segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Acelerador de partículas vê sinais de fenômenos que violam leis da física

Controle de computador mostra colisão com energia de 13 TeV detectada pelo experimento LHCb, no acelerador de partículas LCH (Foto: Colaboração LHCb)
Três meses após funcionar com quase o dobro da potência anterior, o superacelerador de partículas LHC começa a enxergar sinais de uma física que está além das previsões teóricas. É a primeira vez que isso acontece desde a década de 1970, quando o Modelo Padrão, a teoria que descreve o universo microscópico, se consolidou.

Em um artigo ainda em fase de avaliação para publicação, cientistas afirmam ter detectado um comportamento inusitado na produção de partículas da família do elétron, os chamados léptons. Ao investigar a produção dessas partículas a partir da desintegração de uma outra, cientistas esperavam que os três diferentes tipos de léptons (elétrons, múons e taus, primos mais pesados do elétrons), fossem produzidos a uma taxa similar, de acordo com suas massas.
As colisões no LHC, porém, resultaram numa produção excessiva de taus, contrariando o que prevê o Modelo Padrão. O resultado foi captado pelo detector de partículas LHCb, um dos quatro grandes experimentos do LHC. Esse comportamento inesperado, apontando para o que os cientistas chamam de física exótica, pode ser o sinal da existência de mais partículas, além dos 17 tipos já efetivamente previstos em teoria e capturados em experimentos.
A física de partículas busca descrever quais partículas elementares e quais forças são capazes de explicar tudo o que existe, e teóricos acreditam que o Modelo Padrão não deve ser a palavra final. Eventos como o observa no LHCb podem apontar o caminho da nova física.

“Este resultado, se confirmado, seria surpreendente e espetacular”, disse ao G1 Ignácio Bediaga, físico do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), membro do consórcio que opera o LHCb. Os sinais observados pelos físicos ainda não são considerados inequívocos como aqueles que apontaram a existência do bóson de Higgs – a última do Modelo Padrão a ser observada em experimentos --, que rendeu um prêmio Nobel a Peter Higgs, físico teórico que a postulou.
Quando o bóson de Higgs foi descoberto, porém, o LHC ainda operava a uma energia de 7 TeV (teraelétrons-volt). A potência do acelerador agora é de 13 TeV, o que significa que os núcleos de átomos que colidem ali dentro estão voando a 1.079.252.838 km/h, ou 99,999999% da velocidade da luz. Com o acelerador turbinado, a chance de os detectores do experimento enxergarem algo diferente aumenta.

O detector de partículas LHCb, uma estrutura metálica de 1500 toneladas; a câmara onde ocorre as colisões é ladeada por dois ímãs de 27 toneladas (Foto: Maximilien Brice/Cern)
 
O excesso de taus observado no LHCb, mesmo não sendo tão inequívoco quanto a descoberta do bóson de Higgs, pode ser combinado com dados estatísticos menos contundentes obtidos pelo laboratório Slac (Centro do Acelerador Linear de Stanford), na Califórnia, que em duas ocasiões observou o fenômeno ocorrendo. Considerando todos os experimentos, fica bem mais difícil de atribuir os resultados como fruto do acaso. Físicos, porém, ainda estão reticentes em fazer afirmações mais contundentes.

“A desintegração estudada envolve a presença de duas partículas neutras, conhecida como neutrinos, que não deixa traço da sua existência no detector, por isso o processo experimental é bem complicado”, afirma Bediaga. “No LHCb, junto com as partículas produzidas na desintegração, são produzidas outras centenas de partículas. Nós temos mecanismos para separar e entender a origem de cada uma daquelas que foram observadas, mas isso é complicado de entender, por isso eu prefiro ser conservador. Esperamos que os resultados da rodagem de 2015 do LHC nos forneçam mais estatística e melhor compreensão antes de entrarmos em especulações sobre a origem deste fenômeno.”
Nenhuma teoria da física havia previsto o desequilíbrio na produção de léptons que foi observado agora pelo LHC. Uma possibilidade aventada é a de que o excesso de taus estaria vindo da interação com um segundo tipo de bóson de Higgs, implicando que a partícula encontrada em 2012 na verdade existe em mais de um tipo. Outra hipótese é a de que os taus estariam se originando de uma estranha combinação de partículas chamada “leptoquark”, que reúne em uma só entidade um lépton e um quark (partícula que compõe o núcleo dos átomos).
Esse não foi o único sinal de física exótica detectado no LHC após o início da rodagem a 13 TeV. Outro detector de partículas, o CMS, registrou um evento extremamente energético, uma desintegração de partículas liberando 2,9 TeV de energia na forma de um elétron em um pósitron (elétron de carga positiva) emergindo de uma colisão.
A probabilidade de um evento como esse ocorrer é baixíssima, e segundo os físicos, também sugere a existência de partículas que oficialmente ainda não estão na cartilha do modelo padrão. Uma possível explicação para o evento visto é a existência de uma versão mais pesada do bóson Z, uma das partículas que controlam a interação nuclear fraca, responsável pela radioatividade.
Os sinais da nova física que o LHC está vendo, porém, não se encaixam ainda dentro das antecipações teóricas mais populares entre os físicos. Isso é um prenúncio de que, após quatro décadas, os experimentos finalmente voltaram à dianteira da física de partículas, superando a teoria, e devem guiar o futuro dessa ciência por algum tempo.
  

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