As discussões atuais sobre a parcela de responsabilidade do Brasil no
aquecimento global fazem referência quase que exclusivamente ao desmatamento na
Amazônia. Num passado não muito distante, porém, a maior parte do gás carbônico
lançado na atmosfera pelo País não teve origem na floresta amazônica, mas na
Mata Atlântica, segundo um estudo que calculou, pela primeira vez, as emissões
históricas por mudança no uso da terra - conversão de áreas de vegetação nativa
para agricultura e pecuária - no Brasil.
Os pesquisadores estimam que o País emitiu 17,2 bilhões de toneladas de
carbono (Gt-C) por esse motivo entre 1940 e 1995, período no qual, segundo eles,
a área ocupada pela agropecuária mais do que dobrou, de 106 milhões para 219
milhões de hectares. Um volume de carbono 11 vezes maior do que foi emitido no
mesmo período pela queima de combustíveis fósseis. A maior parte dessas emissões
(72%) foi produzida pela ocupação da Mata Atlântica (43%) e do Cerrado (29%). A
Amazônia aparece em terceiro, com 25%.
A emissão ocorre quando a vegetação nativa é cortada e queimada, liberando o
carbono que está estocado na matéria orgânica (biomassa) para a atmosfera, na
forma de gás carbônico. Segundo os pesquisadores, a Amazônia só se torna a fonte
número um de emissões a partir da década de 1970. Ainda assim, no acumulado de
1940 a 1995, ela não ultrapassa a Mata Atlântica nem o Cerrado, biomas que foram
desmatados mais intensamente nesse período.
"A Amazônia tem um estoque de carbono muito maior, mas a Mata Atlântica foi
muito mais desmatada", diz o pesquisador Marcos Costa, do Departamento de
Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (UFV), um dos quatro
cientistas que assinam o estudo na revista Global Biogeochemical Cycles. Os
outros são Christiane Leite, também da UFV, Britaldo Soares Filho e Letícia
Hissa, do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG).
Estima-se que cerca de 90% das florestas originais da Mata Atlântica foram
derrubadas até agora, enquanto que, na Amazônia, esse índice não chega a 20%.
Quantitativamente, 1,3 milhão versus 720 mil quilômetros quadrados desmatados,
em números arredondados.
Para saber quanto de carbono foi emitido historicamente de cada bioma, os
pesquisadores construíram um mapa da distribuição original de biomassa em todo o
território brasileiro. Depois, sobrepuseram a isso uma reconstrução histórica -
e também inédita - da evolução das fronteiras agrícolas do País entre 1940 e
1995. Um trabalho dificílimo, que levou sete anos para ser concluído, mesclando
imagens recentes de satélite com informações históricas dos censos agropecuários
do IBGE.
No caso da Mata Atlântica, os cientistas utilizaram amostras de 23 pontos do
bioma para estimar quanta biomassa havia na vegetação que foi destruída e,
consequentemente, quanto carbono foi emitido. Resultado: a Mata Atlântica tinha
um estoque original de 17,6 Gt-C, do qual 42% foram emitidos entre 1940 e 1995.
A Amazônia, comparativamente, perdeu 6% de seu estoque inicial, de 68,4 Gt-C, e
o Cerrado, 23%.
Os porcentuais de carbono emitido e de área desmatada são diferentes porque a
distribuição de biomassa não é homogênea dentro dos biomas. No caso da Mata
Atlântica, as maiores densidades de biomassa estão nas regiões montanhosas do
litoral, que foram as menos desmatadas. Por isso, o bioma já perdeu cerca de 90%
de sua cobertura florestal, mas emitiu "apenas" 42% do seu estoque de
carbono.
Responsabilidade. Os pesquisadores calculam que, antes de 1940, o Brasil já
havia emitido 3,8 Gt-C por mudanças no uso da terra, o que elevaria o total
emitido até 1995 para 21 Gt-C. Considerando que o estoque total de carbono em
biomassa do País foi estimado em 115,7 Gt-C, isso significa que 18% de todo o
carbono contido originalmente na vegetação brasileira já foi lançado para a
atmosfera na forma de gás carbônico, contribuindo para o aquecimento global.
É muito. Mas, segundo os pesquisadores, não muito diferente,
proporcionalmente, do que foi consumido de biomassa no planeta como um todo nos
últimos 150 anos, estimado em 17,7%. "Os dados mostram que o Brasil teve
emissões históricas significativas por mudanças no uso do solo, mas, em termos
globais, não fez mais nem menos do que o resto do mundo", avalia Britaldo
Soares, da UFMG.
A diferença hoje é que o Brasil, apesar de tudo, ainda tem muitas florestas
remanescentes. Resta saber se vai manter esse saldo de carbono estocado na forma
de biomassa ou lançá-lo na atmosfera na forma de fumaça.
"Não sei se é um dado positivo ou negativo, mas é um dado realista", avalia
Costa. "Agora sabemos o quanto emitimos e podemos nos posicionar melhor com
relação a isso nas negociações internacionais."
Veja.com
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