sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Desmatamento da Amazônia reduz chuvas em Buenos Aires

 
Se contassem a um portenho que já não chove tanto em Buenos Aires por causa do desmatamento na Amazônia, ele diria que tal afirmação é uma loucura. Mas se surpreenderia ao se inteirar de que 19% das chuvas que caem anualmente na bacia da Prata, se originam da umidade gerada pela floresta amazônica e dispersada rumo ao sul. A situação é tanto incrível como alarmante: a Amazônia é um dos fatores fundamentais que regula o clima da região e está gravemente ameaçada pelas atividades humanas.
Imaginar como era há 50 milhões de anos é quase impossível. É um período 1.000 vezes maior do que o correspondente à história da humanidade no planeta. Esse foi o tempo que a Amazônia demorou para se formar. No entanto, em apenas meio século o homem devastou quase 20% dela (provavelmente muito mais de um milhão de quilômetros quadrados de floresta, afetando também rios e outros ecossistemas).
Este dado é devastador. Para que seja mais simples visualizá-lo, pensem que só no Brasil cortaram 2.000 árvores por minuto durante 40 anos. Como explicaria graficamente o cientista Antonio Donato Nobre, esse terreno desmatado equivale a uma estrada de 2 quilômetros de largura construída da Terra até a lua. Mas isto também pode ser difícil de dimensionar. O problema da imensidade da Amazônia é que achamos que ela é inesgotável. E não é. Infelizmente.
A floresta amazônica, com seus rios e diversidade, é tão grande que se juntássemos os 28 países que fazem parte da União Europeia, o espaço obtido seria equivalente a penas 64% do território amazônico que é de 6,7 milhões de quilômetros quadrados. Esse conjunto de ecossistemas, mega diverso, dominado por florestas, se estende por nove países e nele vivem mais de 33 milhões de pessoas. Existem cerca de 350 comunidades indígenas, das quais em torno de 60 vivem em isolamento voluntário há séculos, para fugir das ameaças.
Amazônia abriga, provavelmente, mais de 10% da biodiversidade conhecida pelo homem e desemboca no mar quase 15% da produção de água doce do planeta. É a fonte principal de segurança hídrica, alimentícia e energética da América Latina, além de ser fundamental para garantir a saúde da região.
Apesar de tanta riqueza, a Amazônia enfrenta grandes pressões: estradas, pecuária, especulação imobiliária e ocupação ilegal, represas de hidrelétricas, plantações de soja, de palma, mineração, exploração petrolífera, tráfico de madeira e contaminação, só para nomear algumas. E para rematar, a mudança climática, o maior desafio ambiental de nossa história, intensifica as consequências das demais pressões.
Para o bem do mundo, conservar a Amazônia pode ser um ás na manga para reduzir o aquecimento da Terra e, mais ainda, para amenizar os impactos desse aumento de temperatura na América do Sul. É a região natural ideal para evitar ou reduzir as emissões de carbono mais rapidamente e de forma mais benéfica em termos globais. Graças a seu tamanho, sua estrutura ecológica e sua localização geográfica entre a Linha do Equador, a cordilheira dos Andes e o oceano Atlântico, cumpre uma função de reguladora do clima. É uma fábrica de produção hídrica: bombeia cerca de 20 bilhões de toneladas de água por dia, a melhor receita para enfrentar as secas.
Mas se floresta continuar a ser destruída, aumentarão as emissões de carbono (quando uma árvore é cortada o carbono que ela capturou durante toda a sua vida é liberado) e não haverá como fazer contrapeso às secas e a outros eventos climáticos mais intensos previstos pelo aquecimento global.
A combinação será devastadora e os países amazônicos, e toda a região, terão que enfrentar as consequências. Não se deve levar em conta apenas o quanto se devasta anualmente, mas o desmatamento agregado ao longo dos anos e os lugares onde a floresta está tão degradada que já não cumpre suas funções naturais. Já que a Amazônia funciona como uma região ecologicamente integrada, entre florestas, rios e atmosfera, sua degradação degenera os processos ecológicos e ela pode, não só deixar de ser benéfica para o clima continental e global, como também se tornar um problema. Não choverá como antes na bacia da Prata.
Mas há tempo para puxar o freio de mão e mudar de rumo. Podemos construir um modelo de desenvolvimento que entenda a conservação como uma oportunidade e não como um obstáculo. Precisamos fazer com que os países compreendam que as florestas e os rios amazônicos têm uma relação direta com a segurança climática.
Durante estas duas semanas o vento soprar a favor do complexo de florestas e rios mais importante do mundo. Ou, melhor, a favor da humanidade, que depende dela, de seus serviços, dos benefícios que rende. Este ano, se realiza, pela primeira vez, a Cúpula de Mudança Climática das Nações Unidas em um país amazônico. E embora as negociações sobre o clima sigam seu rumo independentemente de onde o evento ocorra, esse é o momento ideal para incluir a agenda amazônica nas negociações do clima. É o momento de os nove países que compartilham este ecossistema demonstrarem liderança e integração.
O Peru, país anfitrião da cúpula, se comprometeu a chegar à taxa zero de desmatamento em 2021. A Colômbia estabeleceu a meta de desmatamento líquido zero na Amazônia até 2020. O Brasil assumiu o compromisso de reduzir sua taxa de devastação em 80% e segue um bom caminho. A Guiana tem como objetivo manter o desmatamento em um nível muito baixo. Há grandes projetos também na Bolívia e no Equador, entre outros.
São compromissos importantes de conservação e proteção das comunidades locais que vivem na Amazônia e também de sua diversidade cultural e de seus mananciais de conhecimentos. Mas também são medidas com implicações climáticas importantes já que, segundo o IPCC, o painel de cientistas que assessora a ONU, 24% das emissões globais vêm do setor florestal, agrícola e de outros usMas ainda há muitos parafusos que necessitam de ajustes. Começando pelas 25 frentes de desmatamento que existem atualmente na Amazônia, distribuídas entre vários países. Apesar de o mundo ter visto o enorme esforço dos países latino-americanos para reduzir o desmatamento da Amazônia, e consequentemente as emissões do setor florestal, a devastação da floresta continua a ser gigantesca.os do solo. A metade desta porcentagem se deve ao desmatamento e à degradação das florestas.
Para superar essa situação é preciso fortalecer a governança pan-amazônica, respeitar os direitos de seus povos e comunidades, e articular para fortalecer as políticas dos nove países que abrigam em seus territórios essas selvas e rios. É vital contar com compromissos mais ambiciosos (como a taxa líquida zero de desmatamento para toda a Amazônia em 2020) e mais fortes (com decisões centrais e integradas de cada um dos Governos) dos países amazônicos. Finalmente, é preciso reconhecimento e apoio financeiro de outros países e também do setor privado.
Não se trata apenas de salvar o planeta ou as 427 espécies de mamíferos, 1.300 de aves, 378 de répteis, 400 de anfíbios e 3.000 de peixes que vivem na Amazônia. Também se trata de garantir a segurança hídrica, energética, alimentícia, de saúde e, sobretudo, climática. É um tema econômico e de qualidade de vida de nossas sociedades.
Dependemos das florestas: você e eu. Mas também o petroleiro, a estudante, a mãe, o minerador, o empresário, o carpinteiro, a médica e o padeiro. Todos. Então, por que continuamos a conduzir o planeta com os olhos vendados?
Hoje, milhares de funcionários de quase 200 países negociam um novo acordo para frear a mudança climática e para conseguir fazer isso é preciso haver vontade política. Para conservar a Amazônia, é necessário o mesmo. A chuva em Buenos Aires está nas suas mãos, assim como o bem-estar do continente e do mundo.
EL PAÍS - Brasil

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