domingo, 17 de maio de 2015

O maior telescópio já projetado - European Extremely Large Telescope

Ao apontar sua luneta para o céu, em 1609, Galileu Galilei descobriu as manchas solares, o relevo lunar, as fases de Vênus, as luas de Júpiter, e deu o start no entendimento da Via Láctea. Depois de mais de 400 anos, estamos perto de dar um salto da mesma importância. O motivo tem nome: European Extremely Large Telescope. Segundo os cientistas que o projetaram, o E-ELT terá o mesmo impacto no estudo do universo que teve o instrumento de Galileu.
Não é para menos, o telescópio óptico será, com folga, o maior do mundo.
As obras começaram em julho de 2014 e devem levar mais dez anos. A construção fica no cerro Armazones, a 3.060 metros de altitude, com área de 978 metros quadrados e espelho principal de 39 metros de diâmetro. O preço também chega às estrelas: US$ 1,2 bilhão. E, apesar de toda essa imponência, o E-ELT é uma espécie de prêmio de consolação, já que o projeto original previa um espelho de 100 metros – ideia tão ousada que não pôde sair do papel.
 
Vista de dentro, a estrutura do Very Large Telescope (VLT) parece complexa. E é mesmo. (Foto: ESO/ G. Lombardi, José Francisco Salgado, J.L. Dauvergne & G. Hüdepohl (atacamaphoto.com))
 
O gigante é obra do Observatório Europeu do Sul (ESO), uma organização que envolve 14 países europeus, além do Chile e do Brasil, que assinou sua entrada em 2010, mas, como não pagou o “título” de US$ 307 milhões para oficializar a associação, não vota nas decisões nem participa das licitações.
A escolha do Chile pelo ESO foi estratégica. O país é um oásis para esse tipo de estudo: baixo índice pluviométrico, altitude ideal, proximidade com a linha do equador e facilidades oferecidas pelo governo. É sobretudo no deserto do Atacama que as condições são ideais, quase marcianas. A ari­dez do solo, a coloração avermelhada da terra e o clima seco dão ao menos uma ligeira ideia de como é a superfície do planeta vermelho. Compõem a paisagem também as noites limpas e a baixíssima incidência de chuvas.
Não surpreende, assim, que o maior complexo de observação astronômica  feito pelo homem também esteja lá. A construção conta com três observatórios ao longo de 700 quilômetros: La Silla, Alma e Paranal, onde estará o E-ELT.
Mas o que se vê da superfície é só a ponta do iceberg deste telescópio, que possui uma série de túneis subterrâneos. (Foto: ESO/ G. Lombardi, José Francisco Salgado, J.L. Dauvergne & G. Hüdepohl (atacamaphoto.com))
 
