Uma passadinha pelo site da Nasa enfatiza que a agência espacial norte-americana está numa “Jornada para Marte”, ou seja, em preparação para uma futura viagem tripulada ao planeta vermelho. O primeiro passo dessa missão seria o desenvolvimento da cápsula Órion e do foguete gigante SLS — veículos projetados para levar seres humanos até as imediações... da Lua.
Pois é, a despeito de todas as apresentações de PowerPoint e do entusiasmo geral por uma viagem a Marte, não existe muito mais que isso até agora no plano da Nasa. No mês de maio, o JPL (Laboratório de Propulsão a Jato) apresentou pela primeira vez num evento público o que seria um rascunho de uma arquitetura que viabilizaria a chegada a Marte. Ainda assim, Firouz Naderi, diretor de exploração do sistema solar no laboratório, realçou que era apenas um estudo inicial, para provar que é possível desenvolver um programa de exploração tripulada de Marte que caiba no orçamento anual da Nasa — cerca de US$ 18 bilhões por ano — e que seja capaz de colocar astronautas na superfície de Fobos (uma das luas marcianas) em 2033 e depois, finalmente, no empoeirado chão do planeta vermelho, em 2038.
A estratégia bolada pelo JPL é tão minimalista quanto possível, usando coisas já em desenvolvimento pela agência espacial norte-americana — como um rebocador espacial capaz de movimentar carga entre as órbitas da Terra e de Marte com propulsão alimentada por painéis solares — e módulos de habitação compactos. O problema do módulo de pouso em Marte — um dos maiores desafios de toda a missão — seria deixado para mais adiante. Após esse estudo, segundo Naderi, a Nasa acredita que conseguirá cumprir a meta estabelecida em abril de 2010 pelo presidente Barack Obama, de fazer tudo isso acontecer até meados da década de 2030.
Analistas independentes, contudo, não são tão otimistas. Uma estimativa recente feita por O. Glenn Smith, ex-gerente de engenharia de sistemas dos ônibus espaciais da Nasa, e Paul D. Spudis, cientista lunar norte-americano, sugere que o custo seria muito superior ao estimado pelo JPL. Eles comparam a iniciativa ao que se deu durante o programa Apollo, que levou astronautas norte-americanos à Lua entre 1968 e 1972. “Mandamos nove tripulações Apollo à Lua (seis pousaram). Se mandarmos nove tripulações a Marte, a conta total chegará a cerca de US$ 1,5 trilhão”, afirma a dupla. “O orçamento anual da Nasa teria de ser aumentado gradualmente até chegar a US$ 54 bilhões.”
Os veículos espaciais que existem hoje são basicamente o que sobrou do Programa Constellation, elaborado durante o governo de George W. Bush para promover um retorno à Lua — o objetivo oficial da Nasa até Obama chegar à Casa Branca. A cápsula Órion, por exemplo, só tem autonomia de 21 dias no espaço. Isso dá e sobra para ir e voltar da Lua (ida e volta consomem cerca de sete dias), mas é muito pouco para uma viagem a Marte (oito a dez meses).
Na prática, isso significa que, apesar de todo o alarde da promoção da viagem a Marte, o que veremos na próxima década é o quase certo retorno de seres humanos ao satélite natural da Terra. Se você escarafunchar na própria documentação da Nasa, vai descobrir exatamente isso. Por exemplo: o primeiro voo de teste a ser realizado por uma cápsula Órion e um foguete SLS, marcado para 2018, ainda sem tripulação, terá como roteiro uma volta ao redor da Lua. O segundo voo, para 2021, aí já com astronautas, repetirá exatamente o mesmo itinerário. E a ideia — ainda trepidante na Nasa e com baixa receptividade no Congresso norte-americano — de visitar um asteroide em 2025, antes da ida a Marte, também passa pela Lua.
Até o administrador da Nasa Charles Bolden admite que, antes de chegarmos ao planeta vermelho, teremos de passar uma temporada no espaço cislunar — os arredores da Lua. “Temos uma meta, um cronograma. Humanos em Marte, ou no ambiente marciano, nos anos 2030. Mas é uma longa e difícil caminhada”, disse Bolden. “É uma abordagem incremental. Vamos passar de cinco a dez anos longe da órbita terrestre baixa, no espaço cislunar.”
Parece quase uma trapaça. Obama disse em 2010 que iríamos a um asteroide como preparação para a longa jornada marciana. Faz sentido, já que podemos visitar algum asteroide cuja órbita fique a meio caminho entre a Terra e Marte e, assim, testar nossa habilidade de fazer voos interplanetários sem percorrer todo o trajeto até o planeta vermelho. Mas a Nasa descobriu que não teria como pagar nem isso, e propôs o desenvolvimento de um rebocador não tripulado que possa trazer um asteroide até — você adivinhou! — a órbita da Lua, para que então seja visitado por astronautas. Esse é o plano que a agência espacial tenta executar agora.
MEDO DA CONCORRÊNCIA
MEDO DA CONCORRÊNCIA
A Agência Espacial Europeia (ESA) também tem como objetivo enviar astronautas a Marte. Mas o novo diretor-geral da ESA, Johann-Dietrich Wörner, já manifestou publicamente seu interesse pela Lua. “Parece apropriado propor uma base permanente na Lua como sucessora da Estação Espacial Internacional”, declarou. Os russos igualmente querem enviar seus cosmonautas à Lua, e buscam uma parceria com os chineses, que, por sua vez, passaram a última década desenvolvendo o próprio programa lunar e estão a um passo de realizar seu primeiro retorno robótico de amostras do solo do nosso satélite natural, marcado para 2017.
Diante de tudo isso, os norte-americanos não têm como ignorar que o próximo passo de seu programa tripulado acabará sendo o retorno à Lua. Primeiro em missões orbitais, depois em pousos na superfície. É o que pensam também empreendedores como as norte-americanas SpaceX e Bigelow Aerospace, que querem ir a Marte (e provavelmente chegarão lá bem antes da Nasa), mas sabem que tudo começa na Lua. Muita coisa incrível deve acontecer na próxima década, mas as pegadas humanas que veremos então em outro corpo celeste prometem ser cinzentas — e não vermelhas.
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