Os visitantes do Burj Khalifa, em Dubai, atualmente o prédio mais alto do mundo, com 828 metros de altura, geralmente são apresentados a uma série de estatísticas sobre sua construção.
Uma delas é que o arranha-céu consumiu 330 mil metros cúbicos de concreto, mistura que é feita principalmente de areia. Estar cercado por um deserto deve ter sido uma bênção para o ponto turístico mais famoso dos Emirados Árabes Unidos, certo?
Errado.
De acordo com o Observatório da Complexidade Econômica, um banco de dados de comércio internacional compilado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), os Emirados Árabes Unidos são importadores líquidos da substância granular. Sim, um país no deserto que precisa importar areia.
Isso ocorre porque o material tão abundante nos Emirados Árabes Unidos não é o tipo mais apropriado para ser usado na construção civil. A areia utilizada no Burj Khalifa foi importada da Austrália.
O tipo de grão encontrado nos desertos não tem a composição certa para se misturar com água e cimento e se tornar concreto - uma fórmula na qual areia e cascalho são os componentes mais abundantes.
Pode parecer estranho, dadas as vastas extensões de deserto do mundo, mas alguns especialistas têm alertado para uma possível crise no abastecimento global de areia.
Uso x taxa de renovação
A areia é uma matéria-prima usada para fazer mais do que concreto. É a partir do aquecimento de seus grãos que também é produzido o vidro, por exemplo. As estações de tratamento de água, por sua vez, ainda a usam como filtro.
"Areias de vários tipos são ingredientes essenciais na fabricação de detergentes, cosméticos, pasta de dente, painéis solares e chips de silício. Nossa civilização é construída literalmente na areia", diz o jornalista Vince Beiser, autor de um livro lançado recentemente sobre o tema, O Mundo em um Grão: A História da Areia e Como ela Transformou a Civilização.
Beiser tem feito reportagens sobre areia há anos e sua produção inclui artigos sobre o mercado negro do produto.
De acordo com sua pesquisa, há países como o Marrocos, onde a areia extraída ilegalmente representa uma parte substancial de seu consumo.
"Em um número chocante de países, pessoas estão sendo presas, torturadas e assassinadas por causa da areia. Ainda assim, a quantidade de areia sendo extraída em todo o mundo está aumentando - a custos terríveis para as pessoas e para o planeta".
O consumo é impulsionado pela crescente urbanização - de acordo com as Nações Unidas, a porcentagem da população global que vive em áreas urbanas aumentará de 54% para 66% até 2050. Desde 1950, a população urbana global aumentou de 746 milhões para 3,9 bilhões.
Há temores de que a demanda pelos grãos proverbiais tenha atingido um ponto insustentável.
Em um relatório contundente divulgado em 2014, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estimou que o consumo global de areia e cascalho estava "conservadoramente em mais de 40 bilhões de toneladas por ano" e alertou para questões de sustentabilidade.
"Areia e cascalho representam o maior volume de matéria-prima usada na terra depois da água. Seu uso excede em muito as taxas de renovação natural", disse o relatório.
"Essa grande quantidade de material não pode ser extraída e usada sem um impacto significativo na biodiversidade, na turbidez da água (uma das medidasde qualidade) e nos níveis. Há também consequências socioeconômicas, culturais e até políticas".
A Índia, por exemplo, tem visto a proliferação de gangues dedicadas a montar operações ilegais de mineração e silenciar dissidentes com violência.
As autoridades indianas enfrentam acusações de fechar os olhos para a exploração de trabalhadores dedicados à extração de areia.Negócios bilionários
As atividades ilegais são estimuladas por um simples fato: a areia é um bom negócio.
O mercado global de areia vale US$ 70 bilhões (cerca de R$ 290 bilhões), segundo especialistas em comércio da ONU. Seu preço médio no mercado internacional cresceu quase seis vezes nos últimos 25 anos.
"A ideia de areia espalhada por praias ou intermináveis desertos dificulta pensar na escassez, sem falar nos efeitos ambientais e humanos de sua extração. Especialmente quando os custos de extração são baixos e o acesso é quase ilimitado", explica Aurora Torres, ecologista do Centro Alemão de Pesquisa Integrativa sobre Biodiversidade.
Grandes consumidores como Cingapura e China não conseguem o suficiente de seus mercados domésticos.
Cingapura é o maior importador do mundo, graças a um programa de quatro décadas de expansão territorial no qual a ilha recuperou terras do mar - uma área total de 130 quilômetros quadrados.
O projeto continuou, apesar da decisão de vários países vizinhos de suspender as exportações de areia para a ilha, por razões que variavam de preocupações ambientais a considerações políticas sobre rotas marítimas e fronteiras territoriais.
A China usou mais concreto (e mais areia) durante seu boom de construção entre 2011 e 2013 do que todo o consumo dos Estados Unidos durante o século 20, de acordo com dados da International Cement Review e do US Geological Survey.
No entanto, a segunda maior economia do mundo usa areia para algo além do que erguer espigões ou abrir novas rodovias.
O país recuperou terras do Mar do Sul da China, mais especificamente nas Ilhas Spratly, um arquipélago cuja soberania é reivindicada por vários países, mas que foi gradualmente tomada elos chineses.
"Isso significa que os países podem literalmente mudar suas fronteiras. A China construiu a maior frota de dragagem do mundo e, desta forma, pode transportar mais areia do fundo do oceano para construir mais terras artificiais do que qualquer outra nação na Terra", acrescenta Beiser.
Mas a extração de areia pode ter um efeito dramático. Autoridades na Indonésia relataram o desaparecimento de ilhas inteiras por causa da mineração intensiva de areia, que levou à erosão.
A mineração excessiva também torna as áreas costeiras e fluviais mais propensas a inundações - algo preocupante quando consideramos que o nível do mar está subindo.
Em um artigo publicado no ano passado na revista Science, Aurora Torres e colegas também relataram que há evidências de que a mineração de areia no Sri Lanka exacerbou o terrível impacto do tsunami que atingiu o país 2004 e matou mais de 30 mil pessoas.
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