quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Concessão do Irã sobre plutônio foi vitória ignorada

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À primeira vista, os metais que conferem poder destrutivo às bombas atômicas poderiam parecer intercambiáveis. Afinal, urânio e plutônio são, ambos, mais valiosos do que o ouro, e os dois foram usados nas bombas que devastaram cidades japonesas na Segunda Guerra Mundial —urânio no caso de Hiroshima, plutônio em Nagasaki.
Mas há uma diferença crucial: segundo especialistas, das cerca de 15 mil ogivas nucleares existentes no planeta, mais de 95% são à base de plutônio, que é muito mais poderoso que o urânio e mais fácil e mais barato produzir.
Por isso, alguns consideram exagerada e incompreensível a ênfase dada ao urânio nas críticas feitas ao acordo nuclear com o Irã —que determina que o país abriria mão de produzir plutônio.
“Foi um avanço imenso”, disse Siegfried Hecker, professor da Universidade Stanford e ex-diretor do laboratório bélico de Los Alamos, no Novo México. “Mas ninguém parece se importar.”
Quase dois anos de negociações com o Irã resultaram em um acordo histórico, que limita a produção iraniana de urânio e plutônio em troca do fim das sanções petrolíferas e financeiras internacionais.
Em 10 de setembro, a bancada democrata no Senado dos Estados Unidos bloqueou uma tentativa republicana de rejeitar o acordo, garantindo sua entrada em vigor sem a necessidade de confronto com a Casa Branca por causa de um eventual veto.
Há três décadas, o Irã começou a estudar secretamente o uso do plutônio. No ano passado, o país possivelmente estava a poucos meses de inaugurar uma fábrica desse metal quando repentinamente aceitou uma substancial alteração de seu projeto. Isso basicamente impediu a futura instalação de produzir volumes suficientes de plutônio para o desenvolvimento de bombas.
A promessa de Teerã marcou uma importante guinada, segundo especialistas nucleares. “É um verdadeiro sucesso”, disse Frank von Hippel, físico que assessorou o governo Clinton e atualmente leciona na Universidade de Princeton, em Nova Jersey. “Fiquei surpreso por eles estarem dispostos a abrir mão.”
Richard Garwin, um dos principais desenvolvedores da primeira bomba de hidrogênio do mundo, disse que essa alteração de projeto foi “um grande feito”. Ele outros cientistas assinaram no mês passado uma carta endereçada ao presidente Barack Obama elogiando o acordo com o Irã, que eles descreveram como inovador e rigoroso.
Purificar o urânio para o uso em bombas é um processo extraordinariamente difícil, ao passo que o plutônio é um subproduto atômico, o que facilita sua fabricação. Além disso, é necessária uma quantidade muito menor de plutônio para produzir uma explosão equivalente.
“Ele tem o dobro do efeito”, disse Ray Kidder, que foi desenvolvedor de armas no laboratório bélico Livermore, na Califórnia, até se aposentar. “Se todo o resto for igual, [o plutônio] faz uma arma mais poderosa.”
O segredo está no fosso colossal entre matéria e energia, que Einstein definiu décadas atrás na sua famosa equação E = mc2, em que a energia é igual à massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado, uma cifra incrivelmente alta.
Em 9 de agosto de 1945, quando os Estados Unidos despejaram uma bomba de plutônio sobre Nagasaki, um grama de matéria se transformou em energia. Cerca de 75 mil pessoas morreram.
O plutônio é produzido quando alguns nêutrons são absorvidos por átomos de urânio em um reator. Esse metal libera mais energia do que o urânio em parte porque seus átomos emitem mais nêutrons quando divididos, acelerando reações em cadeia. O alto fator de multiplicação significa também que as ogivas de plutônio podem ser menores e mais leves. Segundo especialistas, a Índia, a Coreia do Norte, Israel e o Paquistão têm usado reatores para fazer plutônio para armas nucleares.
Uma pequena massa desse metal prateado, geralmente menor que uma bola de beisebol, funciona como um fósforo superquente que acende o combustível termonuclear. A ogiva resultante é até mil vezes mais poderosa do que uma bomba atômica.
As inclinações de Teerã com relação ao plutônio foram reveladas no final de 2002, no começo do impasse entre o Irã e o Ocidente. As atenções se voltaram para um vasto complexo nuclear semiconstruído nos arredores da cidade de Arak. O local, muito isolado, estava rodeado por quilômetros de arame farpado.
Teerã alegou que Arak produziria radioisótopos para fins humanitários, como o tratamento do câncer. Mas, à medida que as obras evoluíam, vales e cumes montanhosos da região ficaram lotados de baterias antiaéreas.
Por que a mudança de rumo em Arak foi tão rapidamente ignorada? Especialistas nucleares dizem que a ameaça militar de um complexo de plutônio inacabado pode ser vista como algo abstrato em comparação ao sucesso do Irã na purificação de urânio.
As estimativas mais pessimistas dizem que o Irã poderia ter urânio para uma bomba em apenas dois ou três meses.
De toda forma, o acordo envolvendo o plutônio basicamente sepultou aquela antiga iniciativa iraniana. “Não há mais nada para discutir”, disse Von Hippel.
Por que o Irã abriu mão do plutônio? Hecker, o ex-diretor de Los Alamos, disse que Teerã provavelmente decidiu abandonar sua tentativa de montar um arsenal. No entanto, ele argumentou que o empenho do país em salvar grande parte do seu complexo de urânio durante a negociação sugere que o país está se precavendo.
“Acho que, neste momento, o Irã realmente não quer desenvolver armas nucleares”, afirmou. “Mas ainda quer ter essa opção.”
New York Times

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