A estátua em Anzio, na Itália, sua cidade natal.
Ele matou duas esposas e sua mãe. Talvez tenha ordenado o incêndio de Roma. Mas alguns estudiosos dizem agora que o imperador não foi tão mau.
Parte do mais grandioso palácio da história da Cidade Eterna jaz sob o Colle Oppio (monte Ópio), hoje um modesto parque maculado por pichações vulgares em Roma, onde rapazes ociosos chutam bola, idosos passeiam com o cachorro e sem-tetos fazem fogueira a carvão.
O palácio chama-se Domus Aurea, ou Casa Dourada, e foi Nero quem o projetou e mandou construir. Quando ruiu seu insano mundo, no ano 68 d.C., e o imperador, então com 30 anos, ordenou a um súdito que lhe cortasse a garganta, arquejando:“Que artista morre comigo!”, o palácio talvez ainda não estivesse concluído. Os imperadores que o sucederam remodelaram o edifício ou deixaram-no de lado, e no ano104 Trajano reutilizou as paredes e abóbadas da construção como um alicerce para suas famosas termas. Nos 1 400 anos seguintes, o palácio sepultado permaneceu esquecido.
Por volta de 1480, alguns homens faziam escavações no Colle Opio quando encontraram o que pensaram ser as ruínas das Termas de Tito. A terra cedeu sob os pés de um deles, que despencou sobre um monte de destroços e deparou, ao olhar para cima, com um teto ainda coberto por suntuosos afrescos. A notícia espalhou-se pela Itália. Grandes artistas da Renascença – Rafael, Il Pinturicchio, Giovanni da Udine – desceram por aquele buraco para estudar (e depois reproduzir em palácios e no Vaticano) os motivos ornamentais repetitivos que viriam a ser conhecidos como grotescos (porque a Casa Dourada lembrava uma gruta). Mais escavações trouxeram novos prodígios imperiais: longos corredores acolunados com vista para o que fora um vasto parque e um lago artificial, vestígios de ouro e lascas de mármore extraído do Egito e do Oriente Médio que outrora revestiram as paredes e os tetos abobadados, e um magnífico salão octogonal com teto em domo, construído seis décadas antes da conclusão do renomado Panteão de Adriano.
Agora, depois que parte de seu teto ruiu em 2010, a Domus Aurea está fechada para o público por tempo indeterminado. Todo dia, restauradores vão cuidar dos afrescos e consertar vazamentos, trabalhando com devoção sem ser vistos pelos pedestres que passam pelo parque 8 metros acima. Até se aposentar, há pouco tempo, um arquiteto romano, Luciano Marchetti, supervisionou os trabalhos na Casa Dourada. Certa manhã, ele está na escuridão gelada da Sala Octogonal, na ponta leste do complexo do palácio subterrâneo. De lanterna em punho, fita o teto abobadado de 15 metros de uma aresta a outra do octógono. O domo parece pairar sem sustentação visível, como um disco voador prestes a pousar, escorado pelos arcos de salas adjacentes.
“Isso me comove demais”, diz baixinho Marchetti, apontando para os arcos retilíneos e autossustentados sobre as entradas. “É um refinamento arquitetônico nunca visto antes. O Panteão é lindo, claro, mas seu domo repousa sobre um cilindro, construído tijolo por tijolo. Este domo é sustentado por estruturas que não vemos.” O arquiteto suspira e murmura uma frase em latim: Damnatio memoriae. Banido da memória: o destino do palácio e os feitos de seu idealizador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário