quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A poluição do passado pode estar escrita nos pássaros

À esquerda, cotovias com chifres procedentes das cidades industriais do leste dos EUA. À direita, exemplares da costa oeste

Ornitólogos e taxidermistas já tinham percebido: muitos dos pássaros embalsamados conservados nos museus de história natural durante décadas são mais escuros do que seus parentes atuais. Seleção natural ou artificial? Deriva genética ou mutação dos genes da pigmentação? Não, simplesmente suas penas estão contaminadas pela fuligem das fábricas e de quando se usava carvão para aquecer as casas. Esse escurecimento da plumagem das aves permitiu agora que dois pesquisadores reconstruíssem a história da poluição do ar nas cidades industriais.
“Queríamos fazer um projeto aproveitando as coleções de história natural para avaliar a mudança ao longo do tempo, neste caso, a mudança no meio ambiente. Trabalhamos com exemplares de pássaros do Museu Field de Chicago, um museu de história natural como o [espanhol] Museu Nacional de Ciências Naturais. Um dos responsáveis comentou que os espécimes de 100 anos atrás eram muito mais escuros do que os atuais. Pensava-se que essa descoloração se desse à poluição provocada pelo negro de carbono, mas a hipótese nunca foi confirmada, contam por e-mail os autores da pesquisa, os estudantes de pós-graduação da Universidade de Chicago (EUA) Shane G. DuBay e Carl C. Fuldner.
Os dois pesquisadores confirmaram por meio de um microscópio eletrônico (ver imagem) que não era um caso de melanismo industrial, como o da mariposa Biston betularia, que se mimetizou com as árvores escurecidas pela fuligem. Neste caso, a fuligem ambiental aderiu nos pássaros. Então eles procuraram saber se havia algum padrão temporal no escurecimento dos pássaros. E se houvesse, descobrir qual era e quanta poluição havia há um século.
Para isso, selecionaram 1.347 aves capturadas entre 1880 e 2015 de três das maiores coleções ornitológicas dos EUA, entre elas a do Museu Field. Organizaram as aves cronologicamente e as fotografaram. Os dois pesquisadores se aproveitaram de um duplo fenômeno. Por um lado, a fuligem tem um nível muito baixo de refletância luminosa, portanto as variações indicariam diferentes proporções de fuligem nas asas do pássaro e, por conseguinte, no ambiente em que voava. Por outro lado, as cinco espécies estudadas (duas de pardais, uma de cotovia, uma de pica-pau e uma de towhee oriental) mudam suas penas todos os anos. Logicamente, tinham em suas penas um reflexo da poluição atmosférica no ano em que foram capturados, embalsamados e adicionados à coleção.
 
“A fuligem das penas das aves nos permitiu rastrear a quantidade de negro de carbono no ar ao longo do tempo”, diz DuBay. Eles viram que o escurecimento evoluía paralelamente com o consumo de carvão. Desde o início do século passado, os pardais do campo ou as cotovias com chifres que eram acrescentadas às coleções tinham peitos cada vez mais negros. “Durante a Grande Depressão houve uma queda drástica do negro de carbono nos pássaros, pois o consumo de carvão caiu”, acrescenta. A quantidade de fuligem subiu de novo durante a Segunda Guerra Mundial e na década seguinte. Mas desde a década de 60 os pássaros foram recuperando sua cor branca.
Conforme explicado nos resultados do trabalho, publicado pela revista científica PNAS, em meados da década de 1950 os Estados Unidos aprovaram a Air Pollution Control Act (Lei de Controle da Poluição do Ar), a primeira legislação federal sobre poluição atmosférica. Então já se sabia que as partículas de negro de carbono causavam doenças respiratórias, mas ainda não se sabia que também provocavam câncer. O clareamento dos pássaros foi favorecido pela substituição acelerada do carvão por outras fontes de energia, como o gás e a eletricidade, para aquecer as casas. A eficiência energética e a concentração industrial ajudaram a reduzir a presença de fuligem.
Para validar seus resultados, os pesquisadores os compararam com aqueles obtidos por vários estudos baseados na análise das partículas presas em cilindros de gelo obtidos na Groenlândia. Como os anéis das árvores, a profundidade do gelo pode ser usada como uma máquina do tempo. Com exceção das duas primeiras décadas do estudo, a fuligem presa no gelo apresenta uma evolução paralela àquela detectada por eles nos pássaros. A grande vantagem destes é que são testemunhas da poluição local, que os rodeava, enquanto que ao gelo da Groenlândia chega a poluição de todo o hemisfério norte.
O que os pássaros negros não podem revelar é quanta poluição havia. Sua cor é um valor relativo que indica se nesse ano houve mais ou menos fuligem do que no ano anterior ou no seguinte. Mas os autores da pesquisa já estão pensando em quantificar a poluição do passado comparando o escurecimento das penas dos pássaros que há um século voavam sobre as cidades industriais norte-americanas ou europeias com o dos pássaros que hoje voam nos céus de Pequim ou Nova Deli.

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