sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Calamidade cósmica: o que dizem as impressionantes imagens dos "pilares da destruição" no espaço

 
Pilares gigantescos que simbolizam, ao mesmo tempo, criação e destruição.
As recém-descobertas estruturas foram observadas na nebulosa de Carina a partir de um instrumento instalado no Very Large Telescope (VLT), localizado no observatório astronômico europeu mais avançado do mundo, no Paranal, no Deserto do Atacama, no Chile.
Ao contrário dos famosos "pilares da criação" da nebulosa de Águia, uma das imagens mais icônicas do universo, as estruturas que aparecem nestas imagens poderiam ser chamadas de "pilares de destruição", de acordo com o Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês).
As torres e pilares que aparecem nas novas imagens da nebulosa de Carina são enormes nuvens de poeira e gás dentro de um centro de formação de estrelas, localizado a cerca de 7.500 anos-luz de distância.
Segundo cientistas do ESO, o que observamos nada mais é do que a colorida nebulosa de Carina "devastada por estrelas brilhantes próximas".

Milhares de imagens de uma só vez

O VLT é um conjunto de quatro telescópios e vários instrumentos, incluindo o MUSE (sigla em inglês para Multi Unit Spectroscopy Explorer), explorador espectroscópico que permitiu obter estas imagens espectaculares.
 
Região R18, na nebulosa de Carina
 
O MUSE fornece espectros simultâneos de numerosas regiões adjacentes no céu. E o que faz dele uma ferramenta tão poderosa é a sua capacidade de gerar milhares de imagens da nebulosa de uma só vez, cada uma com um comprimento de onda de luz diferente.
Esse recurso permite aos astrônomos detectar as propriedades químicas e físicas do material em diferentes partes da nebulosa, explica o ESO.
"Em nossa galáxia, a Via Láctea, novas estrelas ainda estão se formando. Estas estrelas são formadas a partir de nuvens gigantes de gás e poeira que, por alguma razão, entram em colapso até que seu interior atinja temperatura suficiente para ativar o mecanismo de produção de energia: a fusão de átomos de hidrogênio em átomos de hélio", disse à BBC Miguel Mass-Hesse, coordenador da rede de transmissão do ESO.
"Algumas dessas estrelas são relativamente pequenas, como o Sol, mas outras são bem maiores e muito mais brilhantes. À medida que acendem, a luz emitida por estas estrelas evapora e destroi os restos da nuvem em que elas se formaram, dissipando o material ao seu redor até deixar uma cavidade praticamente vazia de gás e poeira. Nestas imagens, podemos ver esse fenômeno em todo o seu esplendor ", acrescenta.

Pontos cor-de-rosa

A BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, pediu a Mass-Hesse que explicasse em detalhes o que pode ser observado nas imagens, como a que vemos acima: a região R18 da nebulosa de Carina.
"Os pontos rosa são estrelas que ainda se encontram dentro da nuvem de poeira original. A poeira absorve a luz azul, deixando passar apenas o componente vermelho, daí surge a cor que vemos."
 
 
"É um fenômeno semelhante ao que acontece no entardecer no verão, em que o sol atravessa a poeira na atmosfera e vemos um tom avermelhado. Em primeiro plano, podemos ver um 'pilar' de poeira que ainda não foi destruído (evaporado) por completo. Este é um processo que requer vários milhões de anos até que se dissipe na região de formação de estrelas. "
"As auras rosa são apenas um efeito de como foram criadas as imagens e representam uma média de cor dessas estrelas."
"A imagem colorida é obtida pela combinação de imagens de diferentes regiões obtidas por meio do MUSE. É bastante semelhante ao que seria a cor natural da região, embora os contrastes sejam acentuados para realçar os detalhes."
"O MUSE é um instrumento muito sofisticado, capaz de fotografar áreas extensas do céu, recebendo centenas de imagens em cores diferentes, do azul ao vermelho. A combinação de registros de distintas regiões nos permite obter imagens sensacionais, mas, acima de tudo, aprender sobre os processos físicos que ocorrem nessas zonas".
 

'Ironia'

 
No total, foram observados dez pilares e foi possível identificar uma relação clara entre a radiação emitida por estrelas maciças próximas e as características dos pilares.
Uma das primeiras consequências da formação de uma estrela maciça é que ela começa a destruir a nuvem em que nasceu - fenômeno que o ESO descreve como "ironia".
"A tese de que as estrelas maciças têm um efeito considerável sobre o ambiente ao seu redor não é nova: sabe-se que estas estrelas lançam uma enorme quantidade de radiação ionizante (emissão com energia suficiente para arrancar elétrons de átomos). No entanto, é muito difícil obter evidências da relação entre essas estrelas e o seu entorno".

Estrelas que destroem seus criadores

A equipe do ESO analisou o efeito dessa radiação de energia nos pilares: um processo conhecido como fotoevaporação, quando o gás é ionizado e depois dispersado para longe.
A partir da observação dos resultados da fotoevaporação - que inclui a perda de massa do pilares -, foi possível descobrir a causa.
 
Nebulosa de Carina
 
"Houve uma clara relação entre a quantidade de radiação ionizante emitida por estrelas próximas e a dissipação dos pilares."
De acordo com o ESO, "pode parecer uma calamidade cósmica, com estrelas de grande massa destruindo seus próprios criadores. No entanto, ainda não é completamente compreendida a complexidade dos mecanismos de retroalimentação entre as estrelas e os pilares".
 
Pilares da Criação
 
Estes pilares podem parecer densos, mas as nuvens de poeira e gás que se formam na nebulosa são, na verdade, muito difusas.
Para o ESO, "essas estruturas celestes surpreendentes têm muito mais a dizer, e o MUSE é o instrumento ideal para provar isso".
E o que será que Mass-Hesse vê nessas imagens?
"Estas imagens nos mostram de forma clara como se formam novas estrelas, a partir de poeira e gás interestelar. Estas partículas de poeira são formadas dentro de outras estrelas maciças que explodiram como supernovas por consumir seu combustível nuclear, espalhando suas cinzas ao redor".
"Ao formar novas estrelas, essa poeira interestelar se condensa na forma de novos planetas rochosos, como a Terra, onde talvez a vida se desenvolva em um futuro ainda muito distante".
"Ao observar essas imagens que mostram como o sistema solar em que vivemos foi formado, entendemos por que, literalmente, não somos nada além do que 'poeira cósmica'."
BBC Brasil

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