A economia tem um papel-chave no processo separatista da Catalunha. Tanto soberanistas quanto os contrários à independência usam cifras como argumentos pró e contra a secessão.
A Catalunha diz que aporta ao tesouro espanhol mais do que recebe - os dois grupos se acusam mutuamente de manipular dados e criar cenários que não existem.
Qualquer que seja o resultado, é inevitável que ambas as partes percam algo, segundo o presidente do IEE (Instituto de Estudos Econômicos), José Luis Feito.
O presidente catalão Carles Puigdemont anunciou nesta terça que tem a "intenção de seguir o desejo do povo catalão pela independência", mas propôs que o parlamento suspenda os efeitos da separação para que seja possível encontrar uma solução pacífica para o conflito e dialogar com o governo central de Madri.
Na prática, a situação se alterou pouco - ambos os cenários ainda são possíveis. Confira quais seriam as principais perdas para os dois lados em caso de separação.
O QUE A CATALUNHA PERDE
1. A permanência na União Europeia
A grande maioria dos estudos que analisam qual seria o impacto econômico da independência catalã mostram um cenário em que a Catalunha continua na União Europeia, ou pelo menos no Espaço Econômico Europeu, que dá acesso ao mercado único.
Mas a União Europeia já avisou que isso não acontecerá. Se a Catalunha se converter em um novo Estado, terá que solicitar seu ingresso na instituição e cumprir todas as exigências rigorosas, um processo que leva anos.
O governo catalão acredita que a UE não aplicará, na prática, esse discurso, embora não fazê-lo abrisse um precedente para outras regiões que também poderiam iniciar um processo separatista, como a Baviera alemã e a Lombardia italiana.
A saída do bloco também representaria um baque na área científica, já que empresas e universidades não poderiam participar de programas de pesquisa europeus. A Catalunha tem 1,5 bilhão de euros assegurados por um fundo de pesquisa da UE para o período 2014-2020.
2. A zona do euro
A Generalitat (o governo catalão) disse que a Catalunha não deixará de utilizar o euro mesmo se ficar fora da zona da moeda.
Assim como faz o Equador com o dólar americano, o governo catalão manteria o euro como moeda para dar "segurança jurídica às transações empresariais de suas companhias".
O economista Feito considera isso impossível, já que uma Catalunha independente nasceria com uma fuga de empresas e capitais que não a permitiria dar conta de pagamentos como os salários de seus funcionários nem nos primeiros cem dias.
"Ninguém emprestaria euros ao Estado catalão, e ele teria que imprimir sua própria moeda. E ela seria brutalmente inflacionária", afirma Feito à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC. "E por não ser membro da zona do euro, sua dívida não poderia ser utilizada para pedir financiamento ao Banco Europeu."
Segundo o economista, o mercado não dará opção à Generalitat, e este promoverá um "curralito" para conter a saída de euros, o que fará até os catalães pró-independência tentarem sacar seu dinheiro dos bancos.
Outra consequência da adoção do euro seria o encarecimento das exportações, reduzindo a competividade.
3. O Banco Central Europeu
Ao ficar de fora da zona do euro, a Catalunha perderia a rede de segurança que inclui o Banco Central Europeu, que durante a crise salvou várias entidades espanholas.
Logo após o líder catalão Carles Puigdemont anunciar que declararia a independência de forma unilateral, dois dos maiores bancos catalães, o Sabadell e o CaixaBank, decidiram transferir suas sedes para outras regiões da Espanha. A ação segurou um pouco a queda que sofriam na Bolsa.
O Conselho Assessor para a Transição Nacional (CATN) da Catalunha acredita que a UE atuará para evitar um cenário catastrófico como o descrito por Feito, pois esses prejuízos afetariam cidadãos e empresas que são plenamente membros da UE.
4. A economia
Segundo o governo catalão, a região aporta mais ao tesouro espanhol do que recebe em troca. São 16 bilhões de euros, cerca de 8% de seu PIB.
"Mas isso não quer dizer que a Catalunha ganharia de maneira imediata 16 bilhões de euros (em caso de independência)", diz o professor de tributação da UFP Barcelona School of Management, Albert Sagués.
