quarta-feira, 2 de abril de 2014

A assinatura dos extraterrestres

Como detectar vida alienígena separada de nós por vários anos-luz de distância? Não é um problema trivial, mas um grupo de pesquisadores liderados pela biofísica Claudia Lage, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, está trabalhando nisso. O segredo é identificar como a presença de moléculas diretamente atreladas à vida pode ser revelada a partir da análise da luz vinda desses planetas distantes.

Concepção artística do Kepler-62e, um dos mundos mais parecidos com a Terra já descobertos. Como saber se tem vida lá?
Ilustração do Kepler-62e, um dos planetas mais parecidos com a Terra já detectados. Como saber se há vida lá?

Peguemos um exemplo concreto: o planeta Kepler-62e, localizado a cerca de 1.200 anos-luz de nós na constelação de Lira. Ele tem um diâmetro 60% maior que o terrestre e orbita ao redor de uma estrela de tipo K, um pouco menor que o Sol, completando uma volta a cada 122 dias. Sua idade é mais ou menos a mesma que a da Terra, e sua composição possivelmente é similar. Como podemos saber se ele abriga uma biosfera?
O instigante planeta foi descoberto ao passar repetidas vezes à frente de sua estrela ao completar voltas e mais voltas em torno dela, produzindo uma ligeira redução de brilho do astro central a cada passagem. Essas variações foram detectadas pelo satélite Kepler, da Nasa, o que permitiu estimar seu tamanho e sua órbita, determinando que ele está na chamada zona habitável — região do sistema em que um planeta como o nosso abrigaria água em estado líquido.
A beleza do achado por este método é que agora os astrônomos podem tentar olhar para aquela direção no exato momento em que o Kepler-62e estiver à frente de sua estrela. A luz individual do planeta é muito diminuta para ser detectada diretamente com os instrumentos atuais, mas é possível ver uma certa quantidade de luz da estrela que atravessa a atmosfera do planeta pelas bordas e chega até nós. Ao analisá-la com um instrumento chamado espectrógrafo acoplado a um telescópio — separando a luz original em um arco-íris de frequências — é possível identificar a “assinatura” de diversos compostos presentes no ar daquele mundo.
É assim que se pretende identificar certos gases simples na atmosfera de planetas afastados. Se o Kepler-62e tiver oxigênio e ozônio, por exemplo, eles serão um indicativo de que algo pode estar vivo lá para produzir esses gases. Na Terra, o oxigênio da atmosfera vem da fotossíntese, produzida por plantas e bactérias. Mas quem vai dizer que o oxigênio alienígena é mesmo de origem biológica?
É aí que entra o esforço de Lage e seus colegas. Eles querem estabelecer assinaturas espectrais que estejam relacionadas diretamente com a vida. Ou seja, em vez de procurar oxigênio, que é um indicativo indireto de atividade biológica, o grupo quer observar coisas como clorofila — a molécula responsável pela fotossíntese nas plantas e que jamais foi vista em nada que não estivesse vivo.
QUÍMICA ALIENÍGENA
Lage esteve apresentando uma versão preliminar de seu trabalho na conferência de astrobiologia promovida pelo Vaticano e pela Universidade do Arizona, na semana passada. Feito em parceria com um grupo da Universidade de Nice, na França, o esforço consiste em basicamente modelar como moléculas essenciais à vida terrestre apareceriam no espectro de luz de planetas distantes.
Uma coisa que pode ocorrer ao leitor é que a evolução da vida está cheia de fenômenos contingentes, aleatórios. Quem garante que clorofila vá aparecer na biologia de outros mundos como apareceu na nossa?
Aí reside uma das sofisticações do trabalho. Ele tenta identificar assinaturas ligadas a famílias inteiras de moléculas. Em vez de procurar um dos tipos de clorofila da vida terrestre, o grupo quer identificar a assinatura das porfirinas — compostos orgânicos em forma de anel que estão presentes em uma série muito variada de moléculas biológicas fundamentais. A clorofila é uma delas. Mas também há porfirina, por exemplo, na hemoglobina, proteína responsável pelo transporte de oxigênio em criaturas como nós.
“O anel porfirínico é essencial para a vida”, disse Lage ao Mensageiro Sideral. “E temos razões para acreditar que ele será incorporado em todas as formas de vida, porque sua formação é fruto de uma reação termodinamicamente favorecida.” Trocando em miúdos, a pesquisadora quer dizer que a natureza adora fabricar porfirina.
OBSERVAÇÃO
Em paralelo ao desenvolvimento dos padrões espectrais teóricos, que precisam ser modelados levando em conta diferentes padrões de temperatura e pressão possivelmente encontrados em outros planetas, o que os pesquisadores querem mesmo é de fato encontrar esses padrões em mundos distantes. Detecção de verdade.
Por isso, Bruno Lopez, do Observatório da Costa Azul, na França, se empolgou ao conhecer o trabalho de Lage e buscou uma parceria. Ele é o pesquisador-chefe (“principal investigator”, no linguajar cientifiquês) de um novo instrumento sendo desenvolvido para o VLT, grande quarteto de telescópios do ESO (Observatório Europeu do Sul), instalado no Chile. Chamado de MATISSE, esse aparato será capaz de obter espectros de alta resolução na frequência do infravermelho — a ideal para a busca de assinaturas de moléculas biológicas.
O instrumento deve ser instalado no ano que vem, e em 2016 já será possível iniciar a caça. Até lá, certamente os astrônomos já terão encontrado outros planetas nas zonas habitáveis de suas respectivas estrelas que sirvam como alvos em uma busca preliminar. O Kepler-62e provavelmente estará entre eles.
Nunca estivemos tão perto de confirmar a presença de vida fora da Terra. Só de pensar que pode acontecer ainda nesta década dá um nó na garganta.
Quem viver, verá.
Folha.com

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