sábado, 24 de janeiro de 2015

Temas da sucessão saudita que interessam ao mundo

 
Poucas horas após ascender ao trono da Arábia Saudita, nesta sexta-feira, o novo rei do país, Salman, prometeu continuidade e mandou uma mensagem pelo Twitter pedindo a Deus que o ajude a "manter a segurança e estabilidade" e "proteja o reino de todos os males".
Ele sucede seu meio-irmão, o rei Abdullah, que morreu na véspera, aos 90 anos, de infecção pulmonar. Seguindo a tradição do wahabismo ─ forma ultraconservadora do islã sunita praticada no reino ─, ele foi sepultado em um túmulo simples após as preces de sexta-feira.
Salman, de 78 anos, rapidamente nomeou ocupantes de cargos de alto escalão, em aparente tentativa de evitar vácuos de poder num momento em que a Arábia Saudita está cercada de desafios internos e externos. Eis alguns deles, e os motivos pelos quais eles interessam ao resto do mundo:

Estabilidade

E o primeiro desses desafios é garantir que a sucessão ocorra sem turbulências ou rachas na família real.
"Com o Oriente Médio em um estado de turbulência sem precedentes, a necessidade de uma transferência de poder ordeira na Arábia Saudita se torna mais crucial do que nunca - mas quem herdará o trono nos próximos anos é uma questão espinhosa", explica Gerard Butt, analista de Oriente Médio da Oxford Analytica e da Petroleum Policy Intelligence, em artigo à BBC News.
 "A Arábia Saudita é um país grande e influente. Guardiã dos dois lugares mais sagrados do islã (Meca e Medina), se enxerga como líder da comunidade sunita no mundo. E é uma peça-chave nas tentativas sunitas de bloquear a influência xiita vinda do Irã na região. Além disso, é o maior produtor de petróleo do mundo."
Por tudo isso, explica Butt, o processo de sucessão é arranjado entre os príncipes mais velhos da família real Al Saud.
Abdullah, Salman e Muqrin (o próximo na linha sucessória) são filhos do fundador da Arábia Saudita, rei Abdulaziz (conhecido como Ibn Saud), que morreu em 1953. Mas teme-se que as futuras sucessões ao trono não ocorram em clima de concordância e consenso, o que pode levar à instabilidade regional.

Segurança

A segurança do reino deve ser a prioridade número um de Salman, explica Butt.
"Centenas de jovens sauditas foram lutar ao lado do (grupo autodenominado) 'Estado Islâmico' e estão voltando para casa inspirados pela ideologia jihadista", relata o analista.
Butt acredita que o rei estará menos inclinado que seu antecessor em intervir nos assuntos mais polêmicos da região.
"Ainda que o reino vá continuar a apoiar a oposição síria, por exemplo, deverá olhar mais favoravelmente para soluções (que incluam governos) de transição que mantenham no poder alguns membros do regime (do presidente sírio) Bashar al-Assad. Da mesma forma, no Iraque o rei deve continuar comprometido com a coalizão anti-Estado Islâmico (liderada pelos EUA), mas manterá a recusa em enviar tropas."
É possível, porém, que o país envie tropas a sua fronteira com o Iêmen, outro país que enfrenta turbulências internas. A recente (e rápida) expansão de grupos rebeldes que supostamente contam com o apoio do Irã são uma crescente preocupação ao reino saudita. Além disso, o Iêmen abriga um ativo braço da Al-Qaeda, fonte de temor ao Ocidente.
"Continua havendo (na Arábia Saudita) a ameaça provocada por jihadistas, tanto internamente quanto nas fronteiras", explica o analista de segurança da BBC, Frank Gardner.
"O país está no meio do agressivo 'Estado Islâmico', ao norte, e a Al-Qaeda no Iêmen, ao sul. Aviões sauditas ajudaram a coalizão comandada pelos EUA em ataques aéreos contra o EI, mas isso é altamente impopular entre muitos sauditas."

Petróleo

O processo sucessório desperta uma questão crucial ao mundo: haverá mudanças na política petrolífera do reino?
O maior produtor mundial de petróleo tem sido, até o momento, resistente em cortar a produção do combustível (o que ajudaria a aumentar os preços, que caíram pela metade desde junho). Acredita-se que essa política se manterá no reinado de Salman, relata Andrew Walker, repórter de economia do Serviço Mundial da BBC.
Ainda assim, houve leve alta no preço do barril nos mercados internacionais nesta sexta.
Alguns membros da Opep (grupo que reúne os principais países exportadores do petróleo), em especial Irã e Venezuela, queriam um freio coordenado na produção mundial, com a esperança de elevar os preços.
Mas acredita-se que a Arábia Saudita tema perder sua fatia de mercado para países não membros da Opep e tenha reservas monetárias suficientes para suportar por mais algum tempo a baixa nos preços.
Isso não muda, porém, o fato de que o petróleo barato tem um forte impacto nas contas do país.

Reformas e direitos civis

O país enfrenta muitos desafios internos, como o aumento do desemprego entre jovens, o regresso de jihadistas no Iraque e na Síria e crescentes críticas à família real nas redes sociais.
 Em meio a isso, os governantes evitarão demonstrar qualquer racha na cúpula de poder e devem manter a linha dura contra manifestantes e opositores.
Gardner lembra que a Arábia Saudita é o país menos democrático no Oriente Médio e extremamente resistente a avanços em direitos civis, em especial os femininos.
"Muitos pensam que os governantes atrasam o país em termos de reformas, mas Abdullah pressionou por avanços no papel das mulheres. Só que os conservadores religiosos não querem ver mulheres dirigindo (carros, o que são proibidas de fazer) ou tendo papéis políticos. Eles temem mudanças drásticas", explica o analista.
O temor a mudanças se refletiu também no rigor contra manifestações ocorridas na época da Primavera Árabe.
Para Gerard Butt, essas políticas devem mudar pouco sob o novo rei. "Acredita-se que Salman seja ainda menos favorável que seu antecessor a reformas políticas e sociais. Seria uma grande surpresa se as mulheres obtivessem o direito de dirigir durante o reinado."
Fortemente criticada por organizações de direitos humanos, a Arábia Saudita tampouco deve avançar nesse aspecto.
"O rei não vai estar interessado em arriscar disputas com o poderoso establishment religioso ou tentar persuadi-lo a amenizar a lei islâmica", diz o analista.
BBC Brasil

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