Uma cerveja fria em um dia de calor ou um copo de whisky junto ao fogo. Um merecido drinque pode liberar a mente até fazer com que alguém se sinta capaz de penetrar os mistérios da vida, da morte, do amor e da identidade. Em momentos assim, pode parecer que o álcool e os cosmos estão intimamente ligados.
Por isso, talvez não devemos ficar surpresos que o universo nade em álcool. No gás que ocupa o espaço entre as estrelas, ele é quase onipresente. O que faz ali? Chegou a hora de enviar foguetes para começar a recolhê-lo?
Os elementos químicos que nos rodeiam refletem a história do universo e das estrelas que existem nele. Pouco depois do Big Bang, em todo o cosmo em processo de expansão e resfriamento, formam-se os prótons. Estas partículas são o núcleo dos átomos de hidrogênio e são peças fundamentais dos núcleos de todos os outros elementos.
Eles foram formados, em sua maioria, a partir do Big Bang, pelas reações nucleares no denso e quente interior das estrelas. Os elementos mais pesados, como o chumbo e o ouro, são formados apenas em estrelas maciças pouco frequentes ou em episódios incrivelmente explosivos.
Outros mais leves, como o carbono e o oxigênio, sintetizam-se no ciclo vital de muitas estrelas correntes e, com o tempo, também no próprio sol. Como o hidrogênio, são alguns dos mais comuns no universo. Nos vastos espaços interestelares, o normal é que 88% dos átomos sejam de hidrogênio, 10% de hélio e os outros 2% principalmente de carbono e oxigênio.
O que é uma notícia incrível para os que gostam de dar um trago. Cada molécula de etanol, o álcool que tanto prazer nos proporciona, contém nove átomos: dois de carbono, um de oxigênio e seis de hidrogênio. Por isso, a fórmula química C₂H₆O. É como se o universo tivesse se convertido deliberadamente em uma monumental destilaria.
Ressaca interestelar
Os espaços entre as estrelas são chamados de meio interestelar. A famosa nebulosa de Órion talvez seja o exemplo mais conhecido. É a região da formação É a região da formação das estrelas mais próximas da Terra, visível ao olho nu, embora esteja a mais de 1.300 anos-luz.
Se nos fixamos normalmente nas zonas de calor das nebulosas como Órion, de onde se originam as estrelas, não é delas a procedência do álcool. As estrelas nascentes produzem uma intensa radiação ultravioleta que destrói suas moléculas próximas e dificulta a formação de novas substâncias.
Ao contrário, devemos prestar atenção às zonas do meio interestelar, que aos olhos dos astrônomos aparecem turvas e obscuras, apenas levemente iluminadas pelas longínquas estrelas. O gás que há nesses espaços está extremamente frio, pouco abaixo dos 260º C negativos, 10º C acima do zero absoluto. Isso faz com que seja muito pouco ativo.
Também está extraordinariamente disperso. Segundo meus cálculos, na Terra e ao nível do mar, há mais ou menos 3x1025 moléculas por metro cúbico de ar; ou seja, um três seguido de 25 zeros, o que é uma cifra muito elevada. A 10.000 metros, ou seja, na altura de um avião com passageiros, a densidade de moléculas é aproximadamente um terço desse valor, digamos 1x1025. No lado de fora do avião, seria difícil respirar, mas, ainda assim, continua sendo uma boa quantidade de gás em termos absolutos.
Agora, vamos compará-los com as zonas obscuras do meio interestelar, onde o normal é que haja 100.000.000.000 partículas por metro cúbico, ou, o que dá no mesmo, 1x1011. E, muitas vezes, até mesmo menos do que isso. Esses átomos raramente se aproximam o suficiente um dos outros para interagir. Mas, quando o fazem, podem formar moléculas menos propensas a se despedaçar, devido a futuras colisões em alta velocidade, do que quando o mesmo acontece na Terra.
Se, por exemplo, um átomo de carbono encontra-se com um átomo de hidrogênio, eles podem se unir e formar uma molécula chamada metilidina (sua fórmula química é CH). A metilidina é altamente reativa. Por isso, na Terra, é destruída rapidamente. Mas é frequente no meio interestelar.
As moléculas simples como esta têm mais liberdade para se encontrar com outros átomos e moléculas e formar, pouco a pouco, substâncias mais complexas. Às vezes, as moléculas serão destruídas pela radiação ultravioleta das estrelas longínquas, mas esta radiação também pode transformar as partículas em versões ligeiramente diferentes de si mesma, chamadas íons, ampliando paulatinamente a gama de moléculas que podem ser formadas.
Fuligem e aguardente
Nestas condições tênues e frias, uma molécula de nove átomos, como o etanol, pode demorar um tempo extremamente longo para se formar. Muito maior do que os sete dias em que se deve fermentar a cerveja caseira no sótão, para não falar do tempo que demora para chegar à adega.
Mas contamos com a ajuda de outras moléculas orgânicas simples, que começam a se aglomerar para formar grãos de pó parecidos com a fuligem. Nas superfícies destes grãos, as reações químicas acontecem mais rapidamente porque, perto deles, as moléculas conservam sua coesão.
Por isso, as regiões frias e cheias de fuligem, possíveis futuros berços de estrelas, facilitam a aparição mais rápida das moléculas complexas. A partir das linhas espectrais diferentes das diversas partículas presentes nessas regiões, podemos dizer que nelas há água, dióxido de carbono, metano, amoníaco e também muito etanol.
Nesse caso, quando digo muito, temos que levar em consideração a enormidade do universo. E, mesmo assim, estamos falando apenas de aproximadamente um em cada 10 milhões de átomos e moléculas. Suponhamos que fosse possível viajar pelo espaço interestelar com um copo de cerveja, recolhendo apenas álcool durante o deslocamento. Para reunir a quantidade suficiente para um copo de cerveja, teríamos que viajar mais ou menos meio milhão de anos-luz, muito mais longe do que a extensão da nossa Via Láctea.
Resumindo, no espaço exterior há uma quantidade alucinante de álcool, mas, como está disperso por distâncias verdadeiramente imensas, as lojas de bebidas podem ficar tranquilas. Sinto dizer que as rãs criarão pelos antes de descobrirmos como recolhê-lo.El País
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