A deterioração ambiental da Terra está perigosamente mais dramática que abordagens tradicionais tem sugerido, o que deve estimular uma mudança radical de postura por parte de toda a sociedade humana, sob pena de efeitos imprevisíveis mesmo em curto prazo.
Um trabalho publicado na revista científica americana Science, com participação do pesquisador brasileiro Mauro Galetti, do câmpus Rio Claro da Unesp, revela que o processo de “defaunação” do planeta está levando a uma extinção em massa de animais de pequeno e médio porte.
A defaunação, segundo mostra a pesquisa, compilando dados da literatura especializada, leva ao desaparecimento de animais mesmo em áreas não desmatadas e aparentemente estabilizadas de um ponto de vista ambiental.
De acordo com a interpretação dos autores de diversos países (Estados Unidos, México e Reino Unido, além do Brasil) envolvidos com a pesquisa, estamos em meio a uma onda global de perda de biodiversidade inédita provocada por ação humana.
Os dados apontam que nada menos que 322 espécies animais foram extintas desde 1500, a infância do período das viagens de descobrimentos que se iniciaram em Portugal e, em seguida, se espalharam por Espanha, Holanda, França e Inglaterra.
À primeira vista pode parecer um período longo demais para trazer preocupações a uma única geração humana. A realidade, no entanto, é mais complexa e ameaçadora que sugere uma interpretação simplista, como a que a maioria das pessoas tende a fazer ao se referir a questões climático-ambientais.
Essas perdas se mostram também entre invertebrados − além de animais de grande e pequeno porte: 35% no curtíssimo intervalo de 40 anos.
Ameaça à sobrevivência
As conseqüências dessa perda de biodiversidade estão longe de serem apenas emocionais. Elas ameaçam a qualidade e mesmo continuidade da vida humana.
Ainda que o especismo esteja longe de uma discussão mais profunda, como já ocorreu com o racismo e sexismo, continuamos − por uma série de razões, inclusive de fundo religioso − a pensar que as outras formas de vida com que partilhamos o mundo estão aqui para atender nossos desejos e necessidades e teríamos um pretenso direito de explorá-las à exaustão.
O trabalho mostra que a defaunação afeta pontos estratégicos à sobrevivência humana por afetar processos ambientais críticos em pontos como:
Polinização: Insetos, entre eles abelhas que enfrentam ameaças em escala global, polinizaram 75% da produção agrícola mundial. Evidentemente que, com o comprometimento, ainda que parcial desse processo, a tendência é queda de produção nos campos.
Controle de pestes: morcegos e aves controlam pragas agrícolas que, de outra forma, seriam devastadoras. Nos Estados Unidos, onde as estatísticas são mais frequentes que em outras regiões do planeta, o serviço natural prestado por essas espécies é avaliado em algo como US$ 45 bilhões ao ano.
Ciclagem de nutrientes e decomposição: aqui, invertebrados e vertebrados (urubus, entre outros) desempenham papel estratégico na decomposição orgânica e ciclagem de nutrientes no ambiente.
Qualidade da água: a defaunação, mostra o trabalho, compromete a qualidade da água que também mostra oferta irregular em função de mudanças climáticas produzidas por aquecimento global, resultado de ações humanas.
Desaparecimento de sapos e pererecas
O declínio de anfíbios como sapos e pererecas aumenta a concentração de algas e outros detritos, o que compromete a qualidade dos recursos hídricos.
Saúde pública: a defaunação afeta a saúde humana de diferentes maneiras num processo complexo que se estende da desnutrição ao controle de doenças.
O clássico Primavera Silenciosa, da oceanógrafa e jornalista americana Rachel Carson (1907-1964), publicado em 1962 e que fundou o moderno ambientalismo em escala mundial, denunciou o silêncio nos campos provocado pelo uso intensivo do pesticida DDT.
A obra de Carson fez com que o DDT − empregado ao longo da Segunda Guerra Mundial no combate de mosquitos vetores de doenças como malária e outras enfermidades – fosse banido.
As preocupações que ela levantou, no entanto, apenas anunciam uma época de enormes preocupações ambientais, consequência, em grande parte, de um processo que alguns pensadores se referem como de “dessacralização” da Natureza e adoção de um consumismo desenfreado e inconsistentes com a potencialidade de um planeta com uma população em crescimento acelerado.
Evidências de pressões ambientais se manifestam de todas as direções e a escassez de água, ainda que anunciada há décadas, agora toma forma definitiva e chega literalmente às torneiras das moradias.
Formuladores de políticas imediatistas, no entanto, lamentam, entre outros acontecimentos, a retração do mercado de automóveis, como se esses objetos de desejo pudessem expandir para sempre e cobrir, inconsequentemente, a face de toda a Terra.
A verdade é que, em países como o Brasil, automóveis inundam as ruas e as estradas como a releitura de uma praga bíblica.
Para abastecê-los, além do combustível fóssil, é preciso ocupar os campos como recursos renováveis, como a cana-de-açúcar, que expulsa animais, destrói ambientais e literalmente calcina os que não conseguem escapar das línguas de fogo em locais onde o corte da produção ainda é artesanal, como nos primeiros tempos da escravidão.
A pressão sobre os recursos naturais cresce a cada dia e as perspectivas de alternativas mais promissoras para uma tomada de posição mais consistente enfrenta o cinismo e realismo apenas aparente de formuladores de políticas em que apenas interesses restritos e imediatos são levados em conta.