O primeiro a ser inaugurado foi o La Silla, em 1969. Apesar dos seus 45 anos, engana-se quem pensa que ele deve alguma coisa aos seus vizinhos mais jovens. Nesse período, recebeu sete telescópios, como o Harps, o maior “caçador” de exoplanetas (planetas fora do sistema solar) em atividade na Terra.
Mas os últimos 15 anos foram os mais intensos no trabalho do ESO. Em 1998, o VLT (leia na p. 58) abriu seus olhos para captar luz espacial pela primeira vez (a 20 quilômetros de onde será construído o E-ELT). Deu-se então o nascimento do Observatório Paranal, o maior e mais importante centro de observação do universo.
Nem só de ondas visíveis, porém, vive a astronomia. Por isso, em 2011, o ESO, em parceria com o National Radio Astronomy Observatory e o National Astronomical Observatory of Japan, construiu o Alma, o complexo que custou cerca de US$ 1,4 bilhão e tem o objetivo de estudar o universo frio.
GELO CÓSMICO Não, Alma não é uma referência mística. É a abreviação de Atacama Large Millimeter/submillimeter Array. Trata-se de um conjunto de radiotelescópios com 66 “antenas parabólicas” que captam ondas de luz e calor impossíveis de serem lidas por telescópios ópticos. Ele observa o “universo gelado” e traduz as informações das ondas localizadas.
É uma ferramenta e tanto. As luzes captadas pelo Alma só poderiam ser observadas para lá da Terra, uma vez que a atmosfera terrestre as bloqueia e turva a qualidade dos sinais. São metade de toda a luz emitida no universo e são fundamentais para os cientistas. Nelas se encontram as pistas sobre o surgimento de planetas, estrelas, galáxias e até moléculas que eventualmente evoluiriam para elementos orgânicos e dariam indícios de pontos onde poderia haver vida no espaço. “O Alma permite captar todas as ondas de luz e calor, até o fim de suas vibrações, emitidas pela areia do universo. Esse brilho é diferente de outros elementos espaciais, e, ao analisá-lo, é possível estudar a gênese de estrelas, sua composição química e a força gravitacional ao redor delas”, explica o astrônomo Tommy Wiklind. Para captar os sinais (veja a sequência acima), os sensores gelados de cada antena absorvem as luzes que vêm do espaço. Esse volume absurdo de informações, 16 mil teras por segundo, é automaticamente digitalizado e transportado para o computador Alma Correlator Breaker Panel por 16 quilômetros de fibra óptica, onde os sinais são padronizados. Quando chegam ao supercomputador, que ocupa uma sala inteira e cuja capacidade é equivalente à de 3 milhões de notebooks domésticos, os sinais são decodificados e então convertidos em informações astronômicas. Contudo, os dados que chegam ao desktop de cientistas como Tommy são apenas o créme de la créme do Alma: a quantidade de ruído é tanta que menos de 1% de tudo o que é captado é útil; o supercomputador elimina as informações ruins e multiplica os sinais corretos.
 
 
A construção fica no topo do cerro Paranal, no deserto do Atacama, no Chile (Foto: ESO/ G. Lombardi, José Francisco Salgado, J.L. Dauvergne & G. Hüdepohl (atacamaphoto.com))
 
Essa técnica é chamada de interferometria. Ela não é nova, foi tentada pela primeira vez em 1948, mas o Alma a executa de forma inédita: os sinais são combinados automaticamente na captação. Por isso, é importante a maneira como as antenas estão dispostas no Chajnantor Plateau, a mais de 5 mil metros de altitude, que permite combinações nas quais a capacidade de absorção de luzes das antenas pode superar até dez vezes a do poderoso telescópio Hubble. São os olhos da ciência para o que o homem não vê.
A UNIÃO FAZ A FORÇA A uma altitude de 2.635 metros, o cerro Paranal é a única referência visual num raio de muitos quilômetros no deserto do Atacama. É naquele cenário de ficção científica que cerca de 250 profissionais passam meses enclausurados. Para fornecer condições de trabalho (e preservar a saúde mental dos cientistas), o ESO criou uma megaestrutura, com hotel de luxo, piscina, quadra poliesportiva e restaurante. Nada que os fãs de James Bond já não tenham visto no filme 007 – Quantum of Solace, que utilizou o complexo como cenário.
Esse pessoal está lá por um motivo: o Very Large Telescope (VLT), um conjunto de quatro telescópios ópticos cujo espelho tem 8,2 metros de diâmetro mais quatro telescópios auxiliares de 1,8 metro. Além dele, há outros dois importantes instrumentos de pesquisa: o Vista (4,1 metros), dedicado ao estudo de ondas infravermelhas; e o VLT Survey (2,6 metros), o mais novo “brinquedinho” dos cientistas desde 2011. Os quatro telescópios podem trabalhar de maneira independente (cada um com um foco de estudo diferente), mas se tornam especiais quando juntam forças: a capacidade de captação é 25 vezes maior que a dos telescópios individuais. Se, por exemplo, um carro acendesse os faróis na Lua, o VLT seria capaz de distinguir as luzes.
O VLT não é exatamente uma máquina fotográfica. Sua principal capacidade é criar padrões de luz e sombra, a partir das ondas de luz que entram pelo espelho, para compreender os detalhes de cada pedaço do objeto observado, mas, a priori, não se forma uma imagem disso. Como um iceberg, boa parte da fórmula da eficiência do VLT está abaixo da superfície. O cuidado com que as luzes captadas são transmitidas aos computadores é fundamental: elas são levadas por túneis ópticos subterrâneos em uma combinação de espelhos. As informações combinadas pelos supercomputadores do ESO são capazes de reconstruir imagens 16 vezes mais nítidas que as obtidas por cada telescópio individualmente.
É tecnologia de ponta, mas não o suficiente. “Ao aumentar o tamanho do telescópio, aumentam-se duas coisas basicamente. Uma é a superfície, que coleta luzes mais fracas, tendo um impacto enorme na análise dessas galáxias formadas nos primeiros 300 milhões de anos. Dá para começar a ver os corpos espaciais tão perto que é preciso qualidade extrema do sinal, que é muito pequeno. A segunda coisa aumentada é a precisão no sinal. Ambas serão possíveis apenas com o E-ELT”, diz Claudio Melo, cientista brasileiro que é chefe de departamento do ESO.
“Os instrumentos do VLT já permitiram estudar com grande detalhamento a forma e a dinâmica dos corpos mais antigos do universo”, afirma Fernando Comerón, astrônomo que comanda operações do ESO. “Mas o E-ELT é mais ambicioso: com ele buscamos detectar planetas como a Terra, o que inclui possivelmente encontrar indicações de atividade biológica e a observação detalhada das primeiras estruturas que formaram o espaço.”
Em 2013, um grupo de astrônomos brasileiros da USP fez uma das descobertas mais importantes dos últimos tempos ao localizar uma estrela gêmea do Sol. Como a estrela HIP 102152 é mais velha, será possível comparar seu ciclo de vida com o do nosso astro-rei. E há ainda a possibilidade de que ela seja orbitada por planetas iguais à Terra, mas isso só o E-ELT vai poder dizer. “Especificamente para a descoberta de outros planetas como o nosso, o E-ELT vai ser equipado com um espectrógrafo que permitirá medir o efeito causado por corpos relativamente pequenos, como a Terra”, afirma o astrônomo Jorge Meléndez, que coordenou a busca.
Logo o gigantesco instrumento irá ajudar a responder às questões mais importantes da astronomia e, quem sabe, da humanidade: se há vida fora da Terra e qual a origem do universo.

