Em 1859 aconteceu uma erupção solar e, na Terra, os fios soltaram faíscas que deram choques nos operadores de telégrafo, botando fogo no papel.
Foi a maior tempestade geomagnética de que há registros históricos. O Sol arremessou bilhões de toneladas de elétrons e prótons sibilantes para a Terra e, quando essas partículas bateram no campo magnético do planeta, criaram auroras espetaculares nas cores vermelho, verde e roxo no céu noturno – além de correntes poderosas de eletricidade que saltaram do chão para os fios, sobrecarregando os circuitos.
Se uma tempestade dessas acontecesse no século XXI, muito mais do que fios e papel estaria em risco. Alguns satélites de telecomunicação muito acima da Terra seriam desligados. Os sinais do GPS ficariam misturados. E o surto de eletricidade vindo do chão ameaçaria as redes elétricas, quem sabe deixando um continente ou dois nas trevas.
Segundo cientistas, é impossível prever quando a próxima tempestade solar monstro vai acontecer – e, igualmente importante, se a Terra estará em seu caminho. O que eles sabem é que com mais manchas solares, acontecem mais tempestades, e no outono do Hemisfério Norte o Sol atingirá o pico do ciclo de 11 anos de manchas solares.
As manchas solares são regiões de campos magnéticos turbulentos onde se originam as explosões solares. O fluxo e refluxo são observados há séculos, mas somente nas últimas décadas os cientistas solares descobriram que os campos magnéticos dentro das manchas podem liberar as rajadas brilhantes de luz chamadas de explosões solares e as erupções gigantes de partículas carregadas conhecidas como ejeções de massa coronal.
Os especialistas estão divididos quanto às consequências na Terra de uma erupção solar cataclísmica, conhecida como evento de Carrington, em homenagem ao astrônomo amador britânico que documentou a tormenta de 1859.
Um apagão continental afetaria milhões de pessoas, "mas é administrável", disse John Moura, da North American Electric Reliability Corp, associação sem fins lucrativos fundada por empresas de energia para ajudar a gerenciar a rede elétrica. Segundo ele, a maior parte da rede poderia ser religada dentro de cerca de uma semana.
Outras pessoas são mais pessimistas, preocupando-se que uma erupção enorme e na direção certa causaria não apenas o apagamento das luzes como também danificaria transformadores e outros componentes críticos da rede.
Alguns lugares poderiam ficar sem eletricidade durante meses e uma "falta crônica de vários anos é possível", de acordo com o Conselho Nacional de Pesquisa, a divisão de pesquisa da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.
Mesmo assim, o ciclo de manchas solares tem sido mais tranquilo do que a maioria. E mesmo que o Sol libere uma rajada enorme, como aconteceu em julho passado, há uma boa chance de esta ser despachada de forma inofensiva em alguma outra direção do sistema solar. É raro que uma explosão solar gigante voe diretamente para a Terra.
Ainda que uma onda alimentada por furacão chegando à cidade de Nova York na maré alta durante a Lua cheia seja rara, não é impossível.
"Sempre existe a chance de uma grande tempestade e as consequências potenciais de uma grande tormenta deixam todo mundo preocupado", afirmou William Murtagh, coordenador de programa do Centro de Prognósticos Climatológicos Espaciais, integrante da Agência Nacional Atmosférica e Oceânica dos EUA.
Queda gigantesca de energia O exemplo mais estudado e inequívoco da capacidade solar de prejudicar redes elétricas aconteceu em 13 de março de 1989, na província canadense do Quebec. Nas primeiras horas da manhã, uma tempestade solar gerou correntes nos fios de transmissão, desligando disjuntores. Em questão de minutos, um apagão tomou conta da província, fechando empresas, escolas, aeroportos e metrôs até a energia ser religada, no fim daquele dia.
O Canadá foi atingido novamente poucos meses depois, quando outra tormenta solar levou a culpa pelo desligamento de computadores na Bolsa de Valores de Toronto, impedindo as transações.
A organização de Moura divulgou um estudo no ano passado dizendo que as distribuidoras teriam aviso suficiente para desligar a rede e proteger os transformadores; uma força-tarefa de acompanhamento fará um estudo minucioso para determinar o grau de vulnerabilidade dos transformadores.
"Existe a sensação neste campo de que nós não temos todas as respostas", afirmou Antti Pulkkinen, cientista do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA, em Greenbelt, Maryland.
Os perigos não vão passar antes do fim da máxima solar – o período de maior atividade do Sol. Mesmo quando tranquilo, com poucas manchas solares, o Sol ainda pode produzir uma erupção gigante.
As explosões solares, que viajam à velocidade da luz, chegam à Terra em menos de oito minutos e meio e podem derrubar parte das comunicações por rádio. Porém, a maior fonte de preocupações são as ejeções de massa coronal, na qual bilhões de toneladas de elétrons e prótons são expelidos do Sol e aceleram a mais de 1,6 milhão de quilômetros por hora.
As partículas, que geralmente demoram de dois a três dias para percorrer os 149 milhões de quilômetros entre o Sol e a Terra, não atingem a superfície; elas são repelidas pelo campo magnético do planeta.
Contudo, elas ficam presas no campo. Esse vaivém contínuo gera novos campos magnéticos, a maioria no lado noturno do planeta, e estes, por sua vez, induzem correntes elétricas no chão. Tais correntes saem do chão e sobem nas linhas de transmissão elétrica.
