quarta-feira, 27 de maio de 2015

Só a 'agroecologia' nos salva

Banca de frutas e legumes (Foto: shutterstock)
 
Nosso sistema alimentar está em colapso. As pessoas não confiam nos alimentos que comem e sequer sabem quem os plantou. Milhões de agricultores estão pobres e muitos passam fome. A comida que comemos está nos deixando mal nutridos ou obesos – ou ambos. Quase um bilhão de pessoas vai dormir com fome todos os dias, apesar de o mundo produzir comida suficiente para alimentar todos os sete bilhões de habitantes do planeta. Atualmente, cerca de um bilhão de pessoas está com sobrepeso, enquanto 30% dos alimentos do mundo são desperdiçados.

Nosso desafio, hoje, não é aumentar a produção de alimentos, mas sim repensar onde, como, por quem e para quem a comida é produzida. As pessoas e o planeta estão sofrendo com um sistema alimentar que precisa de mudanças urgentes.
No Brasil não é diferente. Nos últimos dez anos, o país vem reduzindo a pobreza e a insegurança alimentar com sucesso e, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), atingiu patamares similares aos de países desenvolvidos no que diz respeito ao combate à fome.

No entanto, o aumento do poder aquisitivo para muitos brasileiros facilitou o acesso a alimentos altamente processados, oferecidos por grandes empresas do segmento, jogando milhões de brasileiros de uma situação de fome, diretamente para uma situação de obesidade. A Pesquisa de Orçamentos Familiares, realizada pelo IBGE, apontou que 17,5% da população brasileira está obesa e 51% apresenta sobrepeso. As estatísticas também atingem os pequenos: uma em cada três crianças entre 5 e 9 anos está com sobrepeso.
Não é apenas no peso que notamos as evidências de um sistema alimentar falido. O Brasil é, há alguns anos, o país que mais consome agrotóxicos em todo o mundo, respondendo por cerca de 20% do mercado global de venenos. O programa de monitoramento da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Santitária) verificou que, aproximadamente, 1/3 de todas as amostras testadas para agrotóxicos não eram adequadas para consumo – por apresentar agrotóxicos acima do limite permitido ou por apresentar substâncias proibidas. Um estudo recente do Inca (Instituto Nacional do Câncer) destacou a relação entre o alto uso de agrotóxicos, as vastas áreas plantadas com transgênicos no Brasil – principalmente soja, milho e algodão – e os diversos impactos na saúde da população.

O Brasil, assim como muitos países que fornecem recursos naturais para o mercado global, é altamente dependente do comércio internacional de produtos agrícolas. Agrotóxicos, transgênicos, fertilizantes químicos, monoculturas, concentração de terras, desmatamento e trabalho escravo são todos ingredientes frequentes do modelo de agricultura industrial voltado para exportação, que ocupa 75% das terras agrícolas brasileiras, recebe 90% do crédito disponível para agricultura no país, mas emprega apenas ¼ da força de trabalho no campo e compromete a saúde das pessoas e a preservação do meio ambiente.

 Segundo a ONU, apoiar a agricultura familiar e de pequena escala é fundamental para erradicar a pobreza no campo e garantir segurança e soberania alimentar. O Brasil possui um vibrante movimento de agricultura familiar e orgânica. Propriedades familiares representam cerca de 80% das propriedades agrícolas do país e ocupam cerca de 12 milhões de pessoas.  A produção orgânica do país também está a todo vapor. De acordo com o Ministério da Agricultura, o número de produtores orgânicos cresceu 51% de janeiro de 2014 até janeiro de 2015, ultrapassando 10 mil produtores e ocupando cerca de 750 mil hectares. No entanto, a agricultura familiar e orgânica no Brasil recebe apenas cerca de 10% do crédito agrícola disponível.

É preciso criar uma revolução agroecológica. Precisamos de uma agricultura que proteja, mantenha e recomponha a diversidade da vida na Terra, respeitando os limites ecológicos e garantindo equidade sustentável e soberania alimentar. Precisamos de um modelo agrícola em que alimentos seguros e saudáveis sejam produzidos para atender às necessidades humanas, e onde o controle sobre a comida e a produção de alimentos esteja nas mãos de comunidades e produtores locais, e não na mão de corporações transnacionais.
A agroecologia garante o plantio e consumo de alimentos saudáveis hoje e amanhã, protegendo o solo, a água e o clima e promovendo a biodiversidade - tudo isso sem contaminar o meio ambiente com insumos químicos e organismos transgênicos. Porém, para que essa revolução seja verdadeiramente ecológica e justa, também será preciso lidar com assuntos como desperdício de alimentos, desigualdades sociais e dietas não sustentáveis com alto consumo de carnes e laticínios, entre outras coisas. A agricultura ecológica é um sistema alimentar que tem as pessoas e agricultores em seu centro, e que combina ciência moderna e inovações com a natureza e a biodiversidade, indo muito além do que acontece no campo. Afinal de contas, a forma como nos alimentamos e produzimos nossa comida diz respeito a todos nós.
Época.com

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