Nenhum país tem mais autômatos por trabalhador: estão concentrados em uso civil e na solução dos mistérios do cérebro humano
A razão mais superficial, mas importante, indicada por vários especialistas da indústria no Japão, é que toda uma geração no país, desde os anos 60 e 70, cresceu com os desenhos animados na TV, os famosos mangás, em que os robôs, bastante parecidos com pessoas, ajudavam os humanos a superar seus problemas, geralmente na luta contra o mal ou contra os maus. O melhor exemplo foi Mazinger Z [não exibido na época no Brasil]. Nos mangás, os robôs são amigos das crianças. Nos filmes, romances e quadrinhos ocidentais, os robôs acabam quase sempre sendo um problema existencial para os humanos. Essa é a primeira diferença. Por sua popularidade e por sua ênfase no entretenimento, os robôs são atualmente muito usados na publicidade da marca que os fabrica (como Honda e Kawasaki) ou os utiliza.
O segundo fator cultural pode ter relação com a religião, no caso o xintoísmo, que junto com o budismo predomina no Japão. Esse é um aspecto que no caso japonês foi estudado a fundo pela antropóloga norte-americana Jennifer Robertson, que me fez descobrir Eduardo Castelló, hoje no Media Lab do MIT (Massachusetts Institute of Technology), engenheiro que acaba de terminar um doutorado em Osaka sobre robôs de enxame, dirigido pelo famoso professor Hiroshi Ishiguro, aquele que construiu um robô idêntico a si mesmo, o Geminoid HI-1. O xintoísmo atribui características anímicas a muitas coisas, tem preocupação acima de tudo com a pureza e a poluição e enxerga energias vitais (kami) em muitos aspectos do mundo, como árvores, pedras, pessoas etc. Esse substrato cultural facilita ou torna mais natural a relação com os robôs. A isso é preciso somar o fato de que é uma sociedade tomada pela solidão, e os robôs podem fazer companhia.
Depois há o modo como o Governo japonês aborda a questão, primeiro com seu plano Inovação 25 e, mais recentemente, em sua Estratégia Nacional de Robôs, priorizando na robotização a própria fabricação de tais máquinas —o Japão quer se tornar uma superpotência em robôs—, sua introdução nos processos industriais e de serviços para aumentar a produtividade, e também insistindo em seu uso para a saúde, para enfermagem e cuidado dos idosos numa sociedade envelhecida, na agricultura, na construção e em obras de infraestrutura, para as quais escasseia a mão de obra, e em reparos nos casos de desastres naturais, especialmente terremotos e eventuais tsunamis subsequentes. Os robôs não são “pensados para substituir os humanos, e sim para fazer coisas que as pessoas não podem fazer”, destaca em Tókio Atsush Yashuda, diretor de Manufatura da Divisão de Política de Robôs do METI (Ministério de Economia, Comércio e Indústria).
É essa pasta que está por trás desse movimento, diferentemente dos Estados Unidos, em que uma parte da robótica deriva do impulso do setor militar, especialmente da famosa Darpa (Agência de Projetos Avançados de Pesquisa em Defesa, na sigla em inglês), que alimenta com seus recursos uma parte da pesquisa universitária. No ambiente acadêmico japonês, num país que se tornou profundamente pacifista desde a Segunda Guerra Mundial, da qual foi um dos desencadeadores, há uma rejeição ao militar, embora a Defesa tenha começado a estimular estudos sobre trajes militares e outros aspectos. A robotização parte principalmente do setor civil, ao qual pertence a Fundação para a Iniciativa da Revolução Robótica.
Porque os japoneses estão muito conscientes de que se trata de uma revolução – e a fomentam. Como na Europa e nos EUA, algumas pesquisas no Japão concluem que a robotização e a automação em geral podem fazer desaparecer nos próximos 10 a 20 anos a metade dos empregos hoje existentes (embora outros sejam criados). Mas essa não é uma preocupação essencial.
Em relação aos androides, o professor Ishiguro destaca em seu gabinete na Universidade de Osaka que o objetivo deles é ser capazes de interagir com nosso cérebro. Precisamos deles para “olhar para dentro de nós mesmos”, porque, ao contrário do que se esperava, acha que a neurociência não está conseguindo desvendar o funcionamento da mente humana. É a mesma avaliação de Hiroshi Fujiwara, diretor executivo da Associação Japonesa de Robôs, que congrega empresas do setor. Para ele, os robôs humanoides servem acima de tudo para que nos conheçamos. A mais recente contribuição de Ishiguro é um robô chamado Kodomoroid, com a aparência de uma apresentadora de telejornal, capaz de colher notícias na Internet e lê-las. O próximo objetivo de Ishiguiro, ressalta, é construir um robô que consiga criar suas próprias intenções.
No METI se insiste que, diferentemente de 10 anos atrás, agora se põe menos ênfase nos humanoides porque é, por exemplo, mais importante que um robô consiga erguer idosos da cama do que parecer humano. Mesmo assim, o robô foca-bebê Paro, também japonês, já usado em centros de tratamento no mundo todo, serve para estabelecer uma relação emocional com pessoas com Alzheimer ou demência. Também as emoções servem para transmitir informação, insiste Ishiguro, para quem um androide consegue expressar “emoções que parecem humanas”.
Um de seus ajudantes, o professor Kazuya Sakamoito, mostra-nos como os humanoides são empregados por exemplo no teatro. Uma companhia com eles se apresentou há alguns anos em Barcelona, e um conhecido autor japonês, Oriza Hirata, especializou-se nisso. Adaptou As Três Irmãs, de Tchecov, para humanoides em 2013. Podem ser melhores atores que os humanos, insiste Sakamoito. Na Kawasaki —uma das maiores fabricantes de robôs industriais do Japão— nos exibem também um vídeo de um famoso balé de braços robotizados com bailarinos humanos.
Talvez seja por todas essas razões que o debate ético sobre os robôs, não a robótica, esteja mais atrasado no Japão que na Europa ou nos EUA. Todas elas ajudam a explicar a relação do Japão, o país com mais robôs do mundo por trabalhador, com essas máquinas.
El País.com
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