sábado, 17 de outubro de 2015

Águas de Marte

Águas de Marte, fonte de inspiração  (Foto: Nasa)
 
As observações de cientistas sobre o planeta Marte inspiram a indústria cultural há mais de um século. Nos anos 1880, o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli usou um telescópio para observar formações geológicas de canais na superfície marciana. Ele as chamou de “canalis”. Num erro de tradução de jornais ingleses, os canais naturais viraram sistemas de irrigação supostamente construídos por civilizações extraterrestres. A confusão inspirou o britânico H.G. Wells a escrever, em 1898, o livro A guerra dos mundos, que descrevia uma catastrófica invasão marciana à Terra. Em 1938, o ator e diretor americano Orson Welles narrou trechos adaptados do livro num programa de rádio ao vivo em tom noticioso. O episódio tornou-se uma lenda: as pessoas que começaram a ouvir o programa sem saber que era uma obra de ficção reagiram aos gritos. Houve cenas de pânico generalizado em ruas dos Estados Unidos.
Muitas músicas, livros e filmes seguiram a mesma temática a partir daí . O filme mais recente, Perdido em Marte, do diretor Ridley Scott, estreou justamente na semana de um dos anúncios mais importantes da Agência Espacial Americana. A Nasa revelou ter encontrado no planeta correntes de água salgada que descem por encostas no verão marciano. Abriu, assim, espaço para novas especulações sobre a existência de vida no planeta. Não demorou para os mais céticos dizerem que o anúncio não passava de uma ação de marketing do filme de Scott. O diretor entrou na brincadeira. “Eu sabia há meses”, disse.

Pode ter sido apenas uma feliz coincidência para Scott, mas a veia marqueteira da Nasa não é uma piada e já apareceu em várias  situações. A agência tem o costume de usar suas descobertas para pressionar os políticos americanos a garantir os vultuosos recursos necessários para suas explorações espaciais. Só o front marciano, segundo reportagem da revista Wired, deve consumir um montante entre US$ 80 bilhões e US$ 100 bilhões nos próximos 20 anos. Andy Weir, autor do livro que deu origem a Perdido em Marte, disse que a Nasa viu em sua obra uma oportunidade para “reengajar o público nas viagens espaciais”. Não é por acaso que os principais anúncios da Nasa nos últimos anos ocorrem no segundo semestre. Nessa época, nos Estados Unidos, os órgãos públicos começam a corrida para brigar por uma fatia maior do orçamento federal do ano seguinte. Há dois anos, em setembro de 2013, a agência havia revelado que a sonda Curiosity encontrara indícios de água misturada ao solo marciano.
A presença de água em Marte está longe de ser uma novidade. Desde os anos 1970, quando as primeiras sondas foram enviadas ao planeta, há notícias de que existe água em diferentes estados na atmosfera marciana. O que a Nasa tem feito desde então é identificar onde e como a água se faz presente. Em 2002, a sonda Mars Odyssey encontrou uma enorme quantidade de gelo no subsolo marciano. Em 2011, imagens mostravam os nichos por onde corria uma substância líquida. No fim do mês passado, veio a confirmação de que era água. Foi o indício mais forte já encontrado de que aqueles nichos, todos os verões, recebem uma água salobra. Ou, como alguns especialistas preferiram chamar, de sal hidratado. “A presença de água é importante para futuros viajantes que forem para Marte”, disse John Grunsfeld, responsável pelas missões científicas da Nasa. “Não apenas para a hidratação, mas para o cultivo de vegetais em estufas infláveis.”
De acordo com os cientistas da Nasa, a parte mais importante da descoberta de água corrente em Marte é a possibilidade iminente de achar vida extraterrestre. “Em todos os lugares da Terra onde há água, dos mais profundos aos mais áridos, há a presença de algum tipo de vida”, disse Jim Green, diretor da divisão de ciência planetária da Nasa. “Agora poderemos ir aos lugares certos em Marte para investigar isso.”

Os cientistas trabalham com a hipótese de que bactérias e micróbios podem habitar o planeta. Também não descartam a possibilidade de haver água fresca escondida no subsolo marciano. Uma das teorias diz que a água salgada das encostas vem desses aquíferos. As outras duas hipóteses apontam que a origem da água está no degelo dos picos montanhosos ou do vapor condensado da atmosfera.
A descoberta da Nasa oferece algumas respostas e lança uma série de desafios. Como faremos para enviar sondas capazes de reconhecer organismos que não existem na Terra? É possível e seguro enviar seres humanos para fazer esses testes em solo marciano? A viagem de ida levaria pelo menos seis meses. Há estudos que dizem que humanos expostos à radiação cósmica por muitos meses  podem sofrer danos psicológicos irreversíveis. Corremos o risco de contaminação ao trazer um ser vivo desconhecido para a Terra?

A busca por essas respostas aguça a imaginação não apenas dos cientistas, mas de toda uma poderosa indústria cultural que se alimenta dessa interrogação. Como cantava David Bowie: afinal, há vida em Marte? 
Época.com

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