Nas ruínas do milenar Grande Templo Bao’en, em Nanquim, leste da China, uma equipe de incrédulos arqueólogos encontrou uma enorme caixa de pedra de quase dois metros de altura. Dentro, havia um baú de ferro, um pouco menor. À primeira vista, o tesouro pareceu ser o conteúdo do invólucro, um magnífico altar budista de orações, decorado com pedras preciosas e adornado com motivos religiosos, florais e animais (tanto místicos quanto reais). Este relicário, porém, era oco. Em seu interior, havia um cofre de ouro dentro de outro de prata, ambos enfeitados com desenhos de divindades e ideogramas. Escondido bem no fundo dessa boneca russa jazia o verdadeiro tesouro: um pedaço do crânio do Buda (o osso parietal, da parte de cima da cabeça). A saga é narrada no volume mais recente do periódico científico “Chinese Cultural Relics”, que traduziu a pesquisa, originalmente publicada em chinês. “Quando vi as inscrições dizendo que haviam relíquias budistas na cripta, me dei conta de que havia feito a maior descoberta da minha vida”, disse à ISTOÉ o chefe da escavação, Haining Qi. “É muito provável que o fragmento realmente tenha pertencido ao Buda.”
Sidarta Gautama, o Buda, viveu entre os séculos 4 e 5 a.C., quando o budismo nasceu. Tradicionalmente, acredita-se que depois de sua morte o corpo foi cremado. E que, cerca de 100 anos depois, o imperador indiano Ashoka – um dos maiores responsáveis pelo advento da religião – separou os restos mortais em várias partes e as distribuiu mundo afora. Uma dessas cotas seria o osso parietal agora encontrado. A maior evidência são as inscrições de um dos baús que encapsulavam o pedaço de crânio. Assinado pelo abade Deming, intitulado “Mestre da Iluminação Perfeita” e “Guardião do Manto Púrpura”, o documento detalha a trajetória do objeto até cerca de mil anos atrás, período em que foram feitas as estruturas dentro das quais a relíquia estava guardada. O texto também registra os nomes dos reis e nobres que patrocinaram os trabalhos. “Os escritos de Deming, sem dúvida, são fatos históricos”, afirma Qi. “Eles foram confirmados por escavações arqueológicas e pela literatura do período.”
Monge budista e professor de história das religiões na Universidade de São Paulo (USP), Ricardo Mário Gonçalves considera difícil atestar, acima de qualquer suspeita, a veracidade do objeto. Mas pensa que o caráter histórico da descoberta é menor do que o simbólico. “Relíquias são ícones da doutrina do Buda, uma coisa muito mais importante do que a autenticidade.”
As escavações, conduzidas de 2007 a 2012, foram publicadas em chinês somente no ano passado. No meio tempo, o pedaço de crânio foi enterrado em um palácio construído especialmente para ele em Nanquim. Daqui para frente, os arqueólogos planejam publicar o relatório completo da escavação, que também encontrou preciosidades como frascos de cristal e restos mortais de vários outros santos budistas. A equipe, por enquanto, não vai fazer a datação do osso parietal via carbono-14, com o que se poderia confirmar se o fragmento é compatível com o período de vida de Sidarta Gautama. De acordo com eles, a análise poderia danificar o achado. “Esta descoberta nos permitiu acessar a mais sagrada relíquia do budismo, uma das grandes religiões do mundo”, diz.
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