Trinta e cinco anos atrás, o cientista
John H. Mercer deu um aviso. Então, já estava ficando claro que as emissões humanas aqueceriam a Terra, e Mercer começara a meditar profundamente a respeito das consequências.
Publicado na Nature , o estudo tinha como título "Lençol de gelo da Antártica Ocidental e efeito estufa: Uma ameaça de desastre". No texto, Mercer destacava a topografia incomum do lençol de gelo sobre a porção ocidental da Antártida. Boa parte dela fica abaixo do nível do mar, em uma espécie de tigela, e, segundo ele, o aquecimento climático poderia fazer tudo se degradar rapidamente, em uma escala de tempo geológica levando a um possível aumento no nível do mar de quase cinco metros.
Embora agora esteja claro que nos encontramos nos primeiros estágios do que provavelmente é uma elevação substancial do nível do mar, ainda não sabemos se Mercer estava certo sobre a instabilidade perigosa que poderia levar aquele aumento a acontecer rapidamente, em tempo geológico. Talvez estejamos chegando perto de decifrar isso. Um novo estudo intrigante vem das mãos de Michael J. O'Leary, da Universidade Curtin, Austrália, e cinco colegas espalhados pelo mundo. O'Leary passou mais de uma década explorando a remota costa oeste da Austrália, considerada um dos melhores lugares do mundo para estudar os níveis do mar do passado.
Publicado em 28 de julho no periódico
Nature Geoscience , o estudo se concentra em um período quente na história da Terra que precedeu a mais recente idade do gelo. Aquela época, às vezes chamada período interglacial eemiano (
foi o período interglacial , que começou há cerca de 130.000 anos atrás e terminou cerca de 114 mil anos atrás.), a temperatura planetária era parecida com os níveis que poderemos ver nas décadas futuras como resultado das emissões humanas, assim é considerada um possível indicador do que vai acontecer.
Ao examinar praias fósseis elevadas e recifes de coral ao longo de quase dois mil quilômetros de costa, o grupo de O'Leary confirmou uma coisa que nós basicamente já sabíamos. No mundo quente do eemiano, o nível do mar se estabilizou durante milhares de anos entre três e três metros e meio acima do mar moderno.
A parte interessante é o que aconteceu depois disso. O grupo de O'Leary descobriu o que considera um indício convincente que perto do fim do eemiano , o nível do mar saltou mais cinco metros, para se estabilizar a cerca de nove metros acima do mar moderno, antes de começar a cair enquanto a era glacial se instalava.
Durante entrevista, O'Leary contou estar confiante de que o salto de cinco metros aconteceu em menos de mil anos, quanto tempo a menos, ele não tem certeza.
A descoberta é uma espécie de desagravo para um dos membros da equipe, Paul J. Hearty, geólogo da Carolina do Norte. Ele vem defendendo há décadas que os registros nas rochas sugeriam um pulo do gênero, mas somente recentemente as técnicas de mensuração e modelagem chegaram ao nível de precisão necessária para definir o caso.
Ainda será preciso ver se os resultados suportam o exame crítico. Cientista especializada no nível do mar e não envolvida com o trabalho, Andrea Dutton, da Universidade da Flórida, afirmou que o estudo não citava informações detalhadas o suficiente sobre os locais para que ela tirasse uma conclusão geral. Contudo, se o trabalho se sustentar, as implicações são profundas. A única possível explicação para um salto tão rápido e grande no nível do mar é o colapso catastrófico do lençol de gelo polar, na Groenlândia ou na Antártica.
O'Leary não está preparado para apontar qual; essa descoberta é o próximo projeto do grupo. Porém, uma elevação de cinco metros em menos de mil anos, um instante geológico, deve significar que um ou os dois lençóis de gelo contém instabilidades profundas as quais podem ser desencadeadas por um clima mais quente.
Logicamente, tal cenário traz prognósticos ruins para os humanos.
Cientistas da Universidade de Stanford calcularam recentemente que as emissões humanas estão fazendo o clima mudar muitas vezes mais rápido do que em qualquer momento desde que os dinossauros morreram. Estamos pressionando tanto o clima que, se os lençóis de gelo tiverem um limite de algum tipo, temos uma boa chance de ultrapassá-lo.
Outro estudo recente, de Anders Levermann, do Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto no Clima, Alemanha, e meia dúzia de colegas, insinua que mesmo que as emissões parassem amanhã, nós provavelmente já garantimos vários metros de aumento do nível do mar no longo prazo.
Benjamin Strauss e colegas do Climate Central, grupo independente de cientistas e jornalistas de Princeton, que divulga pesquisas climatológicas, traduziram os resultados de Levermann em formato gráfico, mostrando a diferença que faríamos se fosse possível dar início a um programa agressivo de controle de emissões. Pelo que sugerem os cálculos, em 2100, seguindo nessa toada, iríamos ter um aumento do nível do mar de sete metros, mas reduções agressivas nas emissões poderiam limitar a elevação a dois metros.
Nesse aspecto crucial, infelizmente, nossa ciência ainda é praticamente cega. Os cientistas sabem olhar as rochas e ver evidências incontestáveis de saltos no nível do mar, e podem associá-los a aumentos relativamente modestos na temperatura global. Porém, a natureza da prova é tal que fica difícil diferenciar entre algo que aconteceu em mil ou em cem anos.
Na escala de tempo humana, é claro, faz toda a diferença do mundo.
Se o mar for subir, por exemplo, nove metros ao longo de milhares de anos, o tempo é mais do que suficiente para nos ajustarmos, recuar das praias, reforçar as cidades maiores e desenvolver tecnologias que nos ajudem a lidar com isso.
Entretanto, se o nível do mar for capaz de subir vários metros por século, como o estudo de O'Leary parece sugerir e como muitos outros cientistas acreditam, então os bebês que estão nascendo agora poderiam viver para ver as primeiras etapas de uma calamidade global.