sábado, 20 de dezembro de 2014

Chegamos à sexta extinção?

As elevadas taxas de extinção do planeta podem fazer com que as próximas gerações possam não conhecer alguns animais, como o panda
 
Angalifu, um rinoceronte branco do norte, tinha 44 anos quando morreu, no último fim de semana, no zoológico de San Diego, nos Estados Unidos. Agora, só restam outros cinco de sua espécie no mundo. O drama do animal, ameaçado de extinção por causa da caça que busca seus chifres valiosos e das guerras na África, que dizimaram seu habitat, é compartilhado por pelo menos outras 4 529 espécies próximas de desaparecerem da superfície da Terra, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). No Brasil, são 1 173, segundo o último estudo do Ministério do Meio Ambiente, divulgado na quarta-feira. No total, de acordo com uma ampla análise publicada pela revista Nature este mês, 41% dos anfíbios, 26% dos mamíferos e 13% dos pássaros do planeta podem sumir nos próximos anos. Desde 1500, 765 espécies foram dissipadas do globo.
Extinção é um processo natural da Terra. Em nossa história, enfrentamos cinco: a última foi a que acabou com os dinossauros, há 65 milhões de anos. De todas as espécies que já povoaram a superfícies, 90% foram extintas. A biologia não é uma ciência exata, mas sua regra é que todas as espécies conhecidas irão, um dia, desaparecer. No planeta, o tempo de duração de uma espécie varia de acordo com suas características, mas segue uma média de 1 a 2 milhões de anos. No entanto, nos dois últimos séculos, a taxa de extinção considerada natural aumentou por volta de 100 vezes. E a previsão, para o futuro, é que seja multiplicada por dez.
“Desde que o homem moderno surgiu, as taxas de extinção aumentaram exponencialmente. Os registros fósseis mostram que, antes de nós, elas eram muito menores e podemos traçar com exatidão quando foram os picos de extinção e como algumas espécies desapareceram, com suas causas e consequências”, explica o português Henrique Miguel Pereira, professor do Centro Alemão de Pesquisa Integrativa da Biodiversidade, em Leipzig, e uma das autoridades mundiais em biodiversidade. “A grande questão que nos assombra é que esse desequilíbrio pode levar a graves consequências para nós. Pode estar por trás de grandes epidemias. Mas não estamos falando de extinções relâmpago, ou seja, podemos agir para mudar essa história.”
Biodiversidade desconhecida — A análise da Nature, que reuniu os últimos dados da lista de espécies ameaçadas da IUCN aos mais recentes estudos sobre extinção, menciona os grandes buracos no conhecimento da biodiversidade como uma das maiores dificuldades para a proteção das espécies. O relatório da IUCN avaliou 76 000 espécies, apenas 4% das mais de 1,7 milhões de espécies descritas até hoje. De acordo com as estimativas, entretanto, pode haver entre 2 milhões e 11 milhões de animais povoando o globo.
“É um trabalho imenso conhecer todas as espécies que habitam a Terra e não estamos nem perto de saber tudo o que precisamos. Isso significa que, provavelmente, há muito mais espécies em risco do que imaginamos. Não protegemos algumas delas porque sequer sabemos que estão ameaçadas”, diz o biólogo Anthony Barnosky, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos.
Mesmo se descobríssemos todas as espécies que faltam, as porcentagens de animais em perigo seriam as mesmas. Os pesquisadores já incluem as estimativas de animais que possivelmente seriam descobertos nos cálculos.
“Perder animais significa ter um mundo mais pobre em todos os sentidos. Se, por exemplo, os corais forem extintos, o que está se desenhando como um cenário provável nas próximas décadas, 25% da vida oceânica desapareceria, destruindo pelo menos 10% dos pesqueiros de todo o mundo. Bilhões de dólares seriam perdidos e muitas pessoas morreriam de fome por causa da falta de peixes. Se as plantas não forem polinizadas, perdemos descobertas farmacêuticas e promessas de cura de doenças. Além disso, emocionalmente falando, sofreríamos com a falta de elefantes, tigres ou passarinhos”, diz Barnosky.
Taxa de extinção — A maneira encontrada pelos cientistas para estudar a extinção das espécies é estabelecer uma taxa anual de desaparecimento dos animais. Estudando os fósseis de diferentes períodos históricos, os pesquisadores estabeleceram uma média de 1 espécie extinta a cada 1 milhão. Ou seja, antes do aparecimento do homem na Terra, essa era a velocidade com que se dissipavam. Evidências recentes, entretanto, mostram que esse número pode estar superestimado. Uma pesquisa feita pela Universidade Duke, nos Estados Unidos, e publicada este ano no periódico Conservation Biology, revisou os dados de extinção nos fósseis e descobriu que a taxa correta pode ser de 0,1 ao ano
Os mesmos cálculos, feitos para a taxa de extinção atual, mostram que a dinâmica é quase 100 vezes maior, se o primeiro número for considerado, ou espantosas 1 000 vezes. “Sabemos que muitas espécies são ameaçadas de extinção antes mesmo de serem descobertas. O desaparecimento é o cenário mais dramático, mas, antes que isso aconteça, a população diminui drasticamente em um processo chamado defaunação, que pode acabar com a espécie. Esse rápido declínio, que afeta todo o ambiente, passou a ser notado pelos pesquisadores há pouco tempo”, explica o biólogo Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Animais carismáticos — Em julho, a revista Science publicou uma edição especial repleta de estudos sobre o fenômeno. De acordo com as pesquisas, a maior parte da população de invertebrados, como abelhas ou borboletas, sofreu um declínio de 45% desde os anos 1970. No mesmo período, os vertebrados tiveram uma queda populacional de 30%. No total, 322 espécies desapareceram nos últimos 500 anos. 
Um dos obstáculos apontados pelos cientistas para a conservação da fauna está o apelo de animais carismáticos, como pandas ou tartarugas, que podem encobrir a necessidade de preservar espécies nem tão simpáticas, como besouros, pererecas e pulgas d’água. O engajamento em causas ecológicas não é apenas guiado pela razão, mas pela emoção também. Por isso, pessoas usam camisetas em defesa da onça-pintada, do urso polar e da ararinha-azul, jamais da lacraia, do caramujo de água doce e do pepino-do-mar, igualmente ameaçados. 
“As relações ambientais são muito complexas e várias espécies desconhecidas do grande público oferecem para nós benefícios que nem imaginamos que sejam essenciais. O decréscimo da população de abelhas é uma catástrofe para a polinização e a diminuição dos anfíbios revela um imenso problema. Sapos e rãs consomem grande quantidade de invertebrados, como os insetos que transmitem doenças letais ao homem”, diz Galetti, que também é autor de um dos estudos sobre defaunação publicados no especial da Science. “Esses bichos prestam serviços ecológicos mesmo sendo desconhecidos do grande público. Protegê-los significa cuidar de espécies que são fundamentais para a humanidade.”
Veja.com

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