As imagens que tomaram o Brasil nesta segunda-feira (3) do Museu Nacional do Rio de Janeiro consumido pelas chamas, infelizmente, não são uma exceção. Incêndios são os grandes vilões do patrimônio cultural brasileiro, como aponta José Luiz Pedersoli Júnior, especialista em gestão de risco do Centro Internacional para o Estudo da Preservação e Restauração do Patrimônio Cultural (ICCROM), na Itália.
“O Museu Nacional é o triste caso da tragédia anunciada”, diz. “Os incêndios são um grande fator de risco para museus, não só no Brasil, mas em todo o mundo, pela combinação de fatores como grande quantidade de materiais orgânicos inflamáveis e prédios históricos antigos, com falta de estrutura e de manutenção. Além da legislação inadequada, gestores com curto período de mandato e descaso com a cultura. A soma final resulta em desastres incalculáveis como este.”
Segundo levantamento apresentado por Perdersoli em suas palestras, pelo menos uma instituição cultural brasileira é destruída pelo fogo anualmente. Analisando a década atual, em 2010, foi a vez do Instituto Butantan, tragédia científica que destruiu 70.000 espécies de cobras conservadas no local. Em 2011, o fogo consumiu a Capela São Pedro Alcântara, outro prédio tombado sob administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mesma responsável pelo Museu Nacional. Nos anos seguintes, estão listados os incêndios no Arquivo Público do Estado de São Paulo (2012), Memorial da América Latina (2013), Centro Cultural Liceu de Artes e Ofícios (2014), Museu da Língua Portuguesa (2015), Cinemateca (2016) e a casa Erbo Stenzel, residência histórica do escultor paranaense, em Curitiba (2017). Sem falar do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1978, que perdeu mais de 1.000 obras de arte, entre elas telas de Pablo Picasso e Salvador Dalí, em um prejuízo estimado em 60 milhões de reais.
Todas as tragédias citadas poderiam ser evitadas, afirma o especialista. E muitos outros acervos continuam em risco. “A maioria dos museus brasileiros não têm sistema de prevenção de incêndio. É a regra”, diz.
Apesar de ser um evento anual, os incêndios são tratados como raros, logo, as verbas de manutenção de casas culturais são destinadas para prevenção de outras ameaças, como inundações, infiltrações e controle de pragas. Apesar de raro, o fogo é catastrófico. “É um risco que não é tratado de acordo com sua magnitude.”
Na maioria dos casos, a dificuldade está na mudança da estrutura das construções, que possuem parte elétrica obsoleta e revestimentos de madeira, que são rapidamente consumidos pelo fogo, além da falta de mecanismos de supressão automática do fogo — como os sprinklers, sistema ativado pelo calor, que solta água a partir de dutos no teto, ou
combate com gases limpos, que impedem que o fogo se propague, resfriando o ambiente. Outra solução é a compartimentação corta-fogo, que isola o incêndio na área em que ele começa, dando tempo para que os bombeiros se preparem antes que ele se espalhe. “A legislação brasileira não exige estas medidas em prédios históricos, ao contrário dos EUA e Canadá”, diz Perdersoli.
“A verba para resolver estes problemas existe. A dificuldade é sensibilizar as autoridades, para que estejam cientes do que é prioritário, e que o povo volte suas atenções para a importância da preservação cultural, mobilizando ações como esta”, afirma o especialista, que finaliza: “O que aconteceu com o Museu Nacional é um caso de negligência. Só depois da tragédia é que aparece a verba para reconstrução. Por que, então, não usaram o dinheiro antes. É o barato que sai caro. E é nosso patrimônio que se perde.”
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