Estados Unidos, 1934. Em meio à maior crise econômica de sua história o país é desafiado a resolver um problema inesperado, o Dust Bowl. Uma seca prolongada, a rápida substituição da vegetação nativa por culturas agrícolas e más práticas de manejo do solo produzem gigantescas tempestades de areia que cobrem casas e arruínam a produção agrícola de uma das regiões agrícolas mais prósperas do país, as Grandes Planícies, forçando o deslocamento de cerca de 2 milhões de pessoas para outras regiões.
Brasil, 2015. Em meio à turbulência econômica, uma seca prolongada, o aumento no consumo de água e energia e a extensa substituição da cobertura florestal nativa por outros usos do solo faz com que os reservatórios que abastecem a região mais próspera do país estejam à beira do colapso. Indústrias começam a rever planos de expansão e reduzem suas atividades por escassez de água, aprofundando a crise econômica.
Sete mil quilômetros e oitenta anos de história separam as duas situações, mas há muito que se aprender com a crise norte-americana. Buscando entender a raiz do desequilíbrio, o Governo Federal consultou especialistas e descobriu que o desmatamento excessivo, associado a más práticas agrícolas, estavam degradando os solos e a água em todo o país. Criou um Serviço de Proteção ao Solo e contratou mais de 3 milhões de jovens para recuperar parte da vegetação nativa e reformar campos agrícolas. Em nove anos, plantaram 3 bilhões de árvores e recuperaram mais de 240 mil hectares de vegetação nativa em áreas agrícolas com alta sensibilidade ecológica, como beiras de rios.
Hoje o governo americano investe cerca de US$ 6 bilhões por ano em programas de restauração ecológica e melhoria de práticas agrícolas. Em 2014 havia 11,2 milhões de hectares em restauração – área maior do que Santa Catarina – e cerca de 8 mil técnicos em conservação de recursos naturais apoiando gratuitamente produtores rurais a implementá-las.
Bons exemplos são sempre inspiradores. A atual crise hídrica brasileira pode ser a oportunidade de resgatarmos a importância da conservação e restauração da vegetação nativa no país para o benefício dos brasileiros que vivem nas grandes cidades. É longa a lista de benefícios que os ecossistemas nativos prestam às sociedades humanas. Florestas, como a Mata Atlântica, contribuem para termos água mais limpa e constante ao longo do ano, com evidentes benefícios econômicos e sociais. Mesmo assim, o território do Sistema Cantareira, por exemplo, tem menos de 30% de suas matas ciliares conservadas. Em toda a bacia hidrográfica do Paraná, onde se concentra grande parte da produção econômica brasileira, são apenas 17% de florestas preservadas.
Para virarmos este jogo, é fundamental pensar grande. Embora traga diversos benefícios à sociedade, o custo da restauração florestal pode ser pesado para muitos produtores rurais. Mesmo que haja determinação legal para tanto, não é razoável imaginar que venhamos a reabilitar nossas regiões mais necessitadas sem que exista o reconhecimento econômico e social da importância desta recuperação traduzido em apoio concreto aos produtores que vivem nestas regiões. Precisamos de toda a sociedade neste esforço, passando pelo engajamento proativo do setor privado e das empresas de abastecimento de água. Precisamos de políticas de incentivos econômicos que criem uma situação ganha-ganha, na qual a sociedade receba os serviços ambientais dos quais necessita ao mesmo tempo em que, no campo, se aumenta a criação de empregos verdes e uma nova cadeia de produção rural associada à oferta de serviços ambientais é estruturada.
A boa notícia é que já existem experiências em curso, como a implementada pelo município de Extrema (MG), importante fonte de abastecimento do Sistema Cantareira, onde produtores rurais vêm recebendo um pacote de incentivos econômicos desde 2007 para reflorestar suas áreas de nascentes e matas ciliares. Lá se criou uma dinâmica positiva onde todos saem ganhando, do produtor rural aos habitantes da cidade de São Paulo. Essa prática pioneira vem sendo replicada com o apoio da Agência Nacional de Águas, - ANA em outras cidades, como Rio de Janeiro e Brasília, e mesmo em âmbito estadual, como no Espírito Santo. Em São Paulo, o Projeto Nascentes promete restaurar 20.000 hectares de matas ciliares nos principais mananciais da Grande São Paulo. Mas precisamos agora ampliar a escala dessas iniciativas, com investimentos públicos e privados.
Mesmo em tempos de crise econômica é possível encontrar recursos para a restauração ecológica e garantia da provisão de serviços ambientais. Utilizar recursos da compensação ambiental de empreendimentos de infraestrutura ou da exploração do petróleo, por exemplo, são alternativas que alguns estados já vem explorando e precisam ser ampliadas. Aplicar pequena parte do arrecadado com o consumo de água e energia em “infraestrutura verde” é algo que alguns países já vêm fazendo e que começamos a ter os primeiros exemplos no país. Projetos de lei sobre pagamentos por serviços ambientais vem sendo discutidos desde 2007 no Congresso Nacional e o tema já tem maturidade suficiente para ser transformado em política pública nacional. Utilizar as políticas agrícolas, como crédito rural e compras públicas, para premiar produtores que restauram seus passivos é uma possibilidade que deve ser explorada.
Restaurar os ecossistemas nacionais não é uma excentricidade. Nos últimos cinquenta anos, a Coréia do Sul reflorestou 30% de seu território e a Costa Rica aumentou sua cobertura florestal em 17%. Dinamarca, Suécia, China e muitos outros países reagiram a situações de crise e restauraram florestas em larga escala, gerando benefícios econômicos, sociais e ambientais. Em todos os casos houve investimentos públicos e mobilização da sociedade, aí incluído o setor privado. O Brasil se transformou num dos maiores produtores agrícolas do mundo justamente dessa forma. Agora é a vez de investir na produção de serviços ambientais.
Época.com
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