Na Pérsia Antiga, um bom manejo dos animais era vital para as conquistas
regionais.
Com os persas, os europeus descobriram um novo universo, entre eles o da
moda.
Os sapatos usados pelos súditos de Abbas foram rapidamente adotados pelos
aristocratas do Velho Mundo, que, a todo momento, buscavam colecionar objetos
que pudessem reforçar seu poder frente aos demais.
Porém, à medida que os sapatos com salto ganharam força também entre as
camadas populares, os ricos passaram a aumentar seu tamanho como forma de se
diferenciar - e assim o salto alto nasceu efetivamente.
Mas, ao contrário da Pérsia, esses novos sapatos não tinham qualquer
utilidade na Europa, especialmente nas ruas esburacadas e enlameadas do século
17.
"A pouca funcionalidade acabava por reforçar o status daqueles que podiam
usar tais sapatos", diz Semmelhack, para quem as classes mais ricas sempre
usaram roupas pouco práticas, desconfortáveis e luxuosas para divulgar sua
condição privilegiada."Eles não precisam usar os saltos altos no trabalho e tampouco caminhar longas distâncias", acrescenta.
Monarca francês
Apesar de Imelda Marcos, a viúva do ex-presidente das Filipinas, Ferdinando
Marcos, ter sido considerada uma das maiores colecionadoras contemporâneas de
saltos altos, dificilmente ela superaria Luís 14, o imperador francês conhecido
popularmente como o 'Rei Sol'.
Havia uma razão pelo gosto do monarca pela peça. Apesar de seu prestígio,
Luís 14 media apenas 1,63m e, não raro, acrescia sua altura em 10cm com saltos,
decorados com imagens de suas conquistas.
Os sapatos e as solas eram sempre na cor vermelha, uma vez que o tingimento
era caro e demandava muito tempo. A moda logo se espalhou por outros países da
Europa.
O retrato da coroação de Charles 2º, da Inglaterra, em 1661, por exemplo,
revelava o monarca usando um par de um salto alto enorme de estilo francês,
apesar de medir 1,85m.
Em 1670, Luís 14 publicou um decreto que somente membros de sua corte
poderiam usar salto alto vermelho. Não demorou muito tempo para que imitações
chegassem aos mercados.
Ao passo que os tradicionais sapatos ganharam versões no mercado negro, o
item também passou a fazer a cabeça de mulheres e crianças.
Conexão
"Em 1630, havia mulheres que cortavam seus cabelos bem curtos, acrescentando
dragonas (peça metálica com franjas de fios de ouro) às suas roupas", conta
Semmelhack.
"Elas também fumavam cachimbos, faziam de tudo para parecer masculinas. Foi
quando, justamente, as mulheres adotaram os saltos altos, antes restritos aos
homens."
Nessa época, diz a pesquisadora, as classes mais abastardas da Europa seguiam
uma moda de sapatos unissex até o fim do século 17, quando houve uma nova
revolução.
A partir deste ponto, começamos a perceber uma mudança", explica Helen Persson,
curadora da Victoria and Albert Museum em Londres. "Homens começaram a usar um
salto mais baixo, robusto, quadrado, enquanto o das mulheres ganhou formas mais
curvilíneas, mais esguias".
Iluminismo
Alguns anos depois, entretanto, o salto alto sofreu forte baque das ideias
trazidas com o advento do Iluminismo, que pregava respeito pela racionalidade e
pela praticidade, além de uma maior ênfase à educação do que ao privilégio.
Como reflexo dessa nova tendência, os aristocratas começaram a usar roupas
mais simples que estavam mais ligadas ao trabalho em suas propriedades.
Foi o começo do que os especialistas chamam de "A Grande Renúncia Masculina",
por meio da qual, entre outras coisas, os homens abandonaram o uso de joias,
cores brilhantes e tecidos ostentadores em favor de um visual mais homogêneo,
sóbrio e escuro.
Assim, o vestuário masculino passou a atuar não tão fortemente como um
divisor de classes sociais. E, ao passo que essas fronteiras começaram a ser
imbricadas, as diferenças entre os sexos ficaram mais pronunciadas.
"Há discussões de como os homens, a despeito de sua situação, de seu local de
nascimento, se educados, poderiam se tornar cidadãos", diz Semmelhack.
"As mulheres, em contrapartida, eram vistas como emocionais, sentimentais e
iletradas. O desejo feminino começa a ser construído em termos da moda
irracional e o salto alto - uma vez separada de sua função original, que era de
vestir cavaleiros - torna-se o exemplo primário do vestuário impraticável."
Os saltos altos passaram, então, a ser vistos como estúpidos e afeminados. Em
1740, os homens interromperam por completo seu uso.
Cinco décadas depois, o item também desapareceu dos pés das mulheres, devido
à Revolução Francesa.
Retomada
O salto alto só voltou à moda em meados do século 19, quando a fotografia
transformou a maneira como a moda e a imagem da mulher começaram a ser
construídas.
Os divulgadores de pornografia estavam entre os primeiros a abraçar a nova
tecnologia, registrando fotos de mulheres nuas para divulgá-las em cartões
postais, posicionando as modelos em poses que remetiam aos nus clássicos, mas
usando saltos altos modernos.
Semmelhack acredita que tal associação com a pornografia permitiu que a peça
fosse vista como um adorno erótico para as mulheres.
Para os homens, entretanto, o uso do salto alto nunca voltou com força.
Na década de 60, os populares cowboys dos Estados Unidos chegaram a
ensaiar um retorno dos saltos para o público masculino, porém de menor altura.
Mas, mesmo que a era dos homens de salto alto parece ter ficado para trás,
Semmelhack acredita em uma retomada.
"Definitivamente", diz ele.
Afinal, se a peça ganhou lugar cativo nos guarda-roupas de imperadores e
membros da realeza, por que não poderia retornar aos pés do público
masculino?
BBC.com
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