Há gastos que no momento estão a cargo da Espanha, como os do Exército, da seguridade social e da aposentadoria. Segundo os cálculos de Sagués, descontados esses valores, a Generalit teria um superavit de 8 bilhões de euros.
O governo central admite que a Catalunha tem um saldo fiscal negativo, mas diz que de 5,02% do PIB, e não 8%, de acordo com dados do Ministério da Fazenda.
Feito diz que uma declaração unilateral de independência geraria um declínio significante da atividade econômica, o que derrubaria a economia e, consequentemente, aumentaria o desemprego.
O ministro da Economia espanhol, Luis de Guindos, diz que o PIB catalão se contrairia entre 25% e 30% em caso da secessão. O banco Credit Suisse, por sua vez, afirma que essa redução seria da ordem de 20%.
Para Sagués, a economia do novo Estado não diminuirá mais do que 4% - e isso no pior dos cenários.
"Na Segunda Guerra Mundial, os países perderam 25% do PIB. Estamos falando de uma situação de guerra em que morreram milhares de pessoas. Se alguém diz que o PIB catalão cairá 30%, quer dizer que o que acontecerá à Catalunha é pior do que uma guerra mundial. Não creio que seja o caso", afirma.
5. Fuga de empresas
Alguns informes, incluindo os da Generalitat, dão por certo que a produção do novo país sofrerá boicote por parte da Espanha. Isso porque há um antecedente.
Em 2004, o líder de um partido separatista fez declarações contra a candidatura de Madri aos Jogos Olímpicos de 2012. Isso acarretou um boicote do resto da Espanha à indústria da cava, um vinho espumante típico da Catalunha.
Na semana passada, uma das principais marcas desse setor, a Freixenet, anunciou que estudava transferir sua sede para fora do território catalão. Ao menos sete empresas fizeram o mesmo, entre elas a de energia Gás Natural Fenosa.
Segundo Feito, 80% das empresas na Catalunha são multinacionais e só estão na região porque ela faz parte da UE. Se saírem do bloco econômico, terão que pagar taxas.
Uma em cada três empresas de exportação da Espanha têm sede na Catalunha, assegurando 25% das exportações do país, segundo dados do Ministério da Economia.
Ainda de acordo com a pasta, a Espanha compra 40% dos produtos que saem da Catalunha e os outros 40% vão para o resto da UE. Além disso, 14,3 % dos turistas que visitam a Catalunha são da Espanha.
Mesmo assim, o Conselho Assessor para a Transição Nacional da Catalunha acredita que um boicote levaria a uma queda do PIB não maior de 2%.
O QUE PERDE A ESPANHA
1. Sua região mais próspera
A Espanha ainda não se recuperou completamente da grave crise econômica que atravessou por quase uma década.
Há cerca de 4 milhões de desempregados e mais da metade deles tem procurado trabalho nos últimos 12 meses, segundo dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) - sem os catalães, o número cairia para 3,4 milhões.
Com a secessão, o país perderia sua região mais rica: em 2016, a Catalunha registrou um PIB recorde de 223,6 bilhões de euros, cifra superior à da economia do Equador e o dobro da do Panamá.
A independência custaria à Espanha a perda de 19% de seu PIB e de 18,4% de suas empresas - resultando em um Estado mais pobre. O PIB per capita também cairia para 23,50 euros, segundo cálculos do professor Sagués.
De acordo com dados de 2014 do Ministério da Fazenda, a Catalunha aporta 70,3 bilhões de euros (US$ 82 bilhões) nos cofres espanhóis, mais do que o restante das regiões.
Desse total, o governo central fica com US$ 11,5 bilhões, que utiliza para ajudar áreas mais pobres do país, como Extremadura.
O FMI (Fundo Monetário Internacional) se mostrou preocupado com a situação. Segundo a entidade, se as tensões políticas com a Catalunha continuarem, a confiança em investimentos e o consumo podem ser afetados.
2. Inovação e empreendimento
A Catalunha é uma região que tem investido muito em pesquisa e inovação - e já desenvolveu indústrias pioneiras na Espanha.
Das 108.963 publicações científicas produzidas por universidades espanholas entre 2006 e 2015, 25,68% saíram da Catalunha. Madri vem em seguida, com 19,91%, segundo dados da Aliança 4 Universidades.
