É possível atribuir nossa confiança em viagens aéreas a muitas invenções. O motor a jato, talvez. Ou o próprio avião.
Mas às vezes, invenções precisam de outras invenções para atingir todo o seu potencial.
Para a indústria da aviação, um momento decisivo foi a tentativa de inventar um "raio da morte", em 1935.
Na época, oficiais do ministério britânico da Aeronáutica estavam preocupados com a possibilidade de serem ultrapassados pelos nazistas na corrida armamentista.
Eles estavam intrigados com a ideia do "raio da morte" e ofereceram um prêmio de mil libras para qualquer um que conseguisse "desintegrar" uma ovelha a 250 pés (76 metros) de distância.
Até então, ninguém tinha conseguido o feito. E o ministério não encontrava caminhos ou ideias a sugerir.
Informalmente, eles sondaram Robert Watson Watt, do centro de pesquisas de laboratório Radio Research Station.
Watt, por sua vez, abordou um colega, Skip Wilkins, com uma espécie de "desafio matemático".
"Suponha que você tem 4,5 litros de água, a 1 km do chão", disse Watt a Wilkins. Suponha que a água esteja a 37° Celsius, e que você quer aquecê-la a 40°. Qual a potência necessária para isso, a uma distância de 5 km?"
Skip Wilkins não era ingênuo. Ele sabia que 4,5 litros é a quantidade de sangue em um adulto, e que 37° é temperatura normal do corpo humano. Aquecer o sangue a 40° é suficiente para matar alguém, ou então fazer a pessoa desmaiar – o que, se você está pilotando um avião, dá na mesma.
Wilkins e Watt se entenderam e concordaram rapidamente que um "raio da morte" estava fora de cogitação: precisaria de muita potência. Mas a dupla viu uma oportunidade.
O ministério claramente tinha um dinheiro para gastar em pesquisa. Talvez os dois pudessem propor alguma maneira alternativa e útil de usar essa verba?
Wilkins sugeriu que talvez fosse possível transmitir ondas de rádio e detectar – a partir dos ecos – a localização de aeronaves muito antes de poder vê-las.
Watt consultou o recém-criado comitê para pesquisas científicas do ministério: eles estariam interessados na ideia?
Eles estavam. E o que Wilkins estava descrevendo é o que mais tarde acabou sendo chamado de "radar".
Como Robert Buderi descreveu no livro A Invenção que Mudou o Mundo, os alemães, os japoneses e os americanos também estavam pesquisando a tecnologia independentemente.
Avanço espetacular
Mas foram os britânicos que, em 1940, tinham feito um avanço espetacular, ao desenvolver a válvula termoiônica magnetron, um transmissor de radar bem mais potente que seus predecessores.
Sob constante ameaça dos bombardeiros nazistas, as fábricas britânicas teriam dificuldade em produzir o mecanismo. Mas a indústria americana conseguiria fazê-lo.
Por meses, líderes britânicos planejaram usar o magnetron como moeda de troca por segredos americanos em outras áreas.
Mas quando Winston Churchill assumiu o cargo de primeiro-ministro, este, convencido de que tempos difíceis clamavam por medidas difíceis, decidiu que os britânicos iriam simplesmente compartilhar o que tinham com os americanos e pedir ajuda.
Tensa jornada
Então, em agosto de 1940, o físico britânico Eddie Bowen enfrentou uma tensa e longa jornada com um baú de metal negro levando uma dúzia de protótipos de magnetrons.
Primeiro, ele teve que cruzar Londres de táxi. Como o motorista se negou a deixá-lo levar o baú dentro do carro, ele teve que torcer para que este não caísse do rack no teto.
Em seguido, pegou um trem até Liverpool. Teve que dividir o compartimento com um homem misterioso e bem vestido, que tinha ares militares e passou a viagem inteira ignorando o jovem cientista e lendo um jornal.
Bowen então pegou um navio para cruzar o Atlântico. E se o navio fosse atingido por um submarino alemão? Os nazistas não podiam tomar posse dos mecanismos. Dois buracos foram feitos no baú para garantir que ele afundasse em caso de naufrágio. Mas o navio não foi atacado.
O magnetron deixou os americanos estarrecidos. A pesquisa deles estava anos atrasada.
O presidente americano, Franklin Roosevelt, aprovou financiamento para um novo laboratório no MIT, o renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts; um raro caso entre os esforços americanos de guerra de uma pesquisa com fins militares administrada por um entidade civil.
Lento começo
O Laboratório de Radiação do MIT, conhecido como Rad Lab, foi um sucesso em todos os critérios. Dele vieram dez pesquisadores agraciados com o Prêmio Nobel. O radar que desenvolveu ajudou a vencer a guerra ao detectar aviões e submarinos.
Mas a urgência dos tempos da guerra pode rapidamente ser esquecida em tempos de paz.
Parece óbvio que a aviação civil também precisaria de radares, considerando o quanto estava se expandindo.
Em 1945, no final da guerra, linhas domésticas nos EUA levaram 7 milhões de passageiros. Em 1955, o número tinha chegado a 38 milhões.
E quanto mais cheio estivesse o céu, mais útil seria o radar.
Mas sua instalação para prevenir colisões foi lenta e irregular. Alguns aeroportos instalaram, outros não.
Na maior parte do espaço aéreo, aviões não eram rastreados. Pilotos apresentavam seus planos de voo com antecedência, o que teoricamente garantiria que dois aviões não estivessem no mesmo lugar ao mesmo tempo.
Na prática, no entanto, evitar colisões era uma questão de ver e ser visto.
Colisão desastrosa
Em 30 de junho de 1956, dois voos de passageiros partiram do aeroporto de Los Angeles com três minutos de diferença. Um ia para Kansas City, o outro para Chicago. Seus planos de vôo se cruzavam acima do Grand Canyon, mas a diferentes alturas.
Quando nuvens pesadas tomaram conta do céu, o piloto de um dos aviões pediu autorização por rádio para voar acima da tempestade. O controlador liberou.
Ninguém sabe ao certo o que aconteceu então: aviões não tinham caixas-pretas e não houve sobreviventes. Pouco antes das 10h31, o controlador de tráfego ouviu uma truncada transmissão dizendo: "Pra cima! Estamos indo em..."
Pelos destroços que sobraram, espalhados por quilômetros através do cânion, os aviões parecem ter se aproximado um do outro a um ângulo de 25 graus, possivelmente através das nuvens.
Investigadores especularam que ambos os pilotos estavam distraídos tentando encontrar vãos entre as nuvens para que os passageiros pudessem ver a paisagem.
Problema atual
A questão de céus muito cheios está voltando à tona com o advento de drones e veículos aéreos não pilotados. Eles já estão sendo usados para várias tarefas: de colher imagens para filmes a pulverizar colheitas.
E empresas como a Amazon esperam que logo os céus estejam cheios de entregas feitas com os drones.
Autoridades responsáveis pela aviação civil estão lidando com a questão e decidindo o que aprovar. Drones têm uma tecnologia de detectar e evitar outras aeronaves. Mas será boa o suficiente?
O trágico acidente ocorreu sobre o Grand Canyon certamente fez muita gente concordar que, se havia tecnologia disponível para evitar desastres desse tipo, por que não usá-la?
Em dois anos, foi criado o que hoje se conhece como Administração Federal de Aviação dos EUA.
Os céus do país hoje estão bem mais agitados - cerca de 20 vezes a mais.
Os aeroportos hoje têm decolagens e pousos a uma média de dois por minuto. Colisões são extremamente raras, não importa o quão nublado esteja o tempo. Isso graças a muitos fatores – mas principalmente graças ao radar.
BBC Brasil
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