Fora a seca que ameaça deixar São Paulo tal qual deserto e as temperaturas senegalesas que volta e meia transformam o Rio de Janeiro em uma gigantesca estufa urbana, os brasileiros não costumam se preocupar efetivamente com os potenciais efeitos do aquecimento global. Ao contrário de pequenas ilhas do Pacífico que correm o risco de desaparecer caso o nível dos mares suba alguns centímetros ou de países que sofrem permanentemente com a escassez de água, no Brasil, as consequências do inevitável processo de aquecimento do planeta são mais sutis, apesar de não menos impactantes. Um novo estudo publicado neste mês na revista inglesa “Science”, uma espécie de Bíblia Sagrada do mundo científico, talvez mude isso.
Cientistas da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, descobriram que o aumento global de temperatura também está afetando as tempestades elétricas no planeta. De acordo com o estudo, a projeção é de que a cada grau centígrado que o planeta se torne mais quente haverá um volume até 12% maior de raios a atingir a Terra. Má notícia para o Brasil. Nenhum outro país no mundo registra tantos relâmpagos. Por ano, cerca de 50 milhões de descargas elétricas são registradas no País. O resultado é trágico: são em média 130 mortos e mais de 500 feridos.
David Romps, professor-assistente de Estudos Planetários na Universidade da Califórnia e um dos autores do estudo, explica que a correlação entre o aumento da temperatura e a maior incidência de raios é forte o bastante para que não haja dúvidas de que os brasileiros passarão a ver mais e mais relâmpagos nos próximos anos. De acordo com ele, isso acontece porque o aumento da temperatura causa maior evaporação, o que faz crescer a concentração de vapor d’água na atmosfera.
Ao encontrar temperaturas menores em altitudes elevadas, o vapor condensa e vira nuvem. É o atrito entre as pequenas partículas de gelo formadas em alturas ainda mais geladas que gera energia e eletricidade, descarregada em forma de raios. “O vapor d’água funciona, assim, como uma espécie de combustível de tempestades, e sua concentração é alimentada pelo calor.”
Se de fato forem confirmadas as expectativas de que o mundo pode ter um aumento médio de até 3ºC até o final do século, o País pode ver a incidência de tempestades elétricas ser ampliada em até 50%. Na prática isso significaria que em média 75 milhões de relâmpagos atingiriam o País a cada ano.
Para Osmar Pinto Junior, doutor em geofísica espacial e coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em cidades como São Paulo essa incidência pode ter um aumento ainda maior. Segundo estudos elaborados por ele, um grau de temperatura maior pode ampliar a incidência de tempestades elétricas em até 30%.
Osmar Pinto chegou às suas conclusões estudando as tempestades ocorridas em São Paulo nos últimos 50 anos. Apesar de mais localizada, sua pesquisa aponta para os mesmos caminhos do estudo publicado na “Science”. “Os resultados são significativos e se encaixam com todos os outros trabalhos, que também apontam para um aumento de raios no planeta”, explica. “O assunto continuará sendo estudado porque com a elevação de ocorrências de raios crescem também o número de mortos e feridos e os prejuízos causados por eles.”
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