mar e mais até do que a pressão no núcleo de nosso planeta. Segundo eles, neste processo a amostra passou de um estado líquido, e depois sólido, molecular transparente para o de um sólido ainda molecular opaco até que finalmente as ligações entre os átomos se quebraram e eles formaram uma estrutura cristalina em que passaram a dividir elétrons livres, tornando-se condutores, e o material se tornou altamente reflexivo, ambas características típicas dos metais.
 
- Foi realmente excitante – lembra Silvera. - Ranga (Dias, o outro físico responsável pelo feito) estava conduzindo o experimento e achávamos que poderíamos chegar lá, mas quando ele me ligou e disse “a amostra está brilhando”, corri para o laboratório e ali estava o hidrogênio metálico.
Para Silvera, embora o trabalho abra uma nova janela para a compreensão do comportamento do hidrogênio e outros gases sob altíssimas pressões, ele é ainda mais importante por suas implicações na ciência e engenharia 
materiais.
- Uma previsão muito importante é de que o hidrogênio metálico seja metaestável – conta. - Isto significa que se você remover a pressão, ele continuará metálico, de uma maneira similar que os diamantes se formam do grafite sob intensos calor e pressão, mas continuam diamantes quando a pressão e o calor são retirados.
E, se de fato a dupla produziu hidrogênio metálico, já há indicações de que o material pode mesmo ter esta rara propriedade. Na bancada do laboratório onde a amostra ainda está sob enorme pressão do equipamento usado, conhecido como célula de bigorna de diamante, elas já permitiram que ela “esquentasse” até ainda extremamente gélidos -190 graus Celsius sem mudar sua aparência brilhante. Caso isto também se confirme, o hidrogênio metálico poderia ter uma enorme gama de aplicações, a começar porque também seria um material supercondutor, isto é, que permite a passagem de correntes elétricas sem resistência, à temperatura ambiente, algo que
cientistas ao redor do mundo ainda lutam para produzir.
- Isto seria revolucionário – destaca Silvera. - Até 15% da energia que geramos é perdida pela dissipação durante a transmissão, então se você puder fazer fios com este material e usá-los na rede elétrico, mudaria essa história.
Supercondutor, o hidrogênio metálico também poderia ser usado para armazenar energia de forma mais eficiente, já que uma corrente poderia ser
mantida circulando por ele indefinidamente sem perdas até que fosse necessária. Mas além de transformar radicalmente a vida na Terra, o hidrogênio metálico tem o potencial de revolucionar a presença humana no espaço como o combustível de foguetes mais poderoso já descoberto.
Atualmente, o elemento resfriado à sua forma líquida molecular é um dos principais propelentes usados na área, reagindo com oxigênio também resfriado e líquido para gerar o que se chama de “impulso específico”.
 
Medido em segundos, o impulso específico indica o quão rápido uma mistura de propelentes é expulsa pelo bocal de um foguete. E enquanto as mais poderosas misturas usadas hoje têm uma impulso específico de cerca de 450 segundos, uma com hidrogênio metálico pode ser quase quatro vezes mais forte, chegando teoricamente a 1.700 segundos.
- Isto facilmente nos permitiria explorar os planetas do Sistema Solar exterior – aponta Silvera. - Poderíamos colocar foguetes em órbita usando apenas um estágio, contra os dois usados atualmente, e mandar para o
espaço cargas maiores e mais pesadas.
Alguns especialistas, e concorrentes da dupla, no campo da física de altas pressões, no entanto, têm sérias dúvidas de que a minúscula amostra levemente avermelhada mantida na prensa no laboratório de Harvard, menor que um décimo da espessura de um fio de cabelo, é mesmo hidrogênio metálico. Eles argumentam, por exemplo, que o brilho observado pode estar vindo de contaminação pelo revestimento de alumina usado para impedir que o hidrogênio se infiltre entre os átomos de carbono dos cristais de diamante sob as gigantescas pressões dos experimentos ou de pedaços lascados do suporte onde a amostra foi depositada. Outro problema é que, para evitar que os diamantes da prensa se quebrassem, a suposta pressão recorde a que a amostra está submetida só foi medida uma vez ao fim do experimento e de maneira pouco confiável.

- A palavra lixo não é suficiente para descrever isso (o experimento) – atacou Eugene Gregoryanz, físico de altas pressões da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, em entrevista à própria “Science” e para quem os métodos e procedimentos usados pela dupla de Harvard, e portanto também suas conclusões, são questionáveis.
- Do nosso ponto de vista, (o experimento) não é convincente – reforçou Mikhail Eremets, que tenta produzir hidrogênio metálico no Instituto Max Planck de Química em Mainz, Alemanha, e no fim de 2011 anunciou sucesso na fabricação do material, apenas para depois também ver suas alegações derrubadas por outros cientistas.
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