COMO FUNCIONA O ALMA
São 66 “antenas parabólicas” (12 com sete metros de diâmetro e 54 com 12 metros) cujos sensores gelados, que trabalham a até -269°C, captam as luzes e, consequentemente, as informações delas, que vêm do espaço em frequências de extrema precisão (Foto: B. Tafreshi (twanight.org), ESO)
São 66 “antenas parabólicas” (12 com sete metros de diâmetro e 54 com 12 metros) cujos sensores gelados, que trabalham a até -269°C, captam as luzes e, consequentemente, as informações delas, que vêm do espaço em frequências de extrema precisão (Foto: B. Tafreshi (twanight.org), ESO)

Esse volume de informações chega a 16 mil terabytes por segundo e é automaticamente digitalizado e transportado por 16 quilômetros de fibra óptica até o computador Alma Correlator Breaker Panel, onde os sinais são padronizados. Porém, por conta dos ruídos, menos de 1% de tudo que é captado tem utilidade — o supercomputador elimina as informações ruins e multiplica até milhões de vezes os sinais corretos (Foto: B. Tafreshi (twanight.org), ESO)
Esse volume de informações chega a 16 mil terabytes por segundo e é automaticamente digitalizado e transportado por 16 quilômetros de fibra óptica até o computador Alma Correlator Breaker Panel, onde os sinais são padronizados. Porém, por conta dos ruídos, menos de 1% de tudo que é captado tem utilidade — o supercomputador elimina as informações ruins e multiplica até milhões de vezes os sinais corretos (Foto: B. Tafreshi (twanight.org), ESO

O trabalho então é combinado entre computadores e cientistas para determinar quais recortes de informações devem ser replicados e introduzidos em um novo programa. Só aí, semanas depois da captação, as imagens do universo são reproduzidas (Foto: B. Tafreshi (twanight.org), ESO)
O trabalho então é combinado entre computadores e cientistas para determinar quais recortes de informações devem ser replicados e introduzidos em um novo programa. Só aí, semanas depois da captação, as imagens do universo são reproduzidas (Foto: B. Tafreshi (twanight.org), ESO)
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 (Foto: Revista Galileu)
 (Foto: ESO)

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