quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Gelo em colapso

Fiorde de gelo Ilulissat, Groenlândia 2008
O que é sólido se liquefaz enquanto o iceberg, com a altura de um prédio de 15 andares, vai sendo erodido pelas águas quentes do Atlântico Norte.

As geleiras avançam ou recuam conforme o ritmo glacial. Mas agora estão desaparecendo diante dos nossos olhos.
As geleiras são animais selvagens. Na época anterior à Revolução Industrial, nós as temíamos tanto quanto os lobos – com a diferença de que as geleiras devoravam vilarejos inteiros. Até o final do século 19, elas viraram atrações turísticas: na Suíça, era possível se aventurar pelas entranhas da geleira Rhône através de um túnel escavado todos os verões junto ao Hotel Belvedere. Nessa mesma época, também havíamos começado a construir um mundo no qual talvez um dia não exista mais lugar para as geleiras – ainda que, por enquanto, elas resistam.
As geleiras respiram. A neve se acumula até se transformar em gelo nas altitudes mais elevadas e derrete na base da geleira. “Ela inspira no inverno e expira no verão”, diz Matthias Huss, jovem glaciologista da Universidade de Friburgo, na Suíça.
Elas se movimentam. Quando uma quantidade suficiente de gelo se acumula sobre ela, a geleira começa a se deslocar. “Se não há movimento, não é geleira. É gelo estagnado”, explica Dan Fagre, do Parque Nacional das Geleiras, no estado americano de Montana. Ele trabalha ali há duas décadas como ecologista especializado em mudanças climáticas. Hoje há 25 geleiras ativas no parque, mas eram 150 um século atrás. Muitas desapareceram antes mesmo de serem registradas em um mapa. Sabemos que existiram por causa de suas morenas – os montes de entulho que carregam ao deslizar para níveis mais baixos na época em que ainda estavam vivas e ativas.
Elas dominavam. Vinte mil anos atrás, a Suíça era um mar de gelo. Apenas os cumes dos Alpes se destacavam como ilhas rochosas. No século 19, os resquícios dessa Era Glacial ainda se manifestavam, no final do que hoje chamamos de Pequena Era Glacial. Um daguerreótipo de 1849 mostra a geleira Rhône estendendo-se por mais de 500 metros abaixo do nível atual. Ela caía por uma escarpa íngreme e avançava pelo leito do vale, com a altura de um prédio de vários andares.
 
 
                                                      Geleira Rhône, Suiça 2012 -
A ousadia de se aproximar desses monstros durante a Pequena Era Glacial foi o que permitiu aos cientistas suíços constatar – com base nas morenas e em outros resquícios no alto das montanhas – a ocorrência das grandes eras glaciais. Foi assim que descobrimos que o clima do planeta pode mudar de maneira drástica. Se hoje não fôssemos nós os responsáveis por tais mudanças, se a natureza ainda estivesse no comando, estaríamos condenados a enfrentar outra era glacial daqui a um ou dois milênios. Por outro lado, se queimarmos, até o fim das reservas, o carvão, petróleo e gás que restam no subsolo, vamos provocar o derretimento de todo o gelo que há na Terra. Este é o eloquente recado das geleiras: o de que estamos diante de uma encruzilhada crucial.
As geleiras resistem. À medida que o mundo fica mais quente, elas buscam o equilíbrio: a altitude e a massa precisam ser de tal ordem que a neve acrescentada seja equivalente ao gelo derretido. O clima é local, e o esforço, individual. Por isso, algumas geleiras estão aumentando – mas nenhuma delas está nos Alpes. Metade do gelo dessa cordilheira derreteu no último século, um volume de água suficiente para encher todos os lagos da Suíça. De 80 a 90% do que restou, segundo previsão de Huss, terá desaparecido até 2100.
A geleira Rhône já recuou para o alto da montanha, não podendo mais ser vista do vale. Agora termina bem acima do Hotel Belvedere. Para vê-la no inverno, quando está isolada e não há como transitar pela estrada até o hotel, é preciso vestir as botas de neve e escalar a montanha.
O parque das Geleiras continuará belo sem as geleiras, diz Fagre. Mas não será o mesmo. O mesmo vale para a Suíça, segundo Huss, que conclui: “O que mais dói é, no fim do verão, ver toda aquela neve derretida. Dói de verdade”.
National Geographic

Nenhum comentário:

Postar um comentário