Barcelona ocupa o 5º lugar no ranking de startups na Europa, uma posição à frente de Madri. No ano passado, as startups catalãs captaram 282 milhões de euros, o que representou 56% de todos os investimentos realizados na Espanha.
A região também lidera o ranking de pedidos de patentes do país: em 2016, 35,1% das 547 solicitações vieram da Catalunha, contra 20,6% de Madri, segundo o Escritório Europeu de Patentes.
3. Infraestrutura
A independência da Catalunha levaria a Espanha a perder seu principal porto no mar Mediterrâneo, o de Barcelona, que no ano passado movimentou 48 milhões de toneladas.
O porto também é essencial para o turismo: 4 milhões de passageiros passaram por ele em 2016.
Outro porto importante da Catalunha é o de Tarragona, região que também abriga o maior número de indústrias químicas do país.
Muitos aeroportos também operam na Catalunha, como o El Prat, em Barcelona, que contabilizou 44,1 milhões de passageiros no último ano.
A região também abriga duas das seis indústrias nucleares da Espanha, responsáveis por produzir 40% da energia nuclear do país.
4. Dívida externa e ativos
Uma das questões mais espinhosas de uma possível secessão é a dívida externa que teria o novo Estado catalão.
Os informes do Conselho Assessor para a Transição Nacional dizem que a Catalunha deveria assumir a dívida que está no nome da Generalitat, dos governos provinciais e municipais. O valor seria de US$ 90 bilhões, o equivalente a 35,4% de seu PIB. Desse total, US$ 61 bilhões correspondem a compromissos com o governo da Espanha.
A dívida em nome do Estado espanhol é utilizada para gastos e investimentos em prol de todas as regiões, incluindo a Catalunha, por isso muitos insistem para que ela assuma a parte que lhe cabe.
Em um debate ocorrido há dois anos, o ex-diretor da Bolsa de Barcelona, José Luis Oller, estimou em 180 bilhões de euros o peso da economia catalã na dívida da Espanha, em um debate ocorrido há dois anos. Ele também disse que era necessário somar o valor dos ativos que o Estado tinha na Catalunha, estimado em 50 bilhões de euros.
A dívida total de uma Catalunha independente, segundo seus cálculos à época, seria de 290 bilhões de euros, ou 145% de seu PIB.
O CATN nega que a região deva aceitar as dívidas contraídas para investimentos e obras fora de sua área. Ele aconselha a negociação da dívida que não pode ser atribuída a um território concreto no caso de o Estado espanhol transferir ao novo país parte dos ativos comprados com esse dinheiro.
Por exemplo, se a Espanha se endividou para criar uma empresa pública que funcione a nível nacional, a Catalunha assumirá parte da dívida sempre que receber as ações correspondentes dessa companhia.
Como há poucas possibilidades de negociação neste momento, o mais provável em caso da secessão é que a Espanha tenha de pagar sozinha o total da dívida enquanto tenta resolver o conflito com o novo país nos tribunais internacionais, explica o economista Feito.
A Catalunha também avalia que a Espanha deve repartir igualmente os bens públicos fora do país, como as sedes das embaixadas, as plataformas de petróleo, as bases militares, os satélites espaciais e as contas em bancos estrangeiros.
5. Patrimônio cultural e turismo
A Espanha é uma potência turística. No ano passado, recebeu 75,3 milhões de visitantes estrangeiros, um recorde. Quase um quarto dessas pessoas (22,5%) tinham a Catalunha como destino.
Seus 580 quilômetros de costa oferecem praias paradisíacas, às quais se chega facilmente de trem ou ônibus. No inverno, as montanhas dos Pirineus estão entre as favoritas dos esquiadores.
A região também tem uma importante oferta cultural graças a obras que são patrimônio da humanidade, como as do arquiteto Antonio Gaudí, em Barcelona (A Sagrada Família, Parc Guell etc.)
Segundo o CATN, o governo catalão poderia exigir a devolução de arquivos, bens culturais e patrimônios nacionais que façam referência à Catalunha ou cujo autor seja catalão.
Com essa medida, obras de Salvador Dalí ou de Joan Miró que estão em exposição em museus de Madri, como o Reina Sofia, por exemplo, teriam que ser entregues ao novo Estado.
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