Dois relatórios internacionais chamaram a atenção para a vertiginosa perda de biodiversidade em escala global. Primeiro, o Relatório Planeta Vivo 2014. Produzido pelo WWF, esse documento bianual envolve um dos maiores esforços científicos ao redor do globo. E desta vez, a mensagem é impactante. Perdoem-me ser repetitiva, uma vez que imprensa mundial deu muito foco a esses números, mas é fundamental revisitá-los para que não sejam esquecidos.
É importante citar que centenas de pesquisadores das mais respeitadas instituições internacionais agregaram seus dados para estabelecer o índice, que leva o nome do relatório (Living Planet Index, em inglês). O índice é calculado a partir das tendências observadas em 10.380 populações de mais de três mil espécies de vertebrados – mamíferos, pássaros, répteis, anfíbios e peixes.
Nos últimos 40 anos (de 1970 a 2010), os estudiosos notaram um crescente declínio dessas populações. Esse declínio atinge mais da metade (52%) do número de indivíduos das populações de muitos dos vertebrados existentes na face da Terra ou no fundo das águas.
Cerca de 45% das espécies estudadas foram vítimas da perda ou alteração profunda dos seus habitats (florestas, rios, mares, áreas úmidas). E as causas dessa brutal descaracterização da natureza são atividades corriqueiras, como agricultura, crescimento urbano e produção de energia. Portanto, têm relação direta com a tendência mundial de aumento do consumo de recursos naturais.
Caça e pesca desenfreada foram responsáveis pelo declínio de 37% das populações de vertebrados, conforme o estudo. E o maior estrago foi nos ambientes de água doce, com o qual se relacionam as populações estudadas de peixes, anfíbios, mamíferos e aves – diminuíram em 76%: coleta de água, represas, alterações de curso e poluição são as principais ameaças. Nos mares, 39% das espécies estudadas estão em risco. Isso inclui de sardinhas a baleias.
E, sabemos também que, a cada ano, esgotamos mais cedo o que o planeta é capaz de produzir e de recuperar em 365 dias, o que nos remete para o crescimento e consumo vertiginosos da classe média global, como se vê na Índia, China e Brasil.
Na América Latina, os cientistas do Planeta Vivo encontraram dados estarrecedores. O número de indivíduos das populações de peixes, aves, mamíferos, anfíbios e répteis na região decresceu 83% em quatro décadas.
A nova edição do relatório faz ainda um ranking por países e regiões e aponta que a nossa Pegada Ecológica – medida da demanda da humanidade sobre a natureza – continua a aumentar. A conclusão nada animadora é que a combinação de perda de biodiversidade e Pegada Ecológica insustentável ameaçam os sistemas naturais e o bem-estar humano no mundo todo.
Em outras palavras, isso significa que estamos rifando a capacidade da Terra de produzir alimentos, água doce e ar puro para que possamos sobreviver independentemente da região do mundo onde estivermos. Não custa lembrar do que nos informam os cientistas ao dizer que a biodiversidade é o que sustenta a teia de vida no planeta.
Basta olhar para o estado em que a biodiversidade se encontra para que tenhamos um bom indicador de como caminha a humanidade, ou melhor, para onde caminha a humanidade.
E o indicativo é ruim. É o que diz a quarta edição do Panorama Global da Biodiversidade, o mais novo estudo sobre o status de proteção da biodiversidade no mundo. Ele foi estrategicamente divulgado no dia 6, na abertura da reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), em Pyeongchang, na Coreia do Sul, que vai até o dia 17. O relatório mostra que são necessárias vontade, metas e ações concretas por parte dos países para reduzir as pressões sobre os ambientes naturais e prevenir o declínio contínuo da biodiversidade do planeta.
No caso do Brasil, devemos retomar o ritmo de criação de áreas protegidas e cuidar muito melhor das existentes, ratificar o Protocolo de Nagoya (que regula o acesso a patrimônio genético da biodiversidade), integrar o valor dos serviços ambientais nas contas e políticas nacionais e criar urgentes incentivos econômicos para quem conserva.
Mais que tudo: temos de zerar o desmatamento no Brasil, pois a destruição dos ambientes naturais como as florestas, por exemplo, é uma das principais causas da perda de biodiversidade no País. Mas acabamos de perder uma ótima oportunidade de nos aliar a um movimento internacional em defesa das florestas. O Brasil não assinou a Declaração de Nova Yorque, que propõe reduzir pela metade o corte de florestas até 2020 e zerá-lo na década seguinte. Felizmente ainda há tempo. E o governo brasileiro pode – e deve – voltar atrás, assinando o documento.
Está, ou já deveria estar claro que o senso de urgência precisa guiar as decisões dos países durante os próximos dias na Coreia do Sul. Posteriormente, esta urgência deve guiar a implantação dos acordos no âmbito nacional, integrando as metas de biodiversidade aos esforços de erradicação da pobreza, segurança alimentar, hídrica e energética.
O principal alerta é que estamos chegando a um ponto sem volta. Não sabemos até que ponto Gaia vai tolerar tanto descaso.
Época.com
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