Uma rachadura na fundação de uma casa, se não for consertada, pode crescer e tornar a residência inabitável. Assim, seus moradores terão de se mudar. Mas a população do mundo não pode se mudar para outro lugar. As casas, ainda que não sejam baratas, podem ser substituídas — nosso planeta não pode.
As mudanças climáticas, como sabemos, são como essa rachadura na fundação. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vem estudando o fenômeno desde 1988. Naquele ano, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) foi adotada e, hoje, 195 países entraram em acordo para evitar o perigoso aquecimento global, limitando o aumento da temperatura global a 2 ⁰C.
E ainda continuamos a trilhar nosso caminho perigoso. O IPCC calculou que estamos sendo lançados em direção a elevações de temperatura de 3,7 ⁰C a 4,8 ⁰C no fim do século. A rachadura está aumentando, e alguns dos habitantes do planeta — particularmente os mais vulneráveis — já estão vendo a água se esgotar. Quem é o responsável, e quem deveria pagar para frear o aquecimento?
Essas perguntas têm dominado os debates internacionais sobre a mudança climática desde o início. Como o sociólogo Claus Offe enfatizou recentemente, uma coisa é discutir quem tem a culpa e outra é quem tem a responsabilidade ou pode assumi-la para resolver o problema.
Essa busca sem fim pelo verdadeiro locus de responsabilidade (causal e corretivo) não está restrita ao campo das alterações climáticas. Em um mundo globalizado, os cidadãos podem se perguntar (como muitos assim fizeram) por que uma crise financeira do outro lado do hemisfério faz com que bancos dos seus países entrem em colapso de repente.
A questão vem à tona com mais frequência no caso de problemas globais compartilhados, tais como as mudanças climáticas. A ordem internacional deve ser reformada e adaptada ao crescimento econômico de países como Índia e China. O recente acordo entre os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para estabelecer um Novo Banco de Desenvolvimento e um acordo de reserva de contingência é um sinal claro dessa sede de mudança.
Mas é pouco provável que aconteça uma revisão estrutural da economia global. Nesse meio tempo, a criatividade é a chave. As melhores soluções são aquelas erguidas sobre os pontos mais fortes da estrutura atual.
As abordagens de governança de cima para baixo têm sido úteis, demonstrando a disposição de alguns dos países emissores históricos de gases do efeito estufa de aceitar a responsabilidade de correção. A União Europeia, por exemplo, tem afirmado o compromisso do Protocolo de Quioto da UNFCCC, o único tratado internacional sobre alterações climáticas até hoje que inclui metas de redução de emissões obrigatórias. No entanto, as mais recentes conferências da UNFCCC revelaram os limites desta abordagem.
Assim, enquanto o mundo se prepara para a Conferência da UNFCCC em Paris em 2015, precedida pela reunião que o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon vai conduzir em Nova York neste mês, será importante tomar conhecimento e exportar iniciativas emergentes criativas que surgem de baixo para cima. A China lançou sete esquemas piloto de mercados de carbono, cobrindo uma população de 250 milhões de pessoas — o segundo maior esforço do mundo (depois da UE). Em Uganda, a cidade de Kampala está trabalhando para iluminar as ruas usando energia solar. Muitos pequenos países insulares, como Tuvalu, estão dando um exemplo importante buscando atingir rapidamente a meta de neutralidade de carbono.
Uma das principais prioridades da UNFCCC é garantir o financiamento para aumentar os esforços de mitigação e adaptação dos países em desenvolvimento, mobilizando, assim, a capacidade e boa vontade dos emissores históricos em catalisar ainda mais o ambiente de inovação. Cientistas em todo o mundo estão trabalhando em soluções; na verdade, só a ciência nos ajudará a prosseguir de maneira eficaz, assim como foi ela que permitiu que o padrão de vida na maior parte do mundo se elevasse além dos níveis de subsistência.
No caso das mudanças climáticas, apenas criatividade, inovação, responsabilidade e vontade política podem nos ajudar a salvar nossa casa. Precisamos abrir nossos olhos, reconhecer a rachadura na fundação e encarar nossa responsabilidade para corrigi-la. No primeiro trimestre de 2015, os governos devem declarar as contribuições que seus países pretendem destinar a esse esforço, aumentando, desse modo, a confiança e acelerando o progresso a caminho de Paris. Entretanto, devemos estar atentos a potenciais inovações e investir em pesquisa e desenvolvimento, onde quer que se encontre esse potencial.
Veja.com
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