Quando o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, disse que a visita do papa Francisco à América Latina "não seria fácil", ele não estava exagerando. A 22ª viagem papal será alvo de um grau sem precedentes de hostilidade - e justamente no seu continente natal.
Francisco chega nesta segunda-feira ao Chile, em um momento delicado para a Igreja Católica. O país, que recentemente aprovou leis para descriminalizar o aborto e reconhecer uniões civis homossexuais, ainda digere as acusações de que quase 80 clérigos chilenos teriam abusado sexualmente de menores desde 2000.
Além disso, é no Chile que Francisco tem a menor aprovação em todo o continente: recebeu dos chilenos a nota de 5,3 em uma escala de zero a dez (no Brasil, a nota dele é 8,0). Com isso, não chegou a surpreender o pedido do papa, antes de embarcar, para que sua congregação "reze por ele" durante sua visita chilena.
Gastos e pobreza
A viagem foi precedida por críticas aos gastos com a viagem - serão mobilizados 18 mil integrantes das forças de segurança nacional para a visita papal -, enquanto ao menos 15% da população vive abaixo da linha de pobreza.
Extraoficialmente, segundo a agência EFE, a estimativa é de que o governo chileno gastará US$ 11 milhões (R$ 35 milhões) com a visita, sobretudo em medidas de segurança e logística.
Na última semana, ao menos quatro igrejas católicas foram atacadas em Santiago - três delas com explosivos caseiros, acompanhados de panfletos advertindo que o papa seria o alvo seguinte. A polícia atribuiu a autoria dos atos a um grupo anarquista.
A quarta igreja foi poupada porque o explosivo foi desarmado, mas uma mensagem foi deixada em um muro próximo, dizendo que "os pobres estão morrendo".
Ressentimento por conta de acobertamento de escândalo sexual
São previstos, durante a passagem do papa, protestos de grupos feministas e de direitos homossexuais. Mas as manifestações que devem atrair a maior parte dos holofotes vêm de pessoas descontentes com a nomeação, por parte de Francisco, do bispo chileno Juan Barros.
O bispo é acusado de acobertar abusos sexuais atribuídos ao sacerdote Fernando Karadima, hoje com 87 anos, condenado em 2011 pelo Vaticano por abusar de crianças.
O chamado caso Karadima abalou fortemente a imagem da Igreja Católica no Chile, já que, ao longo de mais de uma década, autoridades eclesiásticas ignoraram as acusações contra o sacerdote, que tinha fortes vínculos com a elite política e empresarial do país.
Só quando as vítimas vieram a público é que o Vaticano decidiu investigar o caso.
O papa já declarou ter "tolerância zero" a abusos sexuais, mas a nomeação de Barros como bispo de Osorno (sul do Chile) reabriu antigas feridas. Segundo vítimas de Karadima, Barros tinha conhecimento dos abusos praticados por seu protegido e permitiu que eles seguissem sendo praticados. O bispo nega as acusações.
O caso Karadima é possivelmente o principal fator do desprestígio da Igreja no Chile, afirma Marta Lagos, diretora da consultoria Latinobarómetro, que avaliou a percepção da instituição na América Latina.
"Há, no Chile, uma sensação de ausência de normas, que aumentou nos últimos quatro anos com a revelação de casos de corrupção na política e no empresariado", afirma Lagos. "E a Igreja, tida como cúmplice da forma ruim como se lidou com o caso Karadima, entra nessa tendência geral de desconfiança do poder estabelecido."
Em uma carta aberta, James Hamilton, uma das mais conhecidas vítimas de Karadima, diz que "ainda não entende como nós, as milhares de vítimas de abusos, não fomos protegidas por nossos padres, que se silenciaram diante do que aconteceu conosco".
Descontentamento indígena
Na quarta-feira, o papa Francisco visitará Temuco, cidade no sul do Chile tida como a capital do povo mapuche.
Os mapuches se opuseram a 300 anos de colonização (primeiro por parte dos espanhóis e dos próprios chilenos) em um dos conflitos mais antigos da América Latina - com erupções ocasionais de violência.
Durante sua visita, o papa deve celebrar uma missa pelo "progresso dos povos", seguido por um almoço com representantes do povo mapuche.
Líderes de ambos os lados do conflito esperam que Francisco ajude a pôr fim a décadas de discriminação e a mediar discussões em torno de questões espinhosas, como direito a terras ancestrais, além de reconhecimento da cultura e língua mapuche.
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