terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Amazônia: O que ameaça a floresta em cada um dos seus 9 países?

Ilustração Amazônia
 
Em agosto de 2019, o aumento dos focos de incêndio no Brasil e na Bolívia chamou a atenção do mundo novamente para a pressão sobre a Floresta Amazônica.
Segundo pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o fogo estava diretamente ligado ao desmatamento.
Nos dois países, a grilagem de terras e a expansão da fronteira agropecuária são apontadas por especialistas como as principais causas do aumento da destruição da floresta, algo que os governos negam.
Juntamente com a mineração, a retirada de madeira e a exploração econômica descontrolada, essas atividades estão por trás das taxas de desmatamento crescentes em todos os nove países amazônicos (contando com a Guiana Francesa, território ultramarino da França).
 
Mapa de localização do bioma amazônico
Gráfico do território que a Amazônia ocupa e de quanto pertence a cada país
 
Aqui se encontra a principal questão que opõe governos, ambientalistas, empresas e indígenas: os planos de desenvolver atividades econômicas na região se chocam, muitas vezes, com a preservação do ecossistema e de seus povos nativos.
“Não podemos vilanizar as atividades econômicas na floresta. Se tivermos clareza do que queremos fazer com essa região, podemos buscar empreendimentos que façam sentido ali, com a melhor tecnologia possível, que gerem cadeias produtivas envolvendo a população e ajudando na conservação”, diz à BBC News Brasil Natalia Hernández, especialista da Fundação Gaia Amazonas e da Raisg.
“Mas o que temos hoje são discursos contraditórios dos governos e obras que contribuem com o desmatamento, mas não resolvem os problemas reais das pessoas que vivem na Amazônia.”
Os processos de desmatamento que acontecem nesses países, independentemente das políticas de cada governo, afetam o ecossistema de toda a região, inclusive dos países que não têm Amazônia.
Isso acontece por causa do papel essencial que a floresta desempenha: distribuir a umidade que vem do Oceano Atlântico por toda a América do Sul, regular o clima da região e capturar grandes quantidades de dióxido de carbono, o principal gás causador do efeito estufa.
 
Gráfico sobre como a Amazônia distribui a chuva na América do Sul
“Essa espécie de quadrilátero formado entre o centro-sul do Brasil e a bacia do Rio da Prata seria desértica se não fosse a Amazônia”, diz à BBC News Brasil o climatologista Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“É assim que funcionam outros locais do mundo que ficam nestas latitudes. As pessoas não fazem ideia do que significaria perder esse magnífico sistema hidrológico.”
Se essas taxas de desmatamento e degradação da floresta não forem revertidas, dizem os cientistas, as consequências da mudança climática podem ser aceleradas em todo o planeta. Que atividades provocam esse desmatamento? Quanto da floresta original foi perdida em cada país? E o que os governos estão fazendo?
Bolívia
Área de Amazônia: 48.004.900 hectares
 
Os incêndios na Bolívia, que começaram em maio de 2019, destruíram quase 2 milhões de hectares de Floresta Amazônica (o equivalente a 17 vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro), segundo a ONG de monitoramento Fundación Amigos de la Naturaleza.
E quase a metade disso aconteceu em áreas protegidas, conhecidas pelo alto índice de biodiversidade.
O governo do então presidente Evo Morales autorizou, por decreto, o corte de árvores e as queimadas para atividades agrícolas na região amazônica, o que provocou protestos de grupos indígenas.
Morales também foi acusado por ambientalistas de estimular o desmatamento com uma política de venda de terras a fazendeiros e distribuição a camponeses.

A expansão acelerada da fronteira agropecuária ocorre principalmente para o plantio de soja e pecuária, atividades cada vez mais importantes na economia do país, com a expectativa de abertura do mercado chinês a estes produtos.
Em agosto de 2019, Morales celebrou, em Santa Cruz, a exportação do primeiro lote de carne bovina à China. A região também foi a mais afetada pelos incêndios no mesmo período, e já havia sido a responsável por quase metade da produção de soja da Bolívia em 2018.
 
Em resposta às críticas que recebeu durante a crise dos incêndios, Morales interrompeu a venda de terras a fazendeiros em Chiquitanía, decretando o que chamou de “pausa ecológica”.
O Ministério de Meio Ambiente e Água da Bolívia foi questionado sobre a atual estratégia para controlar os incêndios e reduzir o desmatamento no país, mas não respondeu até a publicação dessa reportagem.
A Bolívia já perdeu cerca de 8% da sua Floresta Amazônica original.




Brasil
 
Área de Amazônia: 421.335.900 hectares
O Brasil, que abriga a maior parte da Floresta Amazônica, ganhou elogios internacionais por causa da queda drástica no desmatamento entre 2004 e 2012. Em quase 10 anos, a redução acumulada chegou a 80%.
Mas, desde então, a perda de floresta voltou a crescer.
Em novembro de 2019, o governo apresentou dados que confirmavam as previsões dos especialistas: entre agosto de 2018 e julho de 2019, o desmatamento na região amazônica aumentou quase 30% em relação ao ano anterior.
Quase 9,8 mil km2 (980 mil hectares) foram perdidos, a maior área desmatada desde 2008.
Mas, esses números não incluem o mês de agosto de 2019, em que o crescimento do número de alertas de incêndio na região levou o tema para o topo da lista de polêmicas do governo de Jair Bolsonaro.
Em agosto, o Inpe registrou 30.901 focos de incêndio no bioma amazônico, um número acima da média histórica para o período entre 1998 e 2018.

Fogo, desmatamento e gado

Inicialmente, o presidente chegou a dizer que os dados do Inpe eram “mentirosos” e acusou o então diretor Ricardo Galvão de estar “a serviço de alguma ONG”. Galvão respondeu às críticas dizendo que os comentários do presidente eram "impróprios" e foi exonerado do cargo dias depois.
A reação do presidente provovou reações negativas dentro e fora do país.
Apesar de o governo ter afirmado que o número maior de queimadas era consequência da estação seca, uma nota técnica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e da Universidade Federal do Acre afirmou que a alta nos incêndios está diretamente relacionada ao desmatamento.

