sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Tesouro histórico francês, Palácio de Versalhes ganha reforma de arquiteto modernista

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Luís 14 fazia arquitetura assim como travava guerras: com engajamento absoluto, recursos tremendos e soldados de seu exército. Sua maior campanha arquitetônica foi Versalhes, o grande palácio barroco que ele ergueu em volta de um pavilhão de caça de seu pai nos arredores de Paris. Quando seu exército não estava em guerra, ele convocava soldados para ajudar na construção do palácio. Em 1682, transferiu-se para o palácio, acompanhado de sua corte.
Versalhes era um monumento que unia o Estado e o rei na mesma glória arquitetônica. Ao longo de cinco repúblicas os franceses vêm cuidando assiduamente dessa obra apoteótica de sua cultura nacional. Mexer com qualquer parte de Versalhes é como fazer uma cirurgia cerebral sobre a França: é uma questão muito delicada.
Mas Versalhes também foi feita para receber algumas pessoas, que chegavam ao Pátio Real em carruagens. Não foi criado na expectativa de receber 7,5 milhões de visitantes por ano, que vêm a pé, com mochilas nas costas. Nos últimos anos foram erguidas no pátio estruturas temporárias onde os visitantes são revistados.
Em 2011 o arquiteto ultramodernista Dominique Perrault, mais conhecido pela Biblioteca Nacional da França, em Paris, venceu um concurso para transformar o Pavilhão Dufour e a adjacente Ala Velha, ao lado do Pátio Real, em saguão de recepção, propriamente dito. Ao construir um subsolo de 279 metros quadrados para abrigar uma loja de presentes, banheiros e vestiários sob o Pavilhão e o adjacente Pátio dos Príncipes, ele criou um novo circuito pelo castelo.
“A questão principal do programa era a entrada e a saída”, disse Perrault, parisiense de 63 anos. “A segunda questão era criar os restaurantes e o auditório no segundo e terceiro andares e assegurar que todas as partes, a função global do Pavilhão, funcionassem bem em conjunto.”
Iluminado por uma parede ampliada de vidro, elegante e minimalista, o subsolo acrescentou espaço muito necessário ao museu enorme. “O objetivo foi aumentar a metragem quadrada sem acrescentar qualquer coisa construída visível”, ele disse. “A estratégia escolhida foi ir para o subsolo.”
Perrault é simplesmente o arquiteto mais recente a acrescentar uma pedra a Versalhes. A história inteira do castelo é como um conjunto de bonecas russas do tipo matriosca. O arquiteto de Luís 14, Louis le Vau, ampliou o pequeno pavilhão original, e ao longo de dois séculos outros arquitetos acrescentaram alas, a capela, o teatro e anexos, incluindo o Grand Trianon, dentro de seu próprio parque, e o Petit Trianon, completado em 1768, durante o reinado de Luís 15, e dado a Maria Antonieta por Luís 16.
Mas a tradição em Versalhes não era imitar o arquiteto anterior. Embora o palácio dê a impressão de ser um exemplo rematado da tradição clássica, ele emergiu como uma colagem progressiva de criações que representavam o pensamento mais avançado de suas épocas.
Perrault é o primeiro modernista a fazer uma contribuição importante a Versalhes, e, como modernista, ele tende ao minimalismo: linhas retas, muito vidro, reflexos, efeitos efêmeros, mais feito com menos. Corajosamente, ele decidiu “levar o presente para dentro” de Versalhes, ciente de que enfrentaria a guilhotina da opinião pública.
Os exteriores foram uma restauração literal. Mas a tarefa de Perrault, a reorganização e o design dos interiores, era menos evidente. Os estilos já estavam misturados. O Pavilhão Neoclássico, de Ange-Jacques Gabriel, foi acrescentado à Ala Velha, barroca, por Le Vau, e modificada posteriormente por Jules Hardouin-Mansart.
Luís 14 era fascinado por refletores parabólicos, espelhos côncavos que refletem e intensificam o sol. A diretora de arte de Perrault, Gaëlle Lauriot-Prévost, criou arandelas “solares” que espalham luz em todas as direções.
Nessa câmara de recepção, entre os dois pátios, Perrault alude sutilmente ao dourado Salão dos Espelhos. Naquela grande galeria da parte de frente do palácio, a longa parede traseira de espelhos reflete as vistas que se tem através das janelas em frente.
Perrault deixou as janelas de cada lado do espaço se refletirem e, ao mesmo tempo, funcionarem como janelas panorâmicas.
O salão de espelhos de Perrault não tem espelhos. Sua declaração é sutil. O arquiteto minimalista criou um vazio em um dos palácios mais decorativamente saturados do mundo.
“A ideia é que, assim que você atravessa a entrada principal e penetra na primeira sala, você está no palácio, na casa. Você é um convidado”, ele diz.
Perrault riu ao falar de uma honra inesperada: a grande escadaria de mármore que projetou para ligar o subsolo ao Pátio dos Príncipes. Ele próprio a descreve como um hífen que une os séculos, mas todas as outras pessoas a chamam de Escadaria de Perrault.
Contrariando o que o poeta britânico Percy Bysshe Shelley escreveu sobre como as grandes obras dos
 potentados desaparecem nas areias do tempo, a glória embutida no Palácio de Versalhes persistiu — e o clube pequeno e seleto de arquitetos de Versalhes admitiu um novo membro.
New York Times

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