domingo, 7 de julho de 2013

Nós sempre teremos Marte

A noção de Marte como "planeta irmão" da Terra, dotado de desertos, rios e habitantes esbeltos, foi desmontada a partir dos anos 1960, quando naves mostraram quão inóspito era o astro. Imagens e amostras colhidas em missões recentes, entretanto, dão sopro à ideia de que ele pode ter sido habitável.
Eram dois planetas, novos na galáxia e inexperientes na vida. Como gêmeos fraternos, eles nasceram ao mesmo tempo, cerca de 4,5 bilhões de anos atrás, e assumiram mais ou menos a mesma forma. Ambos eram empolados com vulcões e riscados por cursos d'água; ambos giravam em volta da mesma estrela anã --suficientemente perto para serem aquecidos por ela, longe o bastante para não se verem reduzidos a cinzas.
O resto é pré-história. Na Terra, os vulcões encheram o ar de vapor d' água e dióxido de carbono. A superfície esfriou, e formou-se uma crosta sobre a qual se condensaram os oceanos. Em fontes de água quente e espiráculos submarinos, compostos carbônicos simples subiram, borbulhantes, para formar aminoácidos e peptídeos. As primeiras bactérias se deslocaram pelo lodo; depois, surgiram algas que absorveram a luz do sol e exalaram oxigênio. A esse episódio, os geólogos chamam de "Grande Evento de Oxigenação" --a transformação mais momentosa da história do planeta.
 Em 1877, quando o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli desenhou o primeiro mapa detalhado de Marte, imaginou o planeta como um paraíso terrestre. Batizou uma região de Éden e outra de Elísio; ainda outras, em mapas posteriores, eram Arcádia e Utopia. Olhando através de seu telescópio, tinha vislumbrado o que lhe pareceram ser oceanos, continentes e canais de água.
Muitos de seus sucessores se fiaram na visão dele: quanto mais precisos seus telescópios, mais embaçada era sua visão. Enxergaram montanhas de gelo e rios de neve derretida, como escreve William Sheehan em seu livro "The Planet Mars: A History of Observation and Discovery", de 1996. Viram férteis oásis e um equador verdejante. Alguns até enxergaram a palavra "shajdai" --"todo-poderoso", em hebraico-- escrita sobre a superfície do planeta.
Quando finalmente a humanidade pôde pela primeira vez olhar para Marte em close-up, quase um século depois de Schiaparelli, o planeta já era visto quase como uma segunda e mais exótica Terra. Livros como "As Crônicas Marcianas", de Ray Bradbury, descreviam um lugar de estranha grandeza desértica, habitado por seres esbeltos e dourados dados a alucinações. E, embora estudos infravermelhos sugerissem que a superfície marciana continha 70 vezes menos água do que o mais seco deserto da Terra, biólogos ainda nutriam esperanças.
Em julho de 1965, a nave Mariner 4, da Nasa, passou ao largo do hemisfério Norte de Marte e enviou uma série de imagens à Terra. Eram registros granulados em preto e branco, mas que deixaram uma impressão clara. Onde ficavam Arcádia e Elísio havia uma imensidão deserta e desolada, marcada por crateras. Não parecia a Terra. Parecia a Lua.
Há 60 anos se busca vida em Marte; 40 naves já foram enviadas para lá, e nenhuma encontrou um único fóssil ou ser vivo. Quanto mais cuidadosamente olhamos, mais hostil parece o planeta: ressecado e congelado em quase todas as estações, atmosfera inerte e perigosamente fina, superfície erodida por ventos solares.
Hoje os geólogos acreditam que quando a Terra começou a respirar, 3 bilhões de anos atrás, Marte já sufocava havia 1 bilhão de anos. O ar tinha se rarefeito, e os rios, evaporado; tempestades de areia haviam se formado, e calotas de gelo, capturado o que restara da água. O "Grande Evento de Ressecação", como ele às vezes é chamado, é um mistério ainda maior do que a "Grande Evento de Oxigenação" da Terra. Sabemos apenas que um planeta viveu e o outro morreu.
Em 26 de novembro de 2011, a Nasa enviou o laboratório científico móvel mais sofisticado do mundo para explorar Marte: o jipe-robô Curiosity, construído ao longo de dez anos a um custo de US$ 2,5 bilhões. Os cientistas do projeto fizeram questão de evitar criar grandes expectativas: estavam apenas procurando locais que pudessem ter sido habitáveis em alguma época. Mas Marte, mesmo morto, pode trazer respostas a perguntas muito antigas sobre a vida: o que coloca suas engrenagens em movimento? Por que aqui, e não lá?
GUINDASTE
O centro de comando da missão marciana da Nasa fica no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), em Pasadena (Califórnia). Ali, a manhã de 4 de agosto de 2012 --"dia do pouso menos Um", como chamaram-no os engenheiros da Nasa começou com um briefing dado por alguns dos líderes do projeto. O pouso do jipe-robô em Marte estava previsto para dali a menos de 48 horas.
O sistema de orientação do Curiosity datava dos tempos do projeto Apollo; seu paraquedas supersônico vinha das missões Viking do final dos anos 1970. Mas o elemento que o distinguia --um sistema de pouso conhecido como Sky Crane (guindaste celeste)-- era novo em folha. Nem sequer tinha sido testado na Terra --a gravidade e a atmosfera marcianas só podiam ser simuladas por computador.
Nos oito meses e meio passados desde que a missão Curiosity tinha decolado de Cabo Canaveral (Flórida), ela tinha atravessado 566,5 milhões de quilômetros. A nave tinha quatro componentes principais: um foguete para erguê-la até o espaço; um estágio de cruzeiro para levá-la até Marte; uma cápsula de aterrissagem para deslizar pela atmosfera superior, e o guindaste celeste para pairar sobre a superfície e descer o jipe-robô até o chão.
 O jipe era movido por um gerador nuclear; portava um sem-fim de lasers, conchas, câmeras e garras.
Findo o programa, os estudos realizados através das lentes do robô por certo trarão alguma respostas para questões tão complexas que povoam nossa imaginação.
Folha.com

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