Incêndio em Porto Velho em 17 de setembro de 2019

O pior mês de incêndios na Amazônia brasileira desde 2010.
“Os dez municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento. Estes municípios são responsáveis por 37% dos focos de calor em 2019 e por 43% do desmatamento registrado até o mês de julho”, diz a nota.
A prática das queimadas funciona como uma espécie de consolidação do desmatamento de uma área para atividades econômicas, segundo Erika Berenguer, especialista em florestas tropicais da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
“A floresta derrubada fica um tempo secando no chão, geralmente por meses, para perder umidade suficiente. Depois colocam fogo nela, para tirar a vegetação e plantar capim. Cerca de 70% da área já desmatada da Amazônia brasileira é usada para pastagem de gado”, afirma.

De acordo com a a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 80% da perda de floresta na Amazônia brasileira está direta ou indiretamente ligada à pecuária.

O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e da Associação Brasileira de Indústrias Exportadoras de Carne Bovina (Abiec).
A pecuária é responsável por mais de 7% do PIB do país, e a carne corresponde a cerca de 4,6% das exportações brasileiras.
De fato, no último ano, os locais com as maiores taxas de desmatamento estão próximos às cidades onde ficam alguns dos maiores rebanhos do Brasil.
Atualmente, cerca de 40% do gado no país está nos Estados amazônicos.
No entanto, essa não é a história completa.

Gado em Paragominas, no Pará

O primeiro uso que se dá às terras desmatadas no Brasil é a pecuária. Mas o objetivo não é necessariamente ganhar dinheiro com essa atividade. É ganhar dinheiro com a venda das terras.” Marcelo Stabile, Ipam
A Amazônia brasileira tem cerca de 60 milhões de hectares que são considerados áreas públicas, ou seja, não têm uso legal definido pelo governo. Não são áreas de conservação, nem reservas extrativistas, nem territórios indígenas, por exemplo.
“As pessoas grilam essas terras, desmatam e colocam algumas cabeças de gado, que é a maneira mais barata de ocupá-las”, disse o engenheiro agrônomo Marcelo Stabile, pesquisador do Ipam, à BBC News Brasil.
O próximo passo, segundo Stabile, é conseguir ilegalmente um título de propriedade da terra e vendê-la. Em seguida, os grileiros buscam outro trecho de floresta e, assim, sucessivamente.
“Muitas vezes essas terras são vendidas a grandes pecuaristas, que podem ser pessoas de boa ou de má fé”, explica.
Esse processo é frequente no Brasil se repete, de maneira muito semelhante, em outros países amazônicos como Colômbia, Equador e Peru.
Os novos dados de desmatamento mostram que a proporção de áreas grandes (com mais de 500 hectares) desmatadas entre 2018 e 2019 foi a maior em dez anos. Isso, segundo os especialistas, indica que grandes produtores também podem estar diretamente envolvidos na grilagem de terras.
“Obviamente, o tamanho da área desmatada indica o poder de quem está desmatando. Não é uma tarefa barata derrubar 500 ou mil campos de futebol na Amazônia. É preciso ter máquinas, contratar gente”, diz o pesquisador do Ipam.

Gráfico de cabeças de gado na região amazônica brasileira

Pesquisadores estimam que para derrubar e limpar apenas um hectare de floresta são necessários cerca de R$ 1,2 mil.
Mas, de acordo com Stabile e outros pesquisadores, o Brasil poderia duplicar ou até triplicar seus rebanhos sem desmatar nem um hectare a mais.
“O que está acontecendo ali é especulação de terra, esse é o grande motor do desmatamento. Se o governo desse um destino a essas terras públicas, a grilagem deixaria de ser lucrativa”, afirma.
Em janeiro de 2020, o presidente Bolsonaro assinou uma Medida Provisória que abre caminho para que parte das áreas públicas desmatadas ilegalmente até dezembro de 2018 passe para os desmatadores. Críticos dizem que a decisão estimula a destruição da floresta, mas o governo diz querer desburocratizar a concessão de títulos a agricultores “que ocupam terras da União de forma mansa”.

Acusações de estímulo ao desmatamento

Ambientalistas e pesquisadores afirmam que as declarações e políticas de Bolsonaro têm estimulado a grilagem e o desmatamento, algo que o presidente brasileiro nega.
Desde que assumiu, Bolsonaro afirmou que acabaria com o que chamou de “indústria de multas ambientais” e afirmou que o país tem áreas de conservação e territórios indígenas demais. O governo também quer abrir territórios indígenas à mineração.
Segundo dados do Inpe compilados pelo Instituto Socioambiental, entre agosto de 2018 e julho de 2019 o desmatamento dentro de terras indígenas foi o maior desde que a taxa começou a ser medida, em 2008.
Entre janeiro e setembro de 2019, os ataques e invasões a terras indígenas no Brasil subiram mais de 40% em relação ao ano anterior, segundo dados do Conselho Indigenista Missioneiro (Cimi). Os ataques são atribuídos a grileiros, garimpeiros e pessoas envolvidas com a extração ilegal de madeira.
O Ministério do Meio Ambiente foi questionado sobre a atual estratégia para reduzir o desmatamento, mas não respondeu até a publicação dessa reportagem.
No final de janeiro, por meio de uma rede do social, Bolsonaro anunciou a criação de um Conselho da Amazônia e de uma Força Nacional Ambiental, para atua na “proteção, defesa e desenvolvimento sustentável da Amazônia”, mas não deu detalhes de como estes órgãos funcionaríam.
O Brasil já perdeu aproximadamente 18% da sua Amazônia original.




Colômbia
Área de Amazônia: 48.529.100 hectares
Em 2017, o desmatamento na Amazônia colombiana foi um dos maiores entre os países amazônicos e o mais alto na história do país, com perda de 144 mil hectares de floresta — o dobro do ano anterior.
O pico é uma consequência do acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em 2016, que deixou um vácuo de ocupação nas áreas de floresta.
Junto com o desarmamento, o acordo com o ex-presidente Juan Manuel Santos significou o abandono das áreas ocupadas pelas Farc no território nacional — boa parte delas dentro da Amazônia.

Perda de floresta primária na Colômbia 2001-2018

                     Líderes comunitários disseram à imprensa local que as Farc funcionavam como uma espécie de autoridade ambiental, impondo regras aos camponeses sobre quando era permitido desmatar ou queimar para agricultura e criação de gado.
“Antes, os agentes do governo não se aproximavam da região amazônica por causa da presença das Farc que, para sua proteção, tinham interesse em manter a floresta de pé. Por isso, eles impunham limites rígidos”, disse o colombiano Rodrigo Botero, diretor da Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável, à BBC News Brasil.
Agora, segundo Botero, há na Colômbia uma corrida pela grilagem de terras amazônicas que envolve grandes empresários, políticos, narcotraficantes e outros grupos paramilitares como o Exército de Liberação Nacional (ELN).
“Na ponta do desmatamento estão pequenos agricultores, mas as terras são compradas por grupos com poder econômico, seja de traficantes ou empresários. Há um mercado de terra, e o governo não tem capacidade de frear isso”, afirma Botero.
 
Militares colombianos patrulham o rio Guayabero, pero da região de La Macarena, em 2010

Em resposta ao problema, o governo colombiano criou, em 2018, o Conselho Nacional de Luta contra o Desmatamento. Segundo o Ministério do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o grupo tem a função de identificar núcleos de desmatamento e suas causas, além de recomendar as ações necessárias.
Uma resolução de 2018 também passou a considerar que a proteção da água, da biodiversidade e do meio ambiente passam a ser prioridades na estratégia de segurança nacional do país, disse o Ministério, por e-mail, à BBC News Brasil.
Agora, por lei, a administração poderá intervir em parques nacionais amazônicos que sejam afetados por atividades ilegais.
As áreas a priorizar contêm importantes reservas de recursos naturais que devem ser protegidos. Aí ocorrem atividades ilícitas que os destroem, fundamentalmente relacionadas ao narcotráfico, à extração ilegal de minerais e ao aproveitamento ilegal da flora e da fauna.” Ministério do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia
Entre as ações do governo colombiano também estão operações militares contra a grilagem em parques nacionais e programas para gerar incentivos financeiros à conservação.
 
 
 
Em 2018, o desmatamento teve uma queda de apenas 4% em relação ao ano anterior. Segundo o próprio governo, quase metade da derrubada de florestas foi causada pela grilagem.
A região amazônica colombiana perdeu, até 2018, cerca de 11,7% de sua floresta original. Deste total, 14% foi desmatado nos últimos oito anos.
 
Equador
Área de Amazônia: 10.345.700 hectares
No norte do Equador, o cultivo de dendê é a principal ameaça às áreas de floresta, segundo especialistas.
O azeite de dendê, um importante produto na economia do país, é usado na produção de alimentos industrializados como chocolates e biscoitos, em maquiagens, em cosméticos e em combustíveis em todo o mundo.
O Equador é o segundo maior produtor de dendê na América Latina e o sexto no mundo. A produção na Amazônia equatoriana representa aproximadamente 13% do total.
A expansão das fronteiras dos cultivos de dendê e de cacau nos últimos 10 anos é apontada como o principal motor do desmatamento pela Global Forest Watch e pelo Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (Maap).

Perda de floresta primária no Equador 2001-2018

                  
Isso é especialmente preocupante porque, apesar de ocupar somente cerca de 2% do bioma amazônico, é no Equador que estão as regiões com maior diversidade da floresta. Em um só hectare no Parque Nacional Yasuní, foram identificadas 670 espécies de árvores — mais do que em toda a América do Norte.
E, segundo um estudo do Instituto Nacional de Biodiversidade do país, cerca de 40% a 60% das espécies de árvores da Amazônia equatoriana ainda são desconhecidas.
 
Araras e papagaios na Floresta Amazônica no Equador
 

Grandes projetos de mineração

Mirador, uma mina de cobre, ouro e prata a céu aberto que já está sendo instalada em duas províncias amazônicas, será o maior projeto de mineração industrial no país, mas não o único.
O governo afirma que a mineração industrial na região, administrada por uma empresa chinesa, será feita de maneira responsável e que os lucros com a atividade permitirão investir na infraestrutura local.
 
“As minas estão em áreas onde podemos ter consequências muito ruins. Além do desmatamento, não sabemos exatamente onde vão colocar as barragens de rejeitos, nem como isso será monitorado”, disse a equatoriana Carmen Josse, diretora científica da Fundação EcoCiencia, à BBC News Brasil.
São áreas de topografia acidentada e muito biodiversas, com nascentes de rios. Não queremos um acidente como em Brumadinho, no Brasil.” Carmen Josse, Fundação EcoCiencia
O governo do Equador foi questionado a respeito de sua estratégia para evitar que a mineração em grande escala contribua com o desmatamento na região, mas não respondeu até a publicação dessa reportagem.
Até hoje, o Equador perdeu cerca de 10% de sua Amazônia.



Guiana Francesa
 
Área de Amazônia: 8.063.000 hectares
A Floresta Amazônica cobre cerca de 95% da Guiana Francesa, um território ultramarino da França.
E cerca de 75% dessa cobertura é de floresta primária, aquela com pouca ou nenhuma intervenção humana, segundo dados da Global Forest Watch referentes a 2016, os mais recentes disponíveis.

Entre os territórios amazônicos, é um dos que tem o maior percentual da floresta em zonas protegidas por lei — mais de 50% — e o menor índice de desmatamento.
No entanto, representantes de povos nativos e ambientalistas têm expressado preocupação com o avanço da mineração legal e ilegal sobre a área preservada.

No início de 2019, o presidente francês Emanuel Macron suspendeu um megaprojeto de mineração de ouro dentro do parque nacional Parc Amazonien de Guyane.
Ele mesmo havia apoiado o projeto no início de seu governo, mas decidiu suspendê-lo após campanhas contrárias nacionais e internacionais.
O garimpo ilegal, porém, é considerado a principal ameaça à unidade. Forças de segurança detectaram um aumento no número de garimpos ilegais na área desde 2017.
Com uma população de menos de 300 mil pessoas, a Guiana Francesa tem entre 8 mil e 10 mil garimpeiros ilegais. O aumento no preço do ouro desde a crise de 2008 também provocou uma corrida pelo metal nas florestas do país.

Operação da Legião Estrangeira contra o garimpo ilegal na Guiana Francesa

“Na maioria das vezes, os garimpeiros são rapazes pobres do Brasil procurando dinheiro fácil. Eles vivem na floresta por meses e meses”, disse à BBC News o capitão Vianney, líder de operações da Legião Estrangeira contra o garimpo.
O Ministério da França de Além-Mar, responsável pelos territórios ultramarinos franceses, foi questionado sobre a estratégia para combater o desmatamento na Guiana, mas não respondeu até a publicação dessa reportagem.
A Guiana Francesa já perdeu cerca de 3% de sua floresta original.


Guiana
 
Área de Amazônia: 21.115.600 hectares
O bioma amazônico corresponde a cerca de 95% da Guiana, o que faz com que o país tente encontrar maneiras de explorar economicamente a floresta e, ao mesmo tempo, vender-se como um “Estado verde”, que a preserva.
A taxa anual de desmatamento da Guiana é uma das mais baixas da região: 0,051% em 2018, segundo o governo.


Parte do sucesso se deve a estratégias como a criação de uma comissão de manejo que decide quais são as árvores que podem ou não ser cortadas.
Mesmo administrada pelo governo, a derrubada legal de madeira é considerada um fator que facilita o desmatamento de maneira mais abrangente.
Segundo ambientalistas, concessões feitas a grandes madeireiras internacionais também contribuem para o garimpo ilegal, já que as empresas abrem estradas que dão acesso a áreas mais remotas da floresta.
A Comissão Florestal da Guiana disse à BBC News Brasil que, desde 2015, nenhuma nova área de floresta foi aberta para a extração de madeira.
Na verdade, algumas áreas foram expropriadas das empresas que tinham licença para explorá-las e passaram a ser dedicadas à conservação.” Governo da Guiana
 O garimpo ilegal, principalmente de ouro, é responsável por cerca de 85% da perda de florestas, segundo Comissão Florestal da Guiana. O ouro é o principal produto de exportação do país.
 
Vista aérea da Floresta Amazônica na Guiana
 
O governo diz ter uma “estratégia de desenvolvimento de um Estado verde”, que prevê investimentos no ecoturismo, um teto para emissões de CO2 e o aumento da conservação da floresta.
Tudo isso será financiado por acordos internacionais para a preservação da Amazônia e pela descoberta de enormes reservas marinhas de petróleo.
Até agora, a Guiana perdeu 1% de sua Amazônia original.


Peru
 
Área de Amazônia: 78.899.500 hectares
A agricultura em pequena escala tem sido, tradicionalmente, a principal causa do desmatamento no Peru, que até hoje perdeu cerca de 8% de sua floresta original — cerca de um terço desta área foi desmatada desde 2001. Mas, nos últimos anos, os cultivo de dendê, de cacau e de coca estão ganhando terreno.
Em um estudo de 2018, pesquisadores mostraram que apesar de corresponder a apenas 4% dos cultivos na região amazônica, o dendê foi responsável por 11% do desmatamento entre 2007 e 2013. O azeite de dendê é usado mundialmente em alimentos, cosméticos e combustível.
“Depois que algumas empresas produtoras de azeite foram punidas por desmatamento, começaram a comprar as terras de pequenos agricultores que já abriram a floresta”, disse a engenheira geógrafa Sandra Ríos, do instituto de pesquisa IBC Perú, à BBC News Brasil.
O Estado está demorando muito para construir os mecanismos para monitorar, controlar e punir o desmatamento nesta e em outras atividades.” Sandra Ríos, IBC Peru
O Ministério do Meio Ambiente peruano foi questionado sobre qual é sua estratégia para reduzir o desmatamento, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Por que a cidade de São Paulo não consegue evitar as enchentes frequentes?

Bombeiros usam bote para resgatar pessoas ilhadas em enchente

A Grande São Paulo viveu um dia de caos nesta segunda-feira (10/02). Mais uma vez, a estrutura da cidade não suportou o grande volume de chuvas que atingiu a região.
Houve centenas de pontos de alagamento, ruas e avenidas intransitáveis, pessoas ilhadas em carros e ônibus. Linhas de trens ficaram paradas, houve deslizamentos e o transbordamento dos dois principais rios que cortam a capital paulista, o Pinheiros e o Tietê.
O Corpo de Bombeiros atendeu a mais de 5 mil chamados desde a noite de domingo, entre eles 182 desabamentos ou desmoronamentos, 1018 pontos de inundação e 206 árvores caídas na Grande São Paulo.
As enchentes em São Paulo, assim como outras grandes cidades brasileiras, são históricas e recorrentes. Em 2016, por exemplo, 25 pessoas morreram depois de uma noite de chuvas fortes — parte delas em deslizamentos. Em março de 2019, ao menos 12 mortes foram registradas também em decorrência das chuvas.
Em bairros periféricos como Jardim Pantanal e Vila Itaim, no extremo leste da capital, que chegam a ficar meses alagados — constantemente, os moradores perdem móveis e eletrodomésticos para a água que invade suas casas.
Mas seria a chuva forte a principal culpada pelas enchentes? Ou a cidade foi planejada e construída de uma maneira que deixa mais difícil suportar as precipitações? A BBC News Brasil ouviu urbanistas para entender onde a cidade errou e o que poderia ser feito para minimizar o problema.

Erros de planejamento

Para Anderson Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os grandes municípios brasileiros não foram planejados para "respeitar os ciclos hidrológicos da natureza": a evaporação da águas e, depois, as precipitações que atingem as cidades.
"O normal seria a água se infiltrar no solo, para depois desembocar nos córregos e rios, que então correm para o mar. E, assim, o ciclo recomeçaria", explica.

Homem andando em rua lagada após temporal em São Paulo

"Quando a chuva chega no espaço urbano, a água cai sobre no solo impermeável e não consegue se infiltrar. Nossos canais e rios estão canalizados. Essas águas, em grande quantidade e velocidade, escorrem para as sarjetas e galerias, que não conseguem suportá-las."
Além disso, diz, cidades como São Paulo tiveram um crescimento desordenado, com ocupações precárias construídas em encostas e várzeas de pequenos rios e córregos, o que desequilibra o curso normal das águas que correm para grandes rios como o Tietê.
"A periferia se expandiu, impermeabilizando o solo de áreas verdes. O ideal seria criar processos de macrodrenagem que pudesse interferir nessa lógica, com a criação de praças e parques lineares ao lado desses pequenos córregos e rios, de modo a fazer com que a água se infiltre mais facilmente", explica o urbanista.
Os chamados piscinões, grandes espaços para represamento da água da chuva, são sempre citados como obras públicas que podem diminuir as enchentes — só a cidade de São Paulo tem 32 deles. Para Kazuo, os piscinões hoje "são parte do problema" e não a solução.
"Não adianta você construir uma área de cimento, cercá-la com grades e esperar que a água vá parar ali. Hoje, os piscinões acumulam lixo, têm manutenção reduzida e acabam transbordando", diz.
Para ele, as mudanças climáticas também têm um papel importante nesse processo. "Com as mudanças climáticas, a temperatura dos espaços urbanos tem ficado maior. A tendência é que tenhamos grande quantidades de chuva intensas em um período mais curto de tempo. E as cidades não se prepararam para isso", diz.
O urbanista cita medidas de microdrenagem como possíveis soluções para mitigar esses efeitos, como recuperar sarjetas, galerias e bocas de lobo, além de arborização e desassoreamento de rios e córregos.
Já a arquiteta urbanista e diretora do Movimento Defenda São Paulo, Lucila Lacreta, diz que os principais pontos são conter o avanço imobiliário que não leva em conta várzeas e o lençol freático da cidade.

Homem nadando em área alagada em São Paulo

"Hoje, construímos grandes edifícios com subsolos de até cinco pavimentos sem levar em conta a geologia onde está localizado. O crescimento hoje ignora tudo isso e trata a cidade como se fosse um tabuleiro de terra plano e uniforme", afirmou.
Ainda nessa linha, a urbanista acrescenta que o Plano Diretor de São Paulo, que prevê qual tipo de construção é permitido em cada ponto da cidade, também desconsidera a geologia.
"A ideia do plano diretor foi colocar grandes construções no eixo de transporte, mas esse eixo fica nas margens de grandes rios, muitos canalizados, como nas (avenidas) Radial Leste e Francisco Morato. Justamente nos terrenos mais frágeis da cidade é onde foi proposta a construção de prédios mais altos e profundos", afirmou.
Na visão da arquiteta e urbanista, a cidade precisa barrar construções em áreas frágeis e criar projetos de desimpermeabilização para facilitar a drenagem da água.
Precisamos fazer calçadas e asfalto que absorvam água pluvial. Também precisamos incentivar que as pessoas aumentem as áreas de drenagem em suas casas, além de criar uma política de longo prazo, com investimento, para criar canais drenantes. Precisamos observar o uso do solo e impedir que façam prédios num lugar onde o lençol freatico é próximo da superfície", afirmou Lacreta.
A arquiteta diz, porém, que essa questão será dificilmente resolvida porque os interesses econômicos costumam se sobrepor às questões ambientais.
"Nos anos 1970, Figueiredo Ferraz (prefeito de São Paulo de 1971 a 1973) disse que a capital precisava parar. Ninguém deu bola e o interesse do mercado imobiliário prevaleceu acima de tudo. Hoje precisamos repensar. Planejar a cidade para quem: mercado imobiliário ou para pessoas?"

'Chuva histórica'

De acordo com o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE), da Prefeitura de São Paulo, nos últimos dez dias choveu 179,9 milímetros, equivalente a 83% da média esperada para o mês. A medição foi feita às 7h. Em apenas três horas de chuva, foram registrados cerca de 60 milímetros.

Marginal Pinheiros alagada

Para dar uma ideia da dimensão, 60 milímetros de chuva é o mesmo que jogar 60 litros de água numa área de 1 metro quadrado. O bairro da Lapa, na zona oeste da capital, registrou 98,3 milímetros de chuva.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a capital paulista registrou o maior volume de chuvas em 24 horas num mês de fevereiro dos últimos 37 anos.
Das 7h às 13h choveu 88,7mm em São Paulo, o que equivale a 41% da média para o mês. A previsão é que a chuva continue na capital paulista e a frente fria que provocou as chuvas se afaste em direção ao litoral do Estado do Rio de Janeiro.
No início da tarde desta segunda, o Corpo de Bombeiros tinham recebido o registro de 857 pontos de enchente, 151 desabamentos ou desmoronamentos e 134 quedas de árvore.
A gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) afirmou que aumentou em 54,1% o número de piscinões da cidade — de 24 para 32 unidades. No total, os novos equipamentos representam investimento de R$ 107,8 milhões. A prefeitura também afirma que tem realizado obras de drenagem e canalização de córregos em todas as regiões do municípios.

Outras medidas contra enchentes

Na capital, o rio Tietê possui 53 bombas sob responsabilidade do Daae (Departamento de Águas e Energia Elétrica), do governo do Estado, que passam por manutenção semanal. Em 2019,  o desassoreamento foi feito ao longo de 44 quilômetros do rio e retirou mais de 400 mil toneladas de sedimentos como areia e argila em 2019, com investimento de R$ 49 milhões.
Para 2020, está previsto investimento de mais R$ 20 milhões para ações, especialmente no Alto Tietê.
O nível do rio Pinheiros é o maior nos últimos 15 anos, de acordo com a Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia). Em 2019, as equipes da Emae registraram recorde de retirada de sedimentos do leito do Pinheiros, com carga equivalente à de 28 mil caminhões basculantes. Também houve a retirada de 9 mil toneladas de lixo das águas.
BBC

Coronavírus: o que pode estar por trás da baixa incidência em crianças?

Gêmeos usam máscaras em mercado de rua em Pequim
 
A notícia sobre o diagnóstico do novo coronavírus em um recém-nascido no dia 5 de fevereiro, 30 horas após o nascimento, correu o mundo.
O bebê é o paciente mais jovem infectado no surto que já matou mais de mil pessoas e infectou cerca de 40 mil (99% na China, embora casos tenham sido detectados em mais de 30 países e territórios).
Um dos mais recentes estudos do surto foi publicado no Journal of the American Medical Association e analisa pacientes do hospital Jinyintan, na cidade de Wuhan, epicentro do surto.
Segundo os dados analisados pelos pesquisadores, metade de todas as pessoas infectadas pelo vírus eram adultos com idade entre 40 e 59 anos. Somente 10% dos pacientes têm menos de 39 anos.
"Casos entre crianças têm sido raros", afirma o estudo. Mas por quê? A resposta não é simples e passa por pelo menos três teorias: as crianças teriam um sistema imunológico mais forte, levando a menos complicações e, consequentemente, menos diagnósticos oficiais; o início do surto coincidiu com o período de férias expondo as crianças a menor risco de contágio e há também a possibilidade de o coronavírus ser mais um do rol de vírus com sintomas mais brandos em crianças, como o da catapora, o que também gera menor detecção formal pelo sistema de saúde.
 
Coronavirus em visão microscópica
 

Baixa incidência entre crianças

Nathalie MacDermott, professora da University College de Londres, destaca a possibilidade de a resposta estar no sistema imunológico de crianças.
"Crianças com mais de cinco anos e adolescentes tendem a ter sistemas imunológicos bastante preparados para lutar contra vírus", diz. "Eles podem ser infectados, mas ter uma doença mais branda ou não desenvolver sintomas."
Ian Jones, professor de virologia da Universidade de Reading, acrescenta que as crianças parecem estar escapando dos sintomas mais graves da infecção, sem determinar a razão.
Mas a consequência é a não detecção pelo sistema de saúde dos casos. Ao não desenvolver sintomas como febre e tosse, não há necessidade de consultas médicas, hospitalizações e mais casos reportados.
"Pneumonia (uma das consequências do coronavírus) tende a afetar aqueles com imunidade enfraquecida porque eles já estão têm saúde debilitada ou se aproximando do fim de suas vidas", explicou Jones, da Universidade de Reading.
"Isso acontece com o vírus influenza e outras infecções respiratórias." Adultos com doenças pré-existentes já pressionam seus sistemas imunológicos — a exemplo de diabetes e doenças cardíacas — tendem a ser mais vulneráveis a esse tipo de surto.
Christl Donnelly, especialista em epidemiologia estatística da Universidade de Oxford e do Imperial College de Londres, concorda, citando dados do surto de Sars em Hong Kong.
"A conclusão de nossos colegas foi que, em crianças pequenas, houve um percurso clínico menos agressivo da doença — então elas foram menos afetadas."
Há precedentes para essa baixa incidência em crianças — foi observada em surtos recentes de outros tipos de coronavírus, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), que começou na China em 2002 e matou quase 800 pessoas (cerca de 10% dos mais de 8.000 casos).
Em 2007, especialistas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão público dos Estados Unidos, identificaram 135 casos pediátricos da Sars, mas descobriram que "não houve mortes de crianças ou adolescentes".
 
Crianças em escola da província de Jiangsu antes da pausa de fim de ano
 

As celebrações de fim de ano protegem as crianças?

McDermott, da University College de Londres, também afirma que crianças não ficam tão expostas ao vírus quanto os adultos — o surto começou durante as celebrações de Ano Novo, período em que as escolas estão fechadas.
Quase todas as províncias chinesas decidiram estender a suspensão das aulas, e parte das escolas continuará fechada ao longo de fevereiro.
"Adultos tendem a agir como cuidadores, e protegem as crianças ou as mandam para fora de casa se alguém ali dentro estiver infectado."
McDermott estima que o cenário pode mudar se "a doença se espalhar ainda mais e ampliar o risco coletivo de ser infectado".
Entretanto, a rápida disseminação da doença, até agora, não tem sido acompanhada de um aumento do número de casos pediátricos.
 
Homem com máscar
 

O vírus tem efeitos mais graves em adultos do que em crianças?

Uma outra explicação para a menor detecção em crianças estaria, não no sistema imunológico, mas nas características do vírus. A hipótese neste caso seria de que a doença é mais uma das que têm efeitos mais severos em adultos do que em crianças, como a catapora.
"Isso é mais provável do que (a hipótese de) as crianças terem algum tipo de imunidade (ao coronavírus)", disse à BBC Andrew Freedman, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Cardiff.
Os efeitos mais graves também estão relacionados às chamadas comorbidades, como diabetes e doença cardíaca, que são muito mais comuns em adultos.
 
 
 Russian children travelling back from China

Mas as crianças não são conhecidas como 'espalhadoras' de vírus?

Crianças costumam ser propensas a contrair e espalhar infecções virais, e em geral são classificadas como "super espalhadoras", segundo Jones.
"Elas transmitem doenças respiratórias com muita facilidade, como sabe qualquer pessoa com filhos em creches", diz.
Poderíamos esperar, portanto, um número elevado de crianças nas listas de infectados — e de mortos — com o novo coronavírus, mas isso simplesmente não está acontecendo, pelo menos até agora.
Se não há unanimidade nas teorias, há consenso, no entanto, sobre o que fazer. Como se trata aqui de um novo vírus, não é possível concluir taxativamente que as crianças estão protegidas dos efeitos mais graves da doença, ou seja, é importante seguir as medidas de prevenção das autoridades de saúde como a frequente higiene das mãos.
BBC

México: em rifa inusitada, governo sorteia avião presidencial ( mas o ganhador não leva o prêmio)

Andrés Manuel López Obrador

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, decidiu acabar com um dos mistérios que mais despertaram a curiosidade dos mexicanos nos últimos meses: como vai se livrar do luxuoso avião utilizado por seu antecessor, Enrique Peña Nieto.
Sem encontrar comprador para a aeronave, estacionada há mais de um ano em um hangar na Califórnia, AMLO, como o mandatário é conhecido, discutiu diversas possibilidades para desfazer-se do Boeing 787-8, que custou US$ 218 milhões (R$ 942 milhões) ao ser comprado, em 2012.
A opção mais insólita entre elas, a ideia de organizar uma rifa, rendeu milhares de piadas e memes nas redes sociais.
Eis que, nesta sexta-feira (7), o presidente mexicano confirmou que haverá rifa — seu ganhador, porém, não poderá levar o prêmio para casa.

O que será sorteado, então?

O sorteio, que acontecerá no dia 15 de setembro, não premiará um sortudo com o avião de fato — em vez disso, o governo distribuirá prêmios que, somados, totalizariam o valor do avião hoje, cerca de US$ 130 milhões (R$ 562 milhões).
A aeronave — que voltará ao México em abril —, por sua vez, continuará à venda enquanto permanece preservado pela Força Aérea até 2022, período em que também estará disponível para ser alugado.
"O avião segue à venda. Ao mesmo tempo, porém, resolvemos o problema porque pagamos os prêmios, o dinheiro obtido com a rifa vai para os hospitais e o avião continua com manutenção garantida pelos próximos dois anos, até que seja vendido", disse López Obrador.

Meme do avião presidencial em um prédio

No total, serão vendidos seis milhões de bilhetes, a um preço de 500 pesos mexicanos (R$ 115).
Em troca, os participantes concorrerão a 100 prêmios de 20 milhões de pesos mexicanos cada um (R$ 4,6 milhões).
Se vender todos os bilhetes, o governo arrecadará US$ 160 milhões (R$ 691 milhões). O valor do avião (US$ 130 milhões) será destinado a comprar equipamentos médicos para os hospitais mexicanos, disse López Obrador.
O restante seria usado para manter a aeronave em um hangar enquanto não é vendida.

Quem pagará pelos prêmios?

A pergunta é, então, de onde sairá o dinheiro dos prêmios para que a rifa de fato beneficie o governo mexicano.
De acordo com AMLO, os US$ 106 milhões em prêmios serão aportados pelo Instituto para Devolver ao Povo o que Foi Roubado, uma instituição pública que se dedica a leiloar bens confiscados em operações contra o crime organizado e a corrupção.
O presidente afirmou que, ainda que o objetivo final seja vender o avião, já há uma empresa interessada em alugá-lo por um ano, o que ajudaria a poupar mais gastos.

Avião presidencial

AMLO disse também acreditar que os ganhos com a futura venda do avião poderão somar-se aos recursos da rifa para equipar os hospitais do país — que ainda serão insuficientes, segundo seus cálculos.
"Para melhorar nossos centros de saúde e hospitais públicos, precisamos de 10 bilhões de pesos (R$ 2,3 bilhões), e só conseguiremos arrecadar com a rifa 2,5 bilhões de pesos (R$ 575 milhões)."
Desfazer-se do avião presidencial foi uma das principais promessas de campanha de López Obrador, que viaja em voos comerciais como "parte de um plano de austeridade".
Apesar de ser alvo de crítica daqueles que acreditam que o presidente precisa se movimentar com segurança, AMLO afirma que viajar no avião em um país em que mais de metade da população vive na pobreza "é um insulto".
O avião presidencial foi modificado para incluir detalhes luxuosos, como um quarto, um banheiro com acabamento em mármore, cozinha e amplos assentos de couro, entre outros.
 

Apoio do governo, cotas e festivais: como a Coréia do Sul reinventou seu cinema e fez história

O diretor Bong Joon Ho ao lado de estatuetas do Oscar
 
Quando o diretor Bong Joon-ho subiu pela quarta vez ao palco do Oscar no domingo (09/02), para receber o prêmio de melhor filme por Parasita (2019), ele sabia que estava fazendo história.
Um filme falado em outro idioma que não o inglês nunca havia ganho o prêmio principal da cerimônia. Foi a consagração final do longa sul-coreano, que já havia vencido outras três das seis categorias em que concorria — diretor, filme internacional e roteiro original.
Mas a coleção de estatuetas de Parasita, o mais premiado da noite, tem um significado que vai além deste único filme.
O sucesso passa por uma década de ouro distante, um período de baixa durante a ditadura e um renascimento calcado em apoio do governo, fortalecimento da cultura e investimento de grandes grupos privados.
 
O cinema sul-coreano não havia recebido até então uma única indicação sequer ao Oscar, apesar de se reinventado a partir dos anos 1990, tornando-se um sucesso de bilheteria e crítica e conquistando prêmios nos mais importantes festivais do mundo.
O Oscar foi a forma de Hollywood, após ter ignorado os filmes da Coreia do Sul por tanto tempo, finalmente reconhecer sua qualidade, diz Marc Raymond, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Kawngwoon, em Seul, na Coreia do Sul.
"Parasita é um filme excelente, feito por uma indústria excelente. Era vergonhoso que nenhum filme sul-coreano tivesse sido ainda indicado ao Oscar. E, de repente, veio uma enxurrada de prêmios. Foi um reconhecimento dos trabalhos feitos há quase duas décadas pelo país", afirma Raymond em entrevista à BBC News Brasil.

Ditadura militar e redemocratização

A Coreia do Sul começou a produzir seus primeiros filmes no começo do século 20, diz Raymond, e sua indústria atingiu um ponto de excelência nos anos 1950, que podem ser considerados "uma era de ouro" do cinema no país. Apesar de não ter sido reconhecido internacionalmente na época, o movimento daquela década foi bem sucedido nacionalmente.
Em 1961, um golpe militar deu início a um longo período de ditadura, que durou 26 anos e teve impacto bastante negativo sobre a indústria cinematográfica.
"A censura se instalou. Leis dificultavam a criação de estúdios e restringiam a quantidade de filmes independentes e mais criativos que eram financiados e produzidos. Nos anos 1970, a qualidade caiu bastante, e, nos anos 1980, piorou ainda mais. Os filmes não eram populares nem entre os coreanos, que preferiam os estrangeiros", afirma Raymond.

Cena de 'Parasita'

Um movimento amparado na crescente insatisfação popular com o regime militar levou à convocação de eleições diretas e à restauração de direitos civis em 1987, quando teve início a redemocratização da Coreia do Sul.
Parte dos integrantes desse movimento pró-democracia e de esquerda passaram a ter mais poder na sociedade e um interesse maior pelas artes e pelo cinema, explica Raymond.
"Estas pessoas buscaram criar um novo cinema nacional com filmes que tratam das questões sociais e políticas que ocorrem no país. Assim, o cinema sul-coreano cresceu gradualmente e ser tornou mais respeitado até que, no início do século 21, passou a fazer filmes de sucesso que competem domesticamente com Hollywood."

Incentivo público, cotas, investimento privado e festivais

Algumas medidas do governo contribuíram para transformar a produção cinematográfica sul-coreana. Uma das principais políticas foi um sistema de cotas para filmes nacionais nos cinemas do país.
Criado em 1966, ainda durante o regime militar, o programa previa um mínimo de dias de exibição para produções nacionais — a exigência foi progressivamente ampliada até atingir seu pico, de 146 dias, em 1985, dois anos antes do fim da ditadura e mantida neste patamar pelo regime democrático até 2006.
"Depois do período militar, também foram criados um conselho cinematográfico, uma academia de cinema e um arquivo do cinema coreano, para uma valorização do cinema por meio do incentivo e financiamento público da produção, distribuição e exibição de filmes do país", diz Josmar Reyes, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e pós-doutorando em cinema sul-coreano na Universidade Sorbonne, em Paris.
 
Cena de 'Oldboy'
 
Isso fez parte de uma política mais ampla do país de promover a chamada "onda coreana", ou hallyu, ao investir em diferentes setores do culturais do país, como música pop, quadrinhos, séries de TV e novelas, além do cinema.
"É uma política de soft power do governo para fazer com que a cultura coreana seja mais conhecida mundialmente e ampliar assim a influência do país sobre o que acontece no mundo", diz Cecília Mello, professora de cinema da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP).
Reyes também destaca o projeto de reforma educacional promovido pelo governo que, entre outras coisas, incluiu o cinema no currículo escolar. "Os alunos estudam cinema, é um assunto cobrado no vestibular, o acesso dos estudantes aos filmes é facilitado. Isso cria um público para o cinema e as artes em geral", afirma o pesquisador.
A abertura de escolas e cursos de cinema a partir dos anos 1990 também teve um papel importante nesta reinvenção do cinema sul-coreano, ao promover uma mudança geracional na indústria.
"Hoje é mais comum as pessoas saírem dos cursos e já fazerem um filme, em vez de irem galgando postos até se tornarem diretores. Isso rejuvenesceu e revitalizou as produções da Coreia do Sul", diz Mello.
Com a popularização do cinema e o sucesso de bilheteria de alguns filmes, grandes conglomeradores empresariais, como Samsung e Hyundai, passaram a investir em produções cinematográficas ao perceber que eram negócios lucrativos.
Também houve um apoio relevante do poder público e da iniciativa privada para a criação de festivais de cinema locais, como o de Busan, um dos mais importantes da Ásia atualmente.
"Estes festivais deram uma chance para os novos cineastas se desenvolverem e exibirem seus trabalhos e a elevar o patamar do cinema sul-coreano", diz Raymond.

Uma política de sucesso

Desde então, produções como Oldboy (2003), O Hospedeiro (2006), A Criada
(2016) e Em Chamas (2018) se destacaram no mercado internacional, conquistaram prêmios e atraíram atenção para o cinema que é produzido na Coreia do Sul.
"Há no cinema sul-coreano uma conciliação entre o cinema mais comercial e aquele dito de autor. O trabalhos de Bong Joon-ho são um grande exemplo disso. Ele e outros cineastas do país conseguem serem apreciados ao mesmo tempo pelo público mais geral e também aquele mais crítico e seletivo", diz Reyes.
Esta reinvenção foi tão bem sucedida que, em 2006, diante de uma participação de mais de 50% das produções sul-coreanas no total de ingressos vendidos no país — e de uma pressão do governo americano para que houvesse mais espaço para as produções de Hollywood nos cinemas sul-coreanos —, o limite mínimo do sistema de cotas foi reduzido pela metade.
 
Bong Joon Ho dirige uma cena de parasita
 
"Ao menos um filme nacional é lançado por semana. Todos os anos, quando se olha os dez maiores sucessos de bilheteria da Coreia do Sul, ao menos metade são filmes nacionais", diz Raymond.
Atualmente, afirma o pesquisador, a discussão em torno das cotas no país não se dá mais entre filmes coreanos e estrangeiros, mas entre grandes lançamentos nacionais e filmes independentes.
"O objetivo é manter telas livres para produções menores. É uma tentativa da indústria de se regular para garantir que haja diversidade e que novos talentos surjam."
Raymond diz que o exemplo sul-coreano deixa clara a importância de um país dar o apoio necessário para que sua indústria cinematográfica se fortaleça e consiga conquistar seu espaço globalmente. No entanto, a Coreia do Sul tem algumas características peculiares que tornam difícil replicar esse esforço.
"Talvez o mais difícil seja criar um público para o cinema. A Coreia do Sul é um país onde as pessoas não vivem em casas grandes e muitos jovens moram com os pais. Por isso, buscam ir para a rua para fazer alguma coisa, e o cinema se encaixa perfeitamente nisso. Não sei se ainda há sede pela experiência do cinema em outros países como aqui."
BBC