quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Fúria solar

Em 1º de setembro de 1859, uma quinta-feira, Richard Carrington, um cervejeiro e astrônomo amador então com 33 anos, subiu os degraus que levavam a seu observatório particular perto de Londres, abriu a fresta na abóboda e, como costumava fazer em manhãs ensolaradas, ajustou o telescópio para que projetasse em uma tela uma imagem do Sol medindo 28 centímetros. Em seguida, passou a delinear as manchas solares em uma folha de papel; de repente, diante de seus olhos, “duas áreas de luminosidade brilhante e esbranquiçada” surgiram em meio a um grupo de manchas. No mesmo instante, a agulha do magnetógrafo que pendia de um fio de seda no Observatório Kew, em Londres, começou a se mover com rapidez. E, no dia seguinte, antes do amanhecer, auroras de tons vermelhos, verdes e roxos iluminaram os céus em regiões tão meridionais quanto o Havaí e o Panamá. Gente que estava acampada nas Montanhas Rochosas, confundindo a aurora com o início do dia, se levantou e começou a preparar o café da manhã.
A fulguração observada por Carrington anunciava uma gigantesca tempestade solar – uma enorme explosão eletromagnética que arremessou bilhões de toneladas de partículas carregadas de eletricidade em direção à Terra. Quando essa onda invisível se chocou com o campo magnético de nosso planeta, ela provocou um súbito aumento nas correntes elétricas das linhas de telegrafia. O impacto interrompeu o serviço em vários postos, mas em outros locais os telegrafistas constataram que podiam desligar as baterias e retomar as operações usando apenas a eletricidade geomagnética. “Estamos funcionando só com a corrente fornecida pela aurora boreal”, comunicou-se um telegrafista de Boston com outro, em Portland, no estado do Maine. “Como você está recebendo a minha mensagem?”
“Bem melhor do que com as baterias ligadas”, veio a resposta de Portland.
Os operadores dos atuais sistemas de comunicação e redes de eletricidade não ficariam assim tão calmos. Como, desde 1859, não houve nenhuma outra megatempestade solar com a mesma intensidade, é difícil calcular o impacto que um evento similar teria em nosso mundo interconectado. Mas dá para fazer uma ideia do apagão ocorrido em Québec em 13 de maio de 1989, quando uma tempestade no Sol um terço mais fraca do que a observada por Carrington provocou, em menos de dois minutos, o desligamento da rede que fornecia eletricidade a mais de 6 milhões de pessoas. Uma tempestade como a de Carrington poderia queimar mais transformadores do que há no estoque das companhias de eletricidade, deixando milhões de pessoas sem luz, água potável, ar-condicionado, combustível, telefones ou alimentos e remédios perecíveis durante os meses que seriam necessários para fabricar e instalar transformadores novos. Segundo um recente relatório da Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos, uma tempestade solar dessa magnitude acarretaria o mesmo prejuízo ocasionado por 20 furacões do tipo do Katrina, ou seja, algo entre 1 trilhão e 2 trilhões de dólares apenas no primeiro ano.
“Nossas previsões sobre o Sol não vão além de poucos dias”, lamenta Karel Schrijver, do Laboratório Solar e Astrofísico da empresa Lockheed Martin, em Palo Alto, na Califórnia. Com a expectativa de que neste ano tenha início o período de máxima atividade solar, os centros de acompanhamento do clima espacial estão atentos. “Tentamos entender como as condições no espaço afetam nossa sociedade”, diz Schrijver.
“Em termos éticos, a coisa certa a fazer quando se identifica uma ameaça dessa magnitude é criar as condições para que estejamos preparados. É como no caso dos terremotos em San Francisco. Do contrário, as consequências são intoleráveis.”
Poucas coisas parecem tão familiares quanto o Sol – sempre o reencontramos no céu, desde que não esteja encoberto – e, porém, poucas coisas se comparam a ele em estranheza. Basta que o observemos através de um telescópio solar, e seu corriqueiro disco amarelo vira uma assombrosa e dinâmica superfície, na qual proeminências tão grandes quanto planetas se projetam no espaço negro, como águas-vivas fosforescentes, e se curvam e se retraem horas ou dias depois, como se arrastadas por uma força invisível.
De fato, é isso o que ocorre. Nem sólido nem líquido nem gasoso, o Sol é constituído de plasma, o “quarto estado da matéria”, que se forma quando os átomos se desintegram e restam apenas prótons e elétrons livres. Todas essas partículas carregadas fazem do plasma solar um excelente condutor de eletricidade – bem mais que um fio de cobre. E o Sol também está repleto de campos magnéticos. A maioria deles fica no interior da imensa circunferência da estrela, mas alguns condutos magnéticos, tão largos quanto a Terra, emergem na superfície sob a forma de manchas solares. É esse magnetismo que coreografa a dança coleante na atmosfera do Sol e impele o vento solar, lançando no espaço a cada segundo 1 milhão de toneladas de plasma, a uma velocidade de 700 quilômetros por segundo.
Por trás de toda essa atividade está a fascinante complexidade do funcionamento de uma estrela que nada tem de excepcional. No núcleo do Sol – um esferoide de plasma, com temperatura de 15 milhões de graus e seis vezes mais denso que o ouro – ocorre a fusão de 700 milhões de toneladas de prótons em núcleos de hélio a cada segundo, e nesse processo é liberada uma energia equivalente à explosão de 10 bilhões de bombas de hidrogênio. O núcleo pulsa com suavidade, expandindo-se quando aumenta e se contraindo quando diminui o ritmo da fusão. Superpostos a essa pulsação lenta e profunda, há uma miríade de ritmos, desde um ciclo de 11 anos nas manchas solares até outros que duram séculos.
 
 

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