É o que defendem cientistas e geólogos que discutirão nesta semana o impacto da
ação humana e da natureza sobre os sistemas hídricos globais, na conferência
Water in the Anthropocene (Água no Antropoceno, em tradução livre), organizada
pelo Global Water System Project (GWSP), em Bonn, na Alemanha.
De acordo com os pesquisadores, o crescimento populacional, a construção de
metrópoles, o desmatamento e o uso de combustíveis fósseis provocaram um efeito
no planeta comparável ao derretimento de geleiras ocorrido há 11.500 anos ─
evento que marca o início da época Holocena na escala de tempo geológico.
A escala de tempo geológico estabelece eones, eras, períodos, épocas e idades
que permitem categorizar as diferentes fases que vão da formação da Terra ao
presente.
O termo "Antropoceno", cunhado pelo Prêmio Nobel de Química Paul Crutzen em
2000 e adotado por parte da comunidade acadêmica na última década, ainda não é
reconhecido oficialmente.
Segundo a Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS, em inglês),
responsável pela definição da escala de tempo da Terra, estamos, ainda, na época
Holocena (iniciada há 11.500 anos).
A Holocena, por sua vez, faz parte de espaços de tempo geológicos mais
extensos: o período Quaternário (há 1,8 milhões de anos), a era Cenozoica (há 65
milhões de anos) e o éon Fanerozoico (há 543 milhões de anos).
Para uma ciência que trabalha com escalas relativas à história de 4,5 bilhões
de anos da Terra, o surgimento do homem (cerca de 200 mil anos atrás) é um
fenômeno recente e por isso costumava ocupar uma posição periférica nos estudos
geológicos.
Pela primeira vez, no entanto, o assunto está sendo analisado formalmente ─ a
ICS convocou especialistas que tem até 2016 para analisar os estratos geológicos
e definir o que seria o fim da época Holocena e o início da Antropocena.
Indícios do Antropoceno
"Reconhecer a ideia do Antropoceno é reconhecer o impacto irreversível das
atividades do homem, que afetam não somente os sistemas de água e recursos
naturais do planeta, mas também o que essas ações significam no futuro das
espécies", disse Brasil Janos Bogardi, vice-reitor da Universidade da ONU
e um dos moderadores da conferência em Bonn.
Para demarcar mudanças na escala de tempo geológica como a proposta do
Antropoceno, geólogos analisam marcas deixadas em rochas sedimentares e
organismos fossilizados.
Segundo os especialistas da GWSP, o homem move mais rochas e sedimentos do
que as forças do gelo, do vento e da água, acelera processos de erosão e libera
mais nitrogênio no ar do que plantas e outros organismos seriam capazes,
principalmente desde a segunda metade do século 21.
Mais do que ocupar a superfície da Terra de forma extensa, ─ como já
aconteceu em épocas anteriores ─ a urbanização, a globalização e o estilo de
vida do homem contemporâneo estão transformando a forma como o planeta
funciona.
Dados da GWSP comprovam que a ação humana é responsável pelo desmatamento de
uma área do tamanho da América do Sul para agricultura e outra do tamanho da
África para pecuária, o que teria impactado o clima, o solo e a vida de espécies
no planeta.
Exportações Indiretas
Para Bogardi, classificar o atual capítulo da história da Terra de
Antropoceno funcionaria não somente como uma mera nomenclatura, mas como um
alerta. "As consequências das ações do homem não afetam o planeta apenas de
forma local, mas provocam coletivamente um impacto na constituição da Terra e
discutir isso serve para minimizar as consequências e danos irreversíveis que
afetariam o globo da pior forma no futuro", diz.
"O Brasil, que é o segundo país mais rico em água do mundo, somente atrás da
Rússia, exporta não somente produtos agrícolas para países europeus, mas também
exporta virtualmente seus recursos naturais para balancear a ausência de água ou
nutrientes do solo em outros países."
De acordo com Bogardi, o Brasil exporta de forma indireta ─ durante os
processos de produção agrícola e pecuária para exportação ─ 5,7 quilômetros
cúbicos de água por ano somente para a Alemanha.
Por isso, ele defende, debater o uso dos recursos como a água não seria
apenas papel do Brasil, mas de um esforço conjunto de países. Mas a discussão
sobre a nova época Antropocena seria tanto sobre as "más notícias" e desafios,
como sobre oportunidades e qualidades.
"Parte do crescimento econômico e desenvolvimento social que o Brasil vive
hoje vem dessa enorme potencialidade do uso de recursos, por exemplo, então a
proposta não é acabar com a ação humana no planeta, mas debater como fazer isso
de forma sustentável para o futuro", explica.
BBC
Nenhum comentário:
Postar um comentário