terça-feira, 6 de setembro de 2016

Os vírus que melhoram a sua saúde



Um novo estudo acaba de abrir uma possibilidade tão surpreendente como lógica sobre o que está acontecendo neste momento no nosso intestino e provavelmente no resto do corpo. O trabalho se centrou na exploração do microbioma humano, formado por dezenas de trilhões de bactérias de 1.200 espécies diferentes que habitam nosso organismo. A maioria está no sistema digestivo, e sua contribuição à digestão, à eliminação de agentes patogênicos e à produção de proteínas é essencial. Às vezes, esta comunidade também pode se rebelar e causar várias doenças, de diabetes a transtornos mentais. Os detalhes destas conexões não estão claros, porque grande parte do microbioma ainda é um território inexplorado.
O novo estudo analisou a composição genética do microbioma de duas pessoas e encontrou em ambas uma nutrida comunidade de vírus bacteriófagos, literalmente devoradores de bactérias, vivendo entre micróbios. Os investigadores identificaram as espécies desses vírus e depois cruzaram os dados com os de outras 64 pessoas de vários países. Os resultados, publicados na revista PNAS, mostram que metade dos voluntários, todos sadios, tinha em seus intestinos os mesmos 23 vírus bacteriófagos. Por outro lado, ao analisar pacientes com a doença de Crohn e colite ulcerosa, duas enfermidades inflamatórias do intestino, encontraram uma comunidade de vírus mais reduzida e diferente do que se via nas pessoas saudáveis.
Esse resultado se assemelha muito ao de trabalhos anteriores que mostram a existência de um microbioma “saudável” e outros relacionados a diversas doenças. Do mesmo modo, os autores acreditam que cada pessoa tem um “fagoma” único, e que este também pode estar são ou doente.
“A implicação mais importante do nosso estudo é que devemos considerar os vírus não só como causadores de doenças, mas também, possivelmente, que sejam benéficos para a saúde humana”, diz Mark Young, pesquisador da Universidade Estadual de Montana (EUA) e principal autor do estudo, em entrevista ao EL PAÍS.
Os bacteriófagos do sistema digestivo vivem em estado latente dentro das bactérias. O estudo identificou fragmentos de DNA viral de dezenas de espécies de bacteriófagos incrustados no genoma dos micróbios. Eles podem entrar em uma fase ativa, quando começam a se replicar e aniquilam as bactérias. Em 2010, um estudo similar confirmou a existência desses vírus nas fezes. Os autores indicavam que eles controlam a população bacteriana como predadores numa imensa savana, o que contribui para o equilíbrio de todo o ecossistema. O estudo de Young mostra que um indivíduo qualquer pode ter até 2.800 espécies de fagos ativos em seu intestino, muitos deles ainda por identificar. Até agora, pouquíssimos cientistas se ocuparam de estudar esta pequena e intrigante comunidade.
“Os vírus e os seres vivos estão interagindo desde o começo da evolução”, recorda Young. Por isso, “não é surpreendente que, em alguns casos, vírus e humanos tenham evoluído para fomentar a saúde”, acrescenta.
No entanto, é preciso cautela com os resultados, admite Young. Este campo ainda é muito novo, e, como no caso de centenas de estudos sobre o microbioma, por enquanto existe apenas uma correlação entre a presença dos vírus e a saúde, não uma relação de causa e efeito.
Além disso, é preciso estudar muito mais gente para confirmar os resultados. “É necessário fazer estudos muito mais extensos, mas tudo o que este trabalho diz faz bastante sentido”, opina Manuel Zúñiga, pesquisador do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha especialista em bactérias lácticas e probióticos. “Estes vírus dependem das bactérias para sobreviver”, detalha. “Sabemos que as doenças alteram a comunidade bacteriana e, portanto, a comunidade viral que vive delas também muda”, ressalta.
Assim como as bactérias do trato digestivo são usadas como terapia nos transplantes de fezes, os fagos também são promissores como tratamento. Estes vírus são muito seletivos, e cada espécie se alimenta de um tipo muito específico de micróbios. Um possível uso terapêutico seria empregá-los no combate a infecções, substituindo os antibióticos, o que permitiria reduzir significativamente os efeitos colaterais (aniquilar a flora bacteriana benéfica) e solucionar a preocupante falta de novos antibióticos. A equipe de Young pretende agora analisar que papel desempenham os vírus bacteriófagos nos transplantes de fezes.

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