domingo, 7 de setembro de 2014

Uma nova visão do céu

Nossa Via Láctea está naquele pontinho vermelho (Foto: Reprodução)



O novo mapeamento cósmico referente ao superaglomerado galáctico de que faz parte a Via Láctea, a estrutura que abriga o Sistema Solar em um de seus braços (braço de Órion), surpreende, tanto pela capacidade humana de mensuração do Universo quanto pelo abismo de espaço-tempo em que estamos encerrados.
O trabalho, originalmente publicado na revista científica Nature (grupo de que Scientific American é parte) está reproduzido neste site acompanhado de animação para que os leitores tenham ideia do que se trata.
O super aglomerado galáctico a que a Via Láctea pertence, e que até então era conhecido como Super Aglomerado de Virgem, segundo essas novas medidas, tem volume 100 vezes superior ao que se pensava. Ao se darem conta dessa dimensão, os cosmólogos envolvidos com o trabalho, liderados por Brent Tully, da University of Honolulu, batizaram a estrutura de “Laniakea”, palavra havaiana para “paraíso incomensurável”.
Assim, Laniakea é a segunda instância de grandeza envolvendo a Via Láctea que tem sua estrutura de perfil observada no céu, especialmente em noites sem luz da Lua, como um fluxo luminoso de luz branca conhecido como Caminho de Santiago ou simplesmente Via Láctea.
A visão noturna do perfil da Via Láctea faz com que ela lembre um gigantesco ovo frito, observado de perfil.
A primeira instância é o chamado Grupo Local, um conjunto de galáxias com centro de gravidade comum que reúne aproximadamente 40 dessas estruturas, incluindo galáxias satélites da Via Láctea, como as Nuvens de Magalhães, visíveis nas proximidades do Cruzeiro do Sul e nossa vizinha mais próxima, Andrômeda, a 2,3 milhões de anos-luz.
Essa distância significa que, a luz de Andrômeda que pode ser visível mesmo a olho nu, em condições muito favoráveis, e mais facilmente observada com um telescópio de pequeno porte, deixou o corpo dessa galáxia a 2,3 milhões de anos e desde então viaja pelo espaço que separa essas duas estruturas vizinhas no espaço-tempo.
No caso da Via Láctea, o Sistema Solar se encontra a aproximadamente 30 mil anos-luz do núcleo galáctico, o meio da gema em nosso hipotético ovo frito, e a 20 mil anos-luz da borda galáctica, a extremidade do ovo considerado.
Densidade do núcleo
No centro galáctico a densidade estelar é maior e os processos astrofísicos mais acelerados.

Pode ser apenas sorte, mas provavelmente deve-se a razões mais restritas, o fato de estarmos localizados no braço de Órion, região menos turbulenta do ponto de vista de evolução estelar, com menor concentração de gás que a região central.
A densidade estelar, que acelera processos interativos, faz com que a morte ou fusão de estrelas disparem fluxos poderosamente destruidores de energia, entre eles radiação gama, a mais ponte fonte de radiação eletromagnética.
O reconhecimento de galáxias como aglomerados de vaga-lumes cósmicos ˗ as estrelas que formam essas estruturas ­˗ deslocando-se umas em relação às outras pela expansão do espaço, demorou milênios para ser feita. Agora, no entanto, tanto a disponibilidade instrumental para observação, quanto o avanço teórico que permite especulações impossíveis no passado, fazem desses avanços resultados impressionantes.
Na Antiguidade Grega, o astrônomo-matemático Aristarco de Samos (310 a 230 a.C.) que defendia a órbita da Terra em torno do Sol e sua rotação em torno de um eixo imaginário concebeu um universo tão vasto quanto o considerado nos anos 30 do século passado, quando a cosmologia deixou a filosofia e se integrou ao corpo da ciência pelos trabalhos do astrônomo americano Edwin P. Hubble (1889-1953).
Por ideias avançadas para a época, Aristarco foi acusado de impiedade pelo filósofo estóico Cleante de Assos (330 a 230 a. C.).
O estoicismo, escola filosófica fundada por Zenão de Cítio (333 a 233 a.C) defendia a ideia de que emoções destrutivas decorrem de erros de julgamento e que um sábio, no sentido de alguém com “perfeição moral e intelectual”, estaria a salvo desses desvios.
Em 1755 o filósofo alemão Emmanuel Kant (1724-1804), em História geral da Natureza e teoria do céu, concebeu a estrutura galáctica e a chamou de “universo-ilha”. Mas foi preciso esperar pelo desenvolvimento de telescópios mais eficientes para distinguir galáxias de nebulosas, no segundo caso, remanescentes de explosões estelares do tipo supernova.
Então, nos anos 30, com as medidas de afastamentos galácticos pela expansão cósmica ˗ descoberta teórica quase sempre atribuída a Hubble, mas na verdade concepção teórica do astrônomo também americano Vesto Slipher (1875-1969), que Hubble ouviu em uma conferência ˗ essas estruturas começaram a ser melhores conhecidas e classificadas.
A surpreendente fuga das galáxias

A observação e medida da chamada “fuga das galáxias” deu origem à cosmologia como parte do corpo da ciência e não mais da filosofia.
A forma e medidas da Via Láctea foram possíveis a partir da descoberta, durante a Segunda Guerra Mundial, da emissão de energia pelo hidrogênio eletricamente neutro pelo astrônomo holandês Hendrik Christoffel van de Hulst (1918-2000). Com essa emissão, ela foi mapeada com recursos da radioastronomia.
A mais recente “atualização da Via Láctea”, há pouco mais de uma década, mostrou que além de espiral, ela é também barrada (com uma barrada estelar no núcleo), o que faz dela uma espiral barrada.
A reinterpretação, agora, de que ela integra algo como um hiperaglomerado, a Laniakea, amplia o conhecimento e concepção que os cosmólogos obtém do Universo.
Essas medidas (ver animação) mostram que hiperaglomerados fluem para centros gravitacionais específicos, separando diferentes regiões do espaço como rios que, com nascentes próximas, correm com suas águas para direções distintas, em ilhas e continentes da Terra.
Scientific American Brasil

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