Durante a Primeira Guerra Mundial, ao mesmo tempo em que calculava trajetórias de projéteis como soldado de artilharia na frente russa, o físico alemão Karl Schwarzschild estudava a recém-publicada Teoria Geral da Relatividade, de Albert Einstein. Além de comprovar que as equações de seu compatriota descreviam o universo com uma precisão inédita, Schwarzschild observou que elas também implicavam a existência de objetos cósmicos inesperados. As curvaturas provocadas pelos planetas e estrelas no tecido espaço-temporal geravam poços gravitacionais que mantêm os humanos presos à Terra e fazem com que a Lua gire ao nosso redor, enquanto nós viajamos ao redor do Sol. Em casos extremos, quando a concentração de massa fosse máxima, a atração gravitacional seria tão intensa que nem sequer a luz escaparia da sua influência.
Foi a primeira vez que a existência dos buracos negros foi cogitada, um conceito tão estranho que até mesmo Einstein duvidou da sua existência real. Pouco depois, enquanto continuava ruminando as consequências de sua ideia mais revolucionária, o pai da Relatividade escreveu a Schwarzschild sobre a possibilidade de que alguns objetos com massa gigantesca, como esses estranhos buracos negros, produzissem ondulações no tecido espaço-temporal semelhantes às que ocorrem quando se atira uma pedra em um lago.
Um século depois, essas loucas hipóteses foram confirmadas por experimentos empíricos. Em setembro de 2015, o Observatório da Interferometria Laser de Ondas Gravitacionais (LIGO), nos EUA, captou as primeiras ondas gravitacionais produzidas no exato instante em que dois buracos negros se chocavam, logo antes de se fundirem. Aqueles objetos tinham entre 10 e 30 vezes a massa do Sol, e sua união liberou numa fração de segundo mais energia que todas as estrelas conhecidas juntas. Colisões desse tipo tinham sido previstas, mas era a primeira vez que foram observadas.
Conforme se anunciou na época, a possibilidade de detectar ondas gravitacionais inaugurava uma nova etapa para a astronomia, que poderia estudar de forma direta fenômenos até então invisíveis. Nesta semana, uma equipe de pesquisadores das Universidades de Birmingham (Reino Unido), Maryland e Chicago (ambas nos EUA) publicou na Nature os resultados de um dos primeiros trabalhos desta nova astronomia. Sua intenção era explicar como se formavam as duplas de buracos negros como as que o LIGO detectou.
Ilya Mandel, cientista da Universidade de Birmingham e coautor do artigo, conta no site The Conversation que os astrônomos cogitam duas hipóteses para a formação dessas duplas. Numa delas, a dupla teria iniciado seu périplo unida desde o início, com o nascimento simultâneo de duas estrelas maciças. Depois de uma longa existência, quando seu combustível nuclear se esgotasse, ambas se paralisariam sob o peso da sua própria gravidade, concentrando-se até formarem dois buracos negros. Se estivessem à distância adequada, ambos os objetos começariam, na forma de ondas gravitacionais, a perder parte da energia que os mantinha em suas órbitas e cairiam em espiral na direção do outro buraco negro, até se fundirem. Na segunda opção proposta, os monstros cósmicos teriam se formado separadamente, numa parte do universo com superpopulação de estrelas. Os puxões gravitacionais desses astros teriam acabado por reunir os dois buracos negros.
A informação oferecida pelo LIGO permite saber se esses objetos rodam devagar ou rápido, e se estão alinhados entre si. Por enquanto, os dados indicam que os buracos negros giram sobre si mesmos a toda velocidade, sem estar alinhados. Isso colocaria os dados contra a teoria de que os dois corpos se formaram como uma estrela binária, indicando, ao menos neste caso, que os dois titãs gravitacionais surgiram separadamente, numa região com muitas estrelas, e acabaram se unindo depois.
Os autores observam que buracos negros desse tipo seriam similares aos observados em nossa galáxia. Calculam que seria necessário observar a fusão de 10 outras duplas para confirmar sua origem. Entretanto, também alertam que é possível que esses buracos longínquos sejam diferentes dos que vemos em nossa vizinhança, e que nesse caso seriam necessárias muito mais observações para dar sentido a tanta complexidade. Resolver o mistério todo exigirá tempo, mas pelo menos já se sabe que os protagonistas da história são reais. O que se conhece agora, apesar de tudo o que se ignora, já teria fascinado aquele soldado que aproveitava os descansos entre os disparos para refletir sobre os enigmas do universo.
El País.com
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