Água: proposta apoiada pelo Banco Mundial prevê a construção de 180 quilômetros de tubulações para levar água do Mar Vermelho para o Mar Morto.
Não se trata de uma ameaça apocalíptica, como seria de se esperar na região terrestre onde, dizem as escrituras bíblicas, ocorreria o Armagedon, a batalha final entre o bem e o mal.
O nível da água baixou 25 metros nos últimos cinquenta anos e prossegue a uma taxa de um metro por ano. Os hidrologistas acreditavam que a queda iria se estabilizar porque a evaporação concentra a salinidade.
Perto do ponto de salmora, por razões químicas, a evaporação fica mais difícil. Mas um estudo publicado no ano passado pela American Geophysical Union de São Francisco, nos EUA, mostrou que as coisas podem piorar, e muito.
Perfurações geológicas nas profundezas do mar morto revelaram, pelas colunas de sedimentação, que a água desapareceu completamente há 120 mil anos, transformando a região num inóspito deserto.
A proposta apoiada pelo Banco Mundial prevê a construção de 180 quilômetros de tubulações para levar água do Mar Vermelho para o Mar Morto. Existe outro projeto para cavar um túnel, mas o acordo final começará a ser discutido em abril próximo.
Como o Mar Morto está a mais de 400 metros abaixo do nível do mar oceânico, o projeto prevê também a construção de uma usina elétrica para desalinizar água tornando-a potável – um bem mais precioso na região do que o petróleo.
A perspectiva de uma guerra apocalíptica na região por causa da água soa principalmente nos discursos nacionalistas por milênios. A palavra “rivalidade”, por exemplo, vem do latin rivalis, que significa usar o mesmo rio com outros. Rios que passam por vários países são chamados de “riparianos” referindo-se a Estados ribeirinhos.
Apesar de toda a carga histórica, paradoxalmente, guerras por causa de água são raras, pelo menos fora do Oriente Médio. Mas esse espectro ronda a política Internacional. Em 1995, por exemplo, Ismail Serageldin, vice-presidente do Banco Mundial, ganhou manchetes em todos os jornais ao profetizar que “as guerras do próximo século serão sobre as águas”. Até agora esse mau augúrio não deu sinais de se materializar, mas as perspectivas estatísticas não são muito animadoras.
O consumo global de água vem dobrando a cada 20 anos, mais do que o dobro do crescimento populacional, levantando o presságio de uma nova ameaça malthusiana.
De acordo com a ONU, mais de um bilhão de pessoas no planeta não têm acesso a água potável. Nesse passo, em 2025 a demanda de água potável atingiria mais de 56% além das reservas atualmente contabilizadas. Como se não bastasse, até a geopolítica conspira para o pessimismo.
Em 1978, segundo a ONU, existiam 214 rios e aquíferos riparianos. Agora, com o desmantelamento da União Soviética e dos estados balcânicos do leste europeus já existem 263 – um aumento no número de focos de atritos potenciais. Essas 263 bacias hídricas riparianas abrangem 43,3% da superfície do planeta, onde se acotovelam 40% dos habitantes do planeta.
Felizmente os registros históricos mostram, por alguma razão misteriosa, que os humanos não gostam muito de ir à guerra por recursos hídricos. Num histórico levantamento feito por pesquisadores da Universidade Estadual do Oregon, EUA, compilando as últimas cinco décadas, revelou apenas 37 disputas envolvendo violência militar, sendo 30 delas entre Israel e seus vizinhos.
Desde a criação do Estado de Israel, em 1948 a região tem vivido atritos frequentes especialmente sobre o uso das águas do rio Jordão. Com a expansão militar israelense, quase 2/3 da água consumida em Israel vem de territórios ocupados.
Em 1967 o manejo de águas ficou sob controle militar. Poços artesianos só podem ser perfurados com aprovação militar e a vazão é controlada por quotas. Os poços já existentes foram expropriados passando para controle estatal. A situação é dramática para os palestinos, que sobrevivem com quatro vezes menos água per capita do que os israelenses.
Fora do barril de pólvora do Oriente Médio os pesquisadores contabilizaram somente cinco incidentes violentos, contra espetaculares 157 tratados assinados diplomaticamente em meio século.
Levando em conta todos os tipos de eventos, de todas as magnitudes, eles contabilizaram 1.228 de caráter colaborativo, contra 507 hostis. E desse, 62% eram apenas arengas verbais, destinadas a consumo político interno nacionalista. Dessas bravatas políticas, dois terços não eram pronunciamentos oficias de governos, mas apenas de cidadãos ou organizações fanáticas.
Assim, de modo geral, a diplomacia tem prevalecido sobre o rufar de tambores. A comissão do Rio Mekong, constituída por Camboja, Laos, Tailândia e Vietnã, vem negociando pacificamente desde 1957, mesmo quando as bombas estavam sendo despejadas na região pelos EUA.
Mesmo no Oriente Médio, Israel e Jordânia vêm confabulando, às vezes secretamente, dede 1953, mesmo estando oficialmente em estado de guerra depois de 1948 e até o tratado de paz de 1994.
E a Comissão do Rio Indu sobreviveu a nada menos de duas guerras entre a Índia e Paquistão. Na África, os belicosos atritos de dez países ao longo do rio Nilo têm ficado apenas no bate-boca nacionalista, enquanto negociações de altos escalões governamentais são realizados regularmente.
Portanto, no balanço geral, a cooperação pela água vem vencendo a Guerra em quase todas as frentes. E uma vitória total certamente tornará toda a humanidade mais civilizada e tolerante.
Exame.com
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