"De certa forma, estamos jogando roleta russa com o Sol", disse John Kappenman, engenheiro elétrico proprietário da Storm Analysis Consultants que vem alertando quanto a uma catástrofe em potencial.
Até agora, o presente ciclo solar desafiou a compreensão fácil. Ele começou mais tarde – tão tarde que, para alguns, era o começo de um longo período de tranquilidade, como em meados do século XVII, quando quase nenhuma mancha foi vista no Sol durante décadas. O Sol está mais tranquilo do que os peritos esperavam e, por ora, parece ter chegado prematuramente ao ponto máximo.
Os dois hemisférios solares estão fora de sincronia. O hemisfério norte está adiante da curva, tendo produzindo um grande número de manchas no final de 2011 e depois se aquietado; o hemisfério sul permaneceu praticamente em sossego durante esse tempo todo.
Para a maioria dos cientistas solares, o hemisfério solar vai se reanimar e o número de manchas solares voltará a crescer, com a máxima solar ocorrendo no final do ano. Esse padrão de picos duplos já foi avistado em ciclos solares anteriores, como no último.
"Creio ser possível afirmar com forte confiança que haverá um segundo pico em 2013", declarou Douglas Biesecker, físico do Centro de Prognósticos Climatológicos Espaciais e presidente de um painel que fez previsões sobre o ciclo solar.
"Será o segundo pico maior ou menor do que o primeiro? Ainda estamos à espera no hemisfério sul. O hemisfério norte praticamente já terminou."
Se o segundo pico não acontecer e a máxima solar já tiver ocorrido, "então eu diria ser justo qualificá-lo de ciclo incomum", disse Biesecker.
Mesmo com uma máxima solar mais tranquila do que a média, o Sol continua disparando, em média, algumas ejeções de massa coronal por dia, incluindo uma em 15 de março que teve impacto direto na Terra dois dias depois, gerando auroras noturnas pitorescas até no Colorado, mas sem provocar danos perceptíveis.
No ano passado, cerca de 20 delas – todas pequenas ou modestas – atingiram a Terra.
A enorme erupção solar de julho de 2012 partiu na direção errada, para sorte da Terra, mas passou pelo Stereo, equipamento de observação solar da NASA. Os dados do Stereo ajudarão os computadores a prover o que pode acontecer na rede elétrica.
Pego de surpresa Na manhã de 1º de setembro de 1859, o astrônomo amador britânico Richard C. Carrington desenhava um grande grupo de manchas solares quando viu um lampejo branco ofuscante engolfá-las – era uma explosão solar. As correntes magnéticas que geraram a explosão provocaram uma ejeção de massa coronal.
Quando as partículas atingiram a Terra, menos de 18 horas depois, criaram uma corrente elétrica que desarmou os circuitos telegráficos.
Um telegrafista de Washington relatou que a testa tocou um fio-terra e "imediatamente recebi um choque elétrico muito severo" e "um velho que estava sentado de frente para mim, a pouca distância, disse ter visto uma centelha de fogo saltar da minha testa para o vibrador do telégrafo.
Como não aconteceram outros eventos de Carrington desde então, os cientistas sabem que tais distúrbios são raros. Porém, também sabem que essa não foi a única tempestade solar a atingir a Terra em seus 4,5 bilhões de história. Tormentas solares do tamanho de Carrington "têm cem por cento de chance de se repetirem", garantiu Kappenman.
E quando se repetirem, os transformadores e outros componentes importantes da rede elétrica sofrerão danos severos. Os grandes transformadores são caros e as companhias elétricas não dispõem de muitos sobressalentes à mão. Alguns locais poderiam ficar sem energia durante meses. Ainda segundo ele, "pense no furacão Sandy multiplicado por cem".
Em novembro, a agência federal norte-americana responsável pela supervisão da rede elétrica propôs exigir das distribuidoras a instalação de equipamentos para bloquear correntes provindas do chão, além de tomar outras medidas para proteger o sistema. Grupos do setor elétrico se mostraram contrários, argumentando que os sistemas atuais desligariam a rede automaticamente antes de os transformadores serem danificados.
A espaçonave da NASA encarregada de observar o Sol continua registrando as manchas solares, podendo auxiliar a avisar quais regiões parecem propensas a entrar em erupção.
Embora a nave possa contar o tamanho da erupção, é impossível determinar um fator importante: para qual lado o campo magnético está apontando dentro do enxame de partículas.
Caso o campo esteja virado para o norte, o campo magnético da Terra pode absorver o choque razoavelmente bem. Entretanto, caso esteja apontando para o sul, na direção oposta do campo da Terra, os campos magnéticos basicamente desligam e religam – "curtos-circuitos" magnéticos que liberam grandes explosões de energia.
A NASA dispõe de um satélite, o Explorador de Composição Avançado (ACE, sigla em inglês), que pode avisar para qual lado o campo está virado. Porém, o ACE está a apenas 1,5 milhão de quilômetros da Terra, num ponto onde as forças gravitacionais do Sol e da Terra se cancelam.
Quando ele fizer essa medição crucial, uma ejeção de massa coronal gigante em alta velocidade poderia estar a apenas dez minutos de distância. As distribuidoras de energia teriam de tomar rapidamente suas decisões finais – e, quem sabe, provocar deliberadamente um apagão continental – para proteger a rede elétrica de um dano maior.
À medida que os cientistas aprendem mais sobre o Sol, eles descobrem que uma ejeção de massa coronal da amplitude de Carrington pode não ser um evento muito raro – rara é a chance de atingir a Terra. Desde que continuemos tendo sorte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário