Pouco antes de começar, o torneio de Roland Garros proporcionou neste domingo uma jornada lúdica e calorosa em que as crianças parisienses puderam curtir seus heróis de perto. Participaram do tradicional Kid’s Day ídolos como Rafael Nadal, Novak Djokovic e Maria Sharapova, que arrancaram sorrisos e ovações com uma divertida exibição na quadra central de um belo complexo que lentamente vai mudando de fisionomia por exigência dos novos tempos. Na corrida para a modernidade, o grande torneio francês está atrás dos outros três Grand Slams, mas há um ano implantou um plano de reestruturação ambicioso para ficar no mesmo nível do Aberto da Austrália, Wimbledon e do Aberto dos Estados Unidos. Mas sem perder a essência ou esquecer as raízes. Paris é Paris, la grandeur est la grandeur (a grandeza é a grandeza) e Roland Garros é Roland Garros. História pura.
Ontem, nas ruas ao redor do complexo, muitos fãs carregavam orgulhosamente uma pequena revista em que não apareciam Nadal, Djokovic e Sharapova; na verdade, não havia tenista algum em suas páginas. Na capa, um retrato antigo de um homem com olhar desafiador, perfilado, com uma boina de trás para a frente e um curioso bigode. Uma imagem que, aparentemente, o faz ter muito pouco a ver com a raquete. Aparentemente
Tratava-se de Roland Garros, l’homme qui flirtait avec les nuages (o homem que flertou com as nuvens), como o descreveu uma manchete da revista Paris Match. O mito, o combatente, o aviador que flertava com as nuvens e que, ao contrário do que muita gente pensa, nunca jogou tênis profissionalmente. Porque foi um símbolo, herói nacional e origem do nome do grande torneio francês em 1928, mas nunca tenista.
Neste ano completam-se exatamente 100 anos de sua morte e Paris prepara eventos de grande pompa que acontecerão ao longo das próximas duas semanas. “Tudo é pouco para homenageá-lo”, diz o diretor do torneio, o ex-jogador Guy Forget, para recordar Eugène Adrien Roland Georges Garros, pioneiro da aviação nascido na Ilha da Reunião, no sudeste da África, que morreu 30 anos depois durante um combate nas Ardenas, perto de Vouziers. Um homem que deixou sua marca no ar e na memória histórica da França, pois se tornou o primeiro piloto que conseguiu cruzar o Mediterrâneo sem paradas, em 1913, em uma travessia que começou em Fréjus e terminou em Bizerta (Tunísia), em menos de seis horas.
Tenista e ciclista amador, naquele mesmo ano conseguiu estabelecer um novo recorde de altitude, atingindo 18.410 pés, e um ano depois, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, alistou-se voluntariamente nas forças aéreas do exército francês. Sua perícia nas nuvens não impediu que realizasse em 1915 um pouso de emergência na Alemanha, onde foi capturado. Permaneceu durante três anos em um campo de prisioneiros, mas conseguiu fugir usando um uniforme do inimigo. Depois de passar pela Holanda e pelo Reino Unido, voltou a Paris e retomou o combate. Pilotava um SPAD S.VII, mas um Fokker D VII das forças inimigas o abateu e ele morreu em 1918, quando não tinha completado 30 anos.
‘Mort pour la France’ e outras honrarias
Pioneiro também no desenvolvimento de um sistema de metralhadoras que permitia disparar através das hélices o avião, após a morte foi ganhando reconhecimento. Mort pour la France – distinção nacional em honra aos caídos em combate e oficial da Legião de Honra, em 1928 foi homenageado para sempre. Um ano antes, seus compatriotas René Lacoste, Henri Cochet, Jacques Brugnon e Jean Borotra – conhecidos como Os Quatro Mosqueteiros do tênis francês – derrotaram os Estados Unidos na Copa Davis, em uma série decidida na Filadélfia. Para sediar a final, a Federação Francesa de Tênis (FFT) decidiu construir um estádio em menos de um ano, muito perto da Porte d’Auteuil, que recebeu o nome de Roland Garros.
O precedente aponta para 1891, quando surgiu o Campeonato da França, mas o nome definitivo (Les Internationaux de France de Roland-Garros) ficou inscrito depois de o aviador ter sido abatido, há 100 anos. Por isso é lembrado por seu país e pelo tênis. “Champion des Champions”, sugere uma definição daquela época. Campeão nas alturas, mas não